Cuidados nas negociações contratuais por meios virtuais

Cuidados nas negociações contratuais virtuais: formação de contrato sem assinatura, validade jurídica, riscos e como evitá-los. Por Mayra Mega

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Foto: divulgação
Contrato assinado (foto divulgação)

As negociações comerciais, incluindo a negociação de cláusulas contratuais entre as partes, há bastante tempo deixaram de ser feitas de forma “física” e passaram a ser feitas 100% de modo virtual, ou seja, através de minutas eletrônicas (e não mais impressas), trocadas e negociadas por e-mail, até mesmo por WhatsApp, videoconferências, mensagens de áudio e, mais recentemente, assinadas por meio eletrônico, como permitido pela redação do art. 784, § 4º do Código de Processo Civil.

Entretanto, as partes envolvidas em uma negociação, muitas das vezes, não conseguem acompanhar os aconselhamentos de seus consultores jurídicos e acabam por iniciar as atividades negociadas antes mesmo de haver um contrato com uma redação final consensada entre as partes e assinado por seu representante legal — contrato este que deveria conter cláusulas detalhadas sobre as condições do negócio e da relação entre as partes.

O início das atividades antes da assinatura de um contrato pode acontecer por diversos motivos, como, por exemplo: pressa para o início das atividades, lentidão das negociações das cláusulas contratuais, lentidão na análise de cláusulas pelo jurídico, dificuldade de chegar a um consenso sobre uma ou mais cláusulas do contrato, atraso da assinatura pelo representante legal e outros. Vejamos alguns exemplos de casos reais que já acompanhamos:

  • a) Durante as negociações de minutas contratuais, muitas vezes, uma das partes pode aceitar (por e-mail, WhatsApp, áudio ou vídeo) a redação proposta pela outra parte, mesmo antes de chegarem a assinar um contrato (documento) final. Tal parte, com o decorrer do tempo, também antes da assinatura, pode vir a mudar de ideia e não mais concordar com a redação de uma ou várias cláusulas antes aceitas, por diversos motivos ocorridos posteriormente;
  • b) As partes trocam e-mails negociando a redação da minuta de um contrato até certo ponto e, pelo atropelamento das atividades diárias, abandonam a negociação sem assinar o contrato final, já dando início às atividades (serviços, fornecimentos) e respectivos pagamentos, sem finalizar as negociações da redação contratual e a assinatura do contrato;
  • c) As partes negociam uma redação virtualmente (por e-mail, por exemplo), dando a entender que entraram em um consenso final, mas, de acordo com os atos constitutivos (Contrato/Estatuto Social), somente o representante legal teria poderes para assinar a minuta. Entretanto, durante toda a negociação, quem de fato representou a empresa não foi o representante legal, mas um preposto com poderes para negociar (representante de fato). E, ao final, o representante legal se nega a assinar a minuta já consensada durante a negociação, porque não concorda com algumas das cláusulas.

Estes são alguns dos muitos exemplos que poderíamos dar sobre o que pode ocorrer (e é muito comum) durante as negociações de cláusulas contratuais que hoje, em sua esmagadora maioria, como dito, acontecem por meios virtuais.

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Pergunta-se, portanto: por que motivo estamos trazendo isto à tona? E a resposta é: porque, como dito, são situações corriqueiras (acúmulo de contratos sem assinatura e atividades contratuais já iniciadas — backlog) e porque a maioria dos profissionais que negociam as relações comerciais da empresa não conhecem uma importantíssima informação, que é, a propósito, o foco do nosso artigo: a falta de assinatura de um contrato não significa que um contrato não foi formado. Não significa que não há contrato válido e não significa que as partes não estão obrigadas sobre os pontos que propuseram e aceitaram durante as negociações.

Contrato é o resultado de um acordo entre as partes. Pode existir na forma escrita ou verbal; pode ser tácito ou expresso; oneroso ou gratuito; formal ou sem forma legal prescrita. Em geral, um contrato se forma com a aceitação de uma proposta. E o proponente já fica obrigado a ela (exceto se houver ressalva na proposta) desde o momento em que faz a proposta.

Em regra, uma vez aceita a proposta por quem a recebe, o contrato já está formado, independentemente de qualquer assinatura, sobre aquela(s) cláusula(s) ou ponto(s) aceito(s).

Explicamos: em primeiro lugar, a maioria dos contratos comerciais não exige forma específica prescrita em lei; e o contrato que independe de forma específica (fornecimento de bens móveis, materiais, equipamentos, prestação de serviços, por exemplo) pode se formalizar das mais diversas maneiras: simplesmente pela forma verbal, por troca de mensagens no próprio corpo do e-mail, por troca de mensagens de texto e áudio em aplicativos do gênero (WhatsApp, Telegram, por exemplo) e, inclusive, claro, o que é o mais comum, por troca de minutas do contrato em si (por qualquer meio), quando pode ser aceita parte delas e rejeitada outra parte, enquanto não se chega a um consenso final culminando com a sua assinatura.

