Corrupção e penalização

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Periodicamente retorna ao noticiário o tema da corrupção. Aqui, recentemente, efervesceram as denúncias de irregularidades no Poder Judiciário, produzidas com empenho e energia inusitados pelo do Senado Federal. Na mesma época, na Europa, foram expostas à execração pública as cabeças coroadas da Comissão Européia, espécie de comitê executivo que governa o conjunto dos 15 países unidos, após comprovado seu envolvimento em atos de nepotismo, fraude, favorecimento e má administração de recursos do contribuinte europeu.
Evidenciou-se com esses fatos que a corrupção não é mazela apenas do Terceiro Mundo, nem típica tão somente das sociedades tradicionais, cujos membros não distinguem a ordem pública da ordem privada, como costumam afirmar os estudos acadêmicos sobre a corrupção produzidos no Primeiro Mundo.
Esta coincidência é feliz, em certo sentido, pois nos permite comparar a forma como duas organizações políticas – o Estado Brasileiro e a União Européia – lidam com o problema, em termos de prazos e resolutividade.
Isto é, permite mostrar a diferença fundamental quanto ao desfecho que se dá às acusações de corrupção em cada uma das arenas políticas consideradas. Existente em todos os quadrantes do globo, inclusive em países onde a criminalidade comum é relativamente baixa, como o Japão, a corrupção é sempre difícil de ser combatida, porque é considerado crime sem vítimas.
Mas há sistemas políticos e judiciais mais ou menos eficazes na perseguição dos corruptos e corruptores, que correspondem diretamente à vontade política de cada povo de tolerar ou não a impunidade daqueles que em geral vitimam o erário público.
Basicamente, há sociedades em que a suspeita de corrupção é tratada dura e consequentemente, através de mecanismos de controle, interno e externo, e judiciais eficazes. Noutras, a acusação de corrupção não passa de arma política para desqualificação de adversários, sendo importante o desgaste moral e do prestígio do oponente perante a opinião pública. Já os procedimentos punitivos e indenizatórios são considerados irrelevantes No caso da União Européia, graças a investigações céleres e mecanismos institucionais precisos, em um mês e meio, os acusados de desmandos administrativos foram formalmente responsabilizados e os 20 comissários perderam seus cargos, renunciando para não serem demitidos. Nova Comissão está sendo formada e novos mecanismos de controle estão sendo implementados para evitar a repetição do vexame Samper.
Aqui, falou-se há alguns meses em corrupção no Judiciário, especialmente no ramo da Justiça do Trabalho, mas até agora não se passou do plano da retórica. Como fogos de artifício, tão ao gosto de certa imprensa, levanta-se suspeitas e prepara-se logo a instalação de uma CPI. O simples discurso de formalização das denúncias tem de ser feito em momento cuidadosamente escolhido, para não competir com outros assuntos, atrair atenções e maximizar os efeitos na mídia…
As esperanças da população são de que os trabalhos de qualquer CPI permitam que os problemas possam ser expostos à luz do dia e que se chegue à responsabilização judicial. Poder-se-á discutir a inadequação dos códigos de processo civil e penal que, a pretexto de garantir o fundamental direito de defesa e dupla jurisdição, acabam servindo para as chicanas de alguns advogados, promotores e juizes, além de certos serventuários inescrupulosos que criam dificuldades para vender facilidades, valendo-se da enorme variedade de recursos e prazos que podiam fazer sentido antes da era do telefone.
Anões do orçamento, pasta rosa, propinas para deputados votarem a reeleição, manipulação ilícita de processos de privatização para favorecer grupos econômicos amigos do poder etc. … são muitos os eventos de corrupção que chocaram a opinião pública e depois terminaram em pizza. Os brasileiros reagem ao denuncismo inconseqüente reduzindo progressivamente seu crédito nas instituições democráticas.
No passado recente, perdemos para os europeus a Copa do Mundo e os Oscars de Hollywood, mas competimos com dignidade. Não precisamos copiá-los no cinema ou no futebol. Porém, em matéria de combate à corrupção está na hora imitá-los, mudando nossa Justiça e o papel fiscalizador do Legislativo, auxiliado pelos Tribunais de Contas. Tais instituições estão tecnicamente falidas e, sem recuperá-las, não teremos democracia.

Luiz Alfredo Salomão
Vice-líder do PDT na Câmara dos Deputados e diretor da Escola de Políticas Públicas e Governo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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