Crise climática reforça urgência do debate sobre oceanos

Debate no Senado pede ações conjuntas para enfrentar incêndios e mudanças climáticas

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Oceano (Foto: Fernando Frazão/ABr)
Oceano (Foto: Fernando Frazão/ABr)

O aumento das queimadas no país em 2024, com um crescimento de 100% em relação ao ano anterior, destaca a necessidade urgente de ações voltadas à preservação ambiental e mitigação dos efeitos da crise climática. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil já registrou mais de 159 mil focos de incêndio este ano, com a Amazônia e o Cerrado sendo os biomas mais afetados. Esses dados reforçam a importância de soluções sustentáveis que protejam os ecossistemas e promovam o uso responsável dos recursos naturais.

Beto Marcelino, especialista em cidades inteligentes e sócio-diretor do iCities, aponta que dentre os prejuízos ocasionados pelo cenário das queimadas, destaca-se o ecossistema dos oceanos.

“A transformação atmosférica gerada pelas queimadas traz efeitos danosos a toda cadeia biológica dos mares. Essa relação se torna evidente quando consideramos a importância dos oceanos para a regulação do clima, a biodiversidade marinha e a economia azul, que é baseada no uso sustentável dos recursos marinhos”, explica Beto.

Os oceanos são capazes de absorver cerca de 30% de CO₂. De acordo com o especialista, esse cenário de aumento das queimadas leva à acidificação dos oceanos, prejudicando a vida marinha, como corais e moluscos, essenciais para os ecossistemas aquáticos. Outro ponto levantado por Beto trata-se da transformação do ciclo da água.

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“Queimadas em grandes áreas florestais diminuem a evapotranspiração e reduzem a quantidade de chuva em várias regiões. Menos chuvas afetam diretamente os rios, que deságuam nos oceanos, alterando a salinidade e a temperatura das águas costeiras, o que prejudica espécies marinhas. Além disso, queimadas aumentam a erosão do solo e a sedimentação nos ambientes marinhos, o que pode sufocar recifes de corais e impactar áreas costeiras essenciais para a reprodução de várias espécies aquáticas.

Diante desse cenário preocupante, emerge a necessidade de ampliar as discussões sobre a economia azul. Cerca de 80% dos brasileiros moram em até 200 km do mar,, segundo levantamento da Embrapa.

“São cidades que têm suas economias baseadas em navegação, turismo, geração de energia no mar (offshore) ou em costa, pesca, aquicultura, esportes marítimos e extração de petróleo e gás”, explica Beto.

Ele pontua que a saúde dos oceanos está diretamente ligada à disponibilidade de recursos pesqueiros, que sustentam milhões de pessoas ao redor do mundo.

“A partir do avanço da degradação dos oceanos, causada tanto pela mudança climática agravada pelas queimadas e poluição, esses recursos ficam ameaçados, comprometendo a segurança alimentar e, principalmente, as economias dependentes da pesca”, acrescenta.

O especialista alerta ainda para o impacto das mudanças climáticas na geração de energia renovável, tendo em vista que a viabilidade desses projetos depende de condições climáticas estáveis. “Além de impactar a evolução da energia limpa, a degradação dos oceanos influencia também no maior risco de desastres naturais, como tempestades mais intensas, afetando a infraestrutura costeira”, complementa Beto.

As queimadas no Brasil, especialmente na Amazônia e no Cerrado, não representam apenas uma tragédia ambiental. O impacto direto e devastador para os negócios e a economia do país é crescente, afetando setores estratégicos, como o agronegócio. Em 2024, os incêndios florestais atingiram níveis alarmantes, gerando prejuízos substanciais e ameaçando a competitividade de diversas empresas.

De acordo com Dema Oliveira, CEO e fundador da consultoria GoshenLand, as queimadas já estão interferindo significativamente no crescimento econômico. “O setor agrícola, que é vital para a nossa economia, está sendo diretamente impactado. Desde pequenos produtores até grandes corporações estão enfrentando interrupções na cadeia de suprimentos, aumento nos custos operacionais e desafios logísticos”, explica.

Além das dificuldades operacionais, Oliveira destaca que os danos ambientais podem comprometer a reputação das empresas. “Em um momento em que consumidores e investidores estão mais atentos às práticas sustentáveis, adotar medidas de preservação ambiental não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas também de sobrevivência no mercado”, afirma o especialista.

