Nos últimos cinco anos, Itália e França, economias centrais da Zona do Euro, atravessaram ciclos de instabilidade política e pressão fiscal que remodelaram suas trajetórias econômicas. A convergência recente entre os prêmios de risco e os rendimentos dos títulos soberanos de ambos os países sinaliza uma reconfiguração na percepção dos investidores, com implicações que ultrapassam o continente europeu e ecoam no Brasil.
Durante décadas, a França sustentou um custo de financiamento inferior ao da Itália, sustentado por sua reputação de estabilidade institucional e disciplina orçamentária. Essa vantagem, no entanto, começou a se desfazer em 2024, à medida que tensões políticas internas e déficits persistentes corroíam a confiança dos mercados. Em agosto de 2025, o spread (diferença) entre os títulos de 10 anos dos dois países atingiu seu menor nível desde a crise de 2008, com os rendimentos franceses se aproximando dos italianos — 4,1% contra 4,2%, respectivamente.
A Itália, apesar de carregar uma dívida pública superior a 130% do PIB, conseguiu estabilizar seu custo. Reformas fiscais pontuais, maior alinhamento com as diretrizes da Comissão Europeia e uma postura mais pragmática frente ao Pacto de Estabilidade contribuíram para conter a escalada dos juros. O governo de Giorgia Meloni, embora polarizador, manteve uma agenda econômica relativamente ortodoxa, o que ajudou a preservar a previsibilidade institucional. A França, sob Emmanuel Macron, enfrentou dificuldades em aprovar reformas estruturais, como a previdenciária, e viu sua nota de crédito ser colocada sob vigilância por agências como Fitch e Moody’s.
Nos mercados de capitais, a diferença entre os dois países tornou-se ainda mais evidente. O índice CAC 40, da Bolsa de Paris, acumulou perdas relevantes em 2022 e 2025, impactado por greves, trocas de ministros e incertezas sobre reformas. Já o FTSE MIB, da Bolsa de Milão, mostrou recuperação gradual desde 2023, impulsionado por bancos, empresas industriais e recursos do plano NextGenerationEU — o pacote de estímulo da União Europeia pós-pandemia. A resiliência italiana contrasta com a fragilidade francesa, invertendo expectativas históricas e desafiando a lógica tradicional dos mercados.
Essa inversão é corroborada pelos dados de risco soberano. O Credit Default Swap (CDS) de cinco anos, indicador objetivo da percepção de risco, revela uma aproximação inquietante. Em 2020, o CDS francês oscilava em torno de 25 pontos-base, enquanto o italiano superava os 100. Em outubro de 2025, ambos operam na faixa de 85 pontos, refletindo a erosão da distinção entre duas potências globais e da Zona do Euro. A Itália, antes vista como vulnerável, tornou-se mais previsível; a França, antes referência de estabilidade, passou a ser observada com cautela.
As projeções para 2026 e 2027 reforçam esse contraste. A Itália deve manter crescimento modesto, sustentado por investimentos em infraestrutura, digitalização e transição energética. O país também se beneficia de uma base industrial diversificada e de exportações robustas para a Alemanha e China. A França, por sua vez, enfrenta o desafio de conter um déficit fiscal que ultrapassou 5% do PIB em 2024, restaurar a confiança dos investidores e evitar rebaixamentos. A aprovação de reformas será decisiva para reverter a trajetória de deterioração.
O Brasil, embora fora do contexto europeu, compartilha vulnerabilidades semelhantes: dívida pública próxima de 80% do PIB, fragilidades institucionais e percepção de risco elevada. O CDS brasileiro, embora mais alto, segue trajetória paralela à francesa, refletindo preocupações com governança e sustentabilidade fiscal; e os títulos do Tesouro Nacional atrelados a inflação (NTN-Bs) voltam ao nível mais elevado do ano. A experiência italiana mostra que reformas, mesmo em ambientes fragmentados, podem estabilizar expectativas. Já o caso francês alerta para os riscos de paralisia política e deterioração fiscal, mesmo em economias maduras.
A convergência entre França e Itália é mais do que um fenômeno técnico, é um sinal de que reputações não são eternas. Para o Brasil, o recado é claro: o mercado precifica não apenas fundamentos, mas também atitudes. E essas atitudes, quando não bem conduzidas, podem custar caro.
Roberto Carline é mestre em economia internacional e estrategista de mercado de capitais.
