Continuando, a regra do art. 427 do Código Civil estipula que a proposta vincula o proponente e o contrato se forma quando da aceitação de tal proposta: se a empresa “A” aceitou as condições propostas pela empresa “B”, por e-mail ou por mensagem de texto ou de áudio, por exemplo, em tese, tais condições já são válidas entre as partes mesmo sem haver a assinatura de um contrato, porque, de acordo com o Código Civil, se houve aceitação de uma proposta, formou-se um contrato válido (sobre essas condições aceitas) e as partes estão, portanto, a ele vinculadas e obrigadas. Não depende de assinatura. Depende de prova da proposta e da consequente aceitação. Se temos um e-mail ou uma mensagem de WhatsApp descrevendo a proposta pelo proponente e a aceitação pela outra parte, isto basta para dizer que há um contrato entre as partes sobre os pontos contidos na proposta.

Veja:

Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso.

O Código Civil tem por pilares que regem as relações contratuais os princípios da boa-fé e da probidade, como se pode depreender do art. 422:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Servimo-nos desses princípios e dispositivos legais para fundamentar o entendimento de que, estando ambas as partes de boa-fé no momento da formação do contrato (aceitação da proposta), não há que se falar em invalidez ou inexistência de contrato entre as partes pelo simples fato de não haver assinatura de um documento (como já dito, o contrato pode ser, até mesmo, verbal).

Há diversas hipóteses e detalhes nos artigos seguintes ao 427 no que diz respeito à proposta e aceitação, e há, por consequência, diversas outras discussões que poderíamos aventar por aqui, mas que exigiriam algumas outras várias páginas. Então, vamos nos ater às hipóteses mais corriqueiras, que não fogem à regra. Neste caso, fato é que o contrato realmente se forma e passa a existir, sendo válido e eficaz, com a aceitação da proposta, mesmo que não haja assinatura, mesmo em ambiente virtual. Basta haver prova, e a prova é o e-mail, a mensagem de texto, a mensagem de voz. Então, se “A” propõe uma multa “x” em caso de descumprimento de uma obrigação por “B” e “B” aceita, por e-mail, mesmo que um “documento chamado contrato” nunca venha a ser assinado, já existe um contrato formalizado entre as partes no que se refere a este assunto, a esta multa.

Importante trazer isto à baila, porque o entendimento da maioria leiga com relação ao Direito Contratual é de que o contrato precisaria estar assinado para ser válido, o que, como já se verificou acima, não é o caso quando se trata de contratos sem forma prescrita em lei. Não adianta dizer: “não tem multa porque o contrato nunca chegou a ser assinado” se um aceitou esta condição de multa proposta por outro e se há prova sobre isto (o e-mail, neste exemplo).

Contudo, como sempre há uma luz no fim do túnel, existe sim uma forma de evitar essa formação/validação de contrato por uma simples aceitação da proposta, ou seja, sem assinatura. Esta forma se dá através da ressalva durante uma negociação (em inglês, waiver). Fazendo uma ressalva, acionamos a exceção à regra que está expressamente prevista no próprio artigo 427 acima mencionado. Vejam: “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso” (grifo nosso).

Portanto, se no momento em que for feita a proposta houver clareza em uma ressalva no sentido de que a proposta não vincula o proponente, vale o disposto em tal ressalva, ou seja, a proposta não será vinculante, mesmo que a outra parte a aceite.

Trocando em miúdos e sem “juridiquês”, para evitar qualquer tipo de demanda que busque vincular uma parte que aceitou ou propôs alguma condição contratual mesmo inexistindo assinatura final de um documento chamado contrato, basta utilizar-se de ressalvas expressas durante a negociação, deixando claro (nos e-mails, mensagens, áudios etc.) que as negociações, propostas, aceitações e o conteúdo dos e-mails, telefonemas e mensagens somente se tornarão vinculantes e válidos para a parte que faz a ressalva após assinatura dos contratos e/ou aditivos pelo representante legal da empresa.

Essa hipótese, facultada pelo próprio artigo 427, é, portanto, o remédio para evitar que haja uma indesejada formação do contrato durante a negociação, antes mesmo de haver uma minuta final de contrato assinada pelas partes.

Mayra Mega Itaborahy é sócia do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados. Possui mais de 20 anos de experiência tanto em departamento jurídico de empresa quanto em escritórios de advocacia de grande porte, atuando principalmente nas áreas de contratos nacionais e internacionais e empresarial. Desde 2008, também atua na área de Direitos Autorais, do Entretenimento e Digital.

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