Atraso na vacinação leva transporte público ao caos

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Ônibus cheio (Foto: Câmara Municipal de Serra-ES)
Ônibus cheio (foto da Câmara Municipal de Serra-ES)

Com o atraso na vacinação, se agrava a situação já caótica em todos os setores da economia do país. O transporte público não foge a regra. Nos últimos 14 meses, resultou em prejuízo de R$ 14,24 bilhões ao setor até o momento. O monitoramento, realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), traz dados sobre o impacto da pandemia no período de 16 março 2020 a 30 de abril de 2021. Destacam-se a interrupção da prestação dos serviços de 25 operadoras e um consórcio operacional e demissões de 76.757 trabalhadores. Observa-se também a insatisfação da população com a redução ou interrupção da oferta de transporte público.

O estudo detalhado com os impactos da pandemia no setor de transporte público destaca também que, nesses 14 meses, 88 sistemas de transporte público por ônibus em todo o país foram atingidos por 238 movimentos grevistas, protestos e/ou manifestações que ocasionaram a interrupção da oferta de serviços em várias cidades. Na maioria dos casos, os protestos foram motivados pela falta de caixa nas empresas para o pagamento de salários e benefícios para os colaboradores, devido ao desequilíbrio econômico-financeiro causado pela forte queda na demanda de passageiros.

Quanto à suspensão da prestação do serviço, a pandemia também deixou um grave saldo negativo. No período avaliado, 13 operadoras e um consórcio suspenderam as atividades; duas operadoras, um consórcio operacional e um sistema BRT (do Rio de Janeiro) sofreram intervenção na operação; cinco operadoras encerraram as atividades; e quatro tiveram seus contratos suspensos.

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) enviou na última semana, aos ministérios da Saúde e de Desenvolvimento Regional, uma lista com 24 recomendações para o funcionamento dos transportes coletivos visando reduzir os riscos de contágio pela Covid-19 e a crise no setor gerada pela pandemia. O documento apresenta ainda um levantamento das cidades onde aconteceram greves, rompimentos contratuais ou intervenções no serviço em 2021, somando 56 ocorrências no país. A iniciativa foi uma contribuição à proposta dos dois órgãos federais de encaminhar orientações às prefeituras das cidades brasileiras.

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“São cada vez mais numerosos os casos de suspensão do serviço de transporte coletivo, redução de frota, greves de funcionários e aumentos de tarifas. Essa discussão tem ficado restrita a cada município. Mas trata-se de um problema nacional e estrutural, que vem de muito tempo e se acentuou com a pandemia”, explica Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec.

Segundo ele, faltam fontes variadas para financiar o transporte nas cidades. Hoje as empresas que operam os sistemas dependem quase que totalmente da tarifa paga pelo usuário, tornando-as cada vez mais caras. Além disso, em geral, os contratos com as empresas são ruins e a remuneração dessas companhias é baseada no número de passageiros e não no custo de operação do sistema.

“Há anos estamos denunciando essa lógica equivocada. Agora, com a redução de passageiros, ela ficou evidente e as próprias concessionárias querem revê-la. É papel do governo federal centralizar uma política nacional que aponte soluções para resolver a situação sanitária emergencial – com o repasse urgente de recursos às prefeituras – e o problema estrutural a longo prazo”, cobra Calabria.

Aglomerações

Dados da Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos mostram que, em fevereiro deste ano, o número de passageiros nos ônibus estava em média 41% menor do que antes da pandemia. Em março de 2020, essa queda chegou a 80%. Mas, apesar de todas as restrições, há pessoas que precisam continuar se deslocando e fazendo uso do transporte.

O professor Mauro Zilbovicius, do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, participou de uma audiência pública, na Câmara dos Deputados, sobre transporte e pandemia e destacou que a redução de passageiros provoca, também, queda significativa na receita das empresas. “Praticamente quase todos os municípios do Brasil têm transporte público, e a enorme maioria deles é remunerada, exclusivamente, pela tarifa paga pelo passageiro.” Segundo o engenheiro, poucas cidades, como São Paulo, raras são as empresas com algo além das tarifas.

Ele explicou que com a quarentena, as próprias empresas procuraram as prefeituras que aceitaram a redução de veículos e linhas funcionando para reduzir o prejuízo das concessionárias. Mas ele aponta uma contradição, que foi a presença de aglomerações de passageiros, mesmo com menos gente circulando. “As prefeituras não podiam ter aceitado isso. Deveriam ter garantido uma quantidade maior de veículos e linhas, pois as pessoas ficavam doentes nessas lotações, e as prefeituras acabaram tendo que remunerar as empresas para que não demitissem funcionários, mesmo com todas as medidas de economia”, observa ele.

Zilbovicius destaca ainda, processo similar de redução de circulação nas composições de trens e metrôs, repetindo as lotações de trabalhadores de atividades essenciais. “O Estado gasta menos com o serviço, economiza para os ônibus, mas pagará mais na saúde, porque terá mais pessoas doentes. Então, não vale a pena. Quem planeja, pensou, simplesmente, assim: menos passageiros, menos ônibus, ou menos trens”, o que, segundo ele, é um grande problema, principalmente na terceira onda da covid-19 que se aproxima.

Entretanto, os trabalhadores reagem a tudo isso com tentativas de negociações sindicais e até greves. Além das demissões, têm que lidar com os riscos da operação durante a pandemia. “Temos discutido isso no poder público para incluir motoristas e cobradores na prioridade da vacina, pois enquanto o passageiro passa algum tempo na aglomeração do ônibus, esses trabalhadores passam o dia inteiro submetidos ao risco”.

Considerando que a pandemia deve continuar, ainda, por meses, ele aponta a necessidade dos departamentos de trânsito garantirem a velocidade das viagens com otimização da operação nas avenidas que contam com faixa de ônibus e criar faixas onde não há. Ele mencionou os 1.600 ônibus parados em São Paulo que poderiam ir para as ruas, assim como a redução do intervalo entre trens e metrôs.

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