As queimadas não afetam apenas o meio ambiente. Elas têm causado prejuízos econômicos severos, especialmente no setor agrícola. “As terras produtivas estão sendo devastadas pelo fogo, interrompendo a produção e gerando perdas financeiras consideráveis”, diz Dema Oliveira. Ele observa que a recuperação dessas áreas pode levar anos, o que afeta diretamente a oferta de produtos e aumenta os custos, pressionando a inflação de alimentos e os preços no mercado.

A destruição das áreas produtivas impacta não apenas os produtores rurais, mas também indústrias que dependem da produção agrícola, como a pecuária e o setor de alimentos processados. Com a redução da capacidade produtiva, as empresas enfrentam escassez de insumos e aumento no preço da matéria-prima, elevando os custos de produção e comprometendo a competitividade do Brasil no mercado global.

“É crucial que os empresários busquem alternativas, como a diversificação de mercados e fornecedores, e adotem inovações tecnológicas que aumentem a resiliência de suas operações”, alerta Oliveira. Ele reforça que o planejamento estratégico, envolvendo gestão de riscos e uso de novas tecnologias, é fundamental para minimizar as perdas e garantir a continuidade das operações.

Diante desse cenário desafiador, a mensagem para os empresários brasileiros é clara: as queimadas são uma realidade que não pode ser ignorada. “Cuidar do meio ambiente é cuidar do futuro dos negócios”, afirma Dema Oliveira. “Ao investir em soluções sustentáveis e se adaptar às novas demandas de mercado, as empresas não só protegem seus ativos, mas também pavimentam o caminho para um crescimento mais robusto e responsável.”

As queimadas evidenciam a urgência de adaptação e inovação no setor empresarial. As empresas que liderarem essa transformação terão uma vantagem estratégica importante, não apenas preservando seus negócios, mas também promovendo um futuro mais sustentável para todos.

No Senado, em sessão de debates no Plenário na tarde de ontem, senadores e debatedores convidados – incluindo representantes do governo – cobraram uma ação conjunta dos órgãos competentes de todos os governos no combate aos incêndios e às mudanças climáticas. Eles também defenderam o fortalecimento dos órgãos ambientais e um maior volume de investimentos em tecnologia e estrutura para o enfrentamento da crise ambiental. A sessão durou quase cinco horas.

O senador Jorge Kajuru (PSB-GO), autor do requerimento para realização do debate (RQS 650/2024), conduziu a sessão. Ele disse que os incêndios são consequência das mudanças climáticas e da irresponsabilidade humana. O senador chamou a atenção para as queimadas na Região Centro-Oeste, que podem comprometer várias nascentes de rios importantes para todo o Brasil. Ele lamentou o aumento dos focos de incêndio em todo o país, apontando os impactos para a fauna e para a flora. E afirmou que a questão ambiental repercute nas dimensões econômica e social e pode comprometer as futuras gerações.

Segundo Kajuru, os incêndios são sinal de uma cultura predatória, que coloca o lucro à frente da vida. Ele ressaltou que as comunidades locais e a população em geral pagam o preço disso com a própria saúde. Os riscos de inflação e queda na competitividade também são consequência dos incêndios, ressaltou o parlamentar. Ele lembrou o compromisso ambiental que o Brasil tem diante da comunidade internacional e reiterou que o país precisa aperfeiçoar suas práticas de combate aos incêndios florestais. Para o senador, é urgente uma ação conjunta e integrada dos órgãos competentes para punir os responsáveis pelas queimadas ilegais.

“O Brasil arde em chamas. Além da biodiversidade, nossa saúde e nossas esperanças estão sendo consumidas pelo fogo. Não se trata apenas de manter as árvores, mas de salvar vidas. Não há mais tempo a perder”, declarou Kajuru, que prometeu entregar as conclusões do debate ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

A senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) manifestou sua preocupação com os incêndios criminosos e disse que seu estado tem sofrido com a seca. Ela afirmou que é preciso pensar no meio ambiente como um todo. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) classificou o debate no Plenário como histórico por conta da importância do tema. Segundo Damares, as crianças são as primeiras vítimas das mudanças climáticas. Ela ainda cobrou mais recursos no Orçamento para medidas de combate aos incêndios.

