Na era do capital fictício, o que existe é a expectativa por algo ainda a ser criado
Está disponível nas plataformas de filmes estrangeiros a película alemã King of Stonks, que explicita, numa divertida comédia, a formação de uma grande pirâmide financeira vendida para o público na forma de empresas de pagamentos digitais negociadas em Bolsas de Valores e, mediante jogadas contábeis, enganava incautos “investidores”.
Um paralelo atual se nota na questão das “bitcoins” e suas plataformas digitais que “queimam” grandes montantes de poupanças das famílias brasileiras de classe média.
A fase atual do capitalismo caracteriza-se por forte concentração de mercado, aceleração de preços de produtos de primeira necessidade e achatamento salarial, trazendo instabilidade social ao redor do planeta. Na periferia, a situação é preocupante!
São tempos de predomínio do capital fictício, que muda a lógica de valorização do capital. Não confundir com capital a juros. Senão, vejamos, na forma tradicional, o capital preexiste na forma dinheiro. Este compra força de trabalho e meios de produção, que geram mercadorias, cuja missão seria satisfazer necessidades humanas físicas e espirituais. Neste ambiente, o valor das mercadorias, se realiza na circulação gerando uma apropriação do excedente pela classe detentora dos meios sociais de produção.
O problema é que na era do capital fictício o que existe é uma expectativa de apropriação de um valor no futuro, ou seja, algo ainda a ser criado/produzido/gerado. O que o capitalista tem é um direito de apropriação (uma capitalização) de algo que ainda não foi produzido e pode não vir a ser absorvido pelo mercado, se houver crise de superprodução.
No tempo presente, isso se generaliza, ou seja, ocorre no setor financeiro, mas também na agricultura, na indústria e no setor terciário. Vivemos tempos de grandes apostas lastreadas na dívida pública e no mercado de ações. Uma tentativa de trazer a valor presente algo que ainda não existente, ou que talvez nem venha a se constituir. Essa engenhosidade aumenta, de forma exponencial, o grau de rotação e lucratividade do capital, medida trimestralmente via balanços empresariais. Mas exige salários contidos e forte presença estatal para dirimir riscos de curto circuito generalizado do sistema.
É neste contexto que o Brasil encara uma eleição este ano, diante de grandes desafios. O nosso país vê seu parque industrial numa reestruturação produtiva, com poupança de força de trabalho mediante fragmentação e precarização de nosso mercado de contratação de mão de obra.
No campo, o latifúndio se moderniza, exporta alimentos em larga escala, expulsando o camponês na direção de grandes e médias cidades.
Estes dois setores são fortemente dependentes do Estado (com seu papel estabilizador) e do capital financeiro, que financia suas expansões. Surge desse quadro de fragilidades uma crise urbana, na falta de moradias dignas e saneamento, saúde pública e educação básica de qualidade.
Nossa missão é transformar esse conjunto de contradições em demandas efetivas para os novos dirigentes a tomarem posse em 2023. Reverter privatizações, bem como os ataques aos direitos sociais e trabalhistas, mudar a política de preços dos combustíveis, rever a política de estoques de alimentos para combater a fome e a miséria. Medidas urgentes e prementes neste rico país, cuja renda média encolheu 43%, entre 2011 e 2021.
Ranulfo Vidigal é economista.