O ex-vice-presidente e atualmente senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) salientou que os eventos climáticos extremos vêm se intensificando há bastante tempo. Ele reconheceu que a questão é urgente e lembrou as intensas chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul. Mourão fez críticas a integrantes do governo e do Supremo Tribunal Federal na condução da crise climática, mas disse que não adianta procurar culpados e pediu um trabalho conjunto.

Para a senadora Rosana Martinelli (PL-MT), é preciso mudar a consciência do povo sobre a necessidade da preservação ambiental. Ela ainda pediu mais planejamento e mais investimentos em estrutura para o combate aos incêndios.

“Precisamos de medidas sérias, urgentes e concretas. Que todos nós possamos estar, em conjunto, trabalhando contra os incêndios. Ninguém vai conseguir fazer isso sozinho”, registrou a senadora.

A presidente da Comissão do Meio Ambiente (CMA), senadora Leila Barros (PDT-DF), reiterou que o tema dos incêndios é urgente e complexo. Ela reconheceu que as mudanças climáticas são uma realidade que exige uma ação do Legislativo. Segundo a senadora, o Brasil é um dos países que mais sofrem com as mudanças climáticas. Além disso, ela declarou que muitos dos incêndios recentes são criminosos, comprometendo as florestas, a vida dos animais e a saúde humana. E enfatizou que os incêndios aceleram as mudanças climáticas e ameaçam a economia nacional.

“É muito preocupante o que estamos vivendo. Cada hectare queimado é um passo em direção ao desequilíbrio climático, que já estamos vivendo”, salientou Leila.

Para a presidente da CMA, as tragédias ambientais não podem ser vistas como fato corriqueiro. Ela ressaltou o compromisso do país com a pauta ambiental. E também pediu o fortalecimento da fiscalização, foco no crescimento sustentável e nas políticas públicas de prevenção. A senadora disse que o combate aos incêndios não pode ser visto como responsabilidade apenas de um governo ou outro e pediu que os governos se unam para enfrentar as mudanças climáticas. Ela cobrou o compromisso prático dos senadores com o meio ambiente e defendeu a aprovação de um Projeto de Lei de sua autoria: o PL 3.629/2024, que trata de medidas de prevenção e combate aos incêndios florestais. Esse projeto está em análise na CMA, sob relatoria do senador Jaques Wagner (PT-BA).

“Chegou o momento de colocar o meio ambiente no centro da nossa agenda. A emergência climática não espera, e as ações de hoje vão definir o futuro das próximas gerações”, alertou Leila.

Jorge Kajuru também defendeu ações legislativas sobre questões ambientais. Ele citou o PL 3.614/2024, Projeto de Lei de sua autoria, que prevê medidas voltadas ao enfrentamento da emergência climática. A matéria ainda aguarda distribuição às comissões do Senado.
Os convidados para a audiência também fizeram sugestões para o enfrentamento das mudanças climáticas e dos incêndios florestais. De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, a conjunção das ondas de calor e da falta de chuva com os incêndios criminosos torna o momento muito delicado para o país. Ele destacou que cerca de 33% do Produto Interno Bruto dependem da agropecuária – que não terá sucesso sem o equilíbrio climático.

Agostinho disse que as estruturas dos órgãos que cuidam do meio ambiente estão em fase de reconstrução, já que haviam sofrido desmonte nos últimos anos. Ele admitiu que todos os países do mundo vão precisar de uma estrutura maior para enfrentar os incêndios e as mudanças climáticas. Como medidas importantes para o combate às mudanças climáticas e aos incêndios, Agostinho citou a revisão da pena de crimes ambientais, uma maior capilaridade dos órgãos ambientais, mais investimentos em estrutura, como aeronaves de combate a incêndio, e o uso mais intenso de recursos tecnológicos.

A coordenadora-geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde, Eliane Ignotti, lembrou que não há dúvida sobre os efeitos nocivos das queimadas na saúde humana. Ela também mencionou várias recomendações de saúde para este momento de seca e poluição atmosférica, como a de se hidratar constantemente e a de se evitar exposição solar e exercícios ao ar livre.
Belloni Schmidt, da Universidade de Brasília (UnB), destacou a importância do fogo de manejo como forma de evitar os grandes incêndios. Já o biólogo americano Phelipe Fearnside alertou para o risco de grandes secas na região amazônica.

Com informações da Agência Senado

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