Da Guerra Fria à multipolaridade: a diplomacia brasileira do Século 21

Entenda como a diplomacia brasileira foi influenciada pelo capitalismo, colonialismo e comunismo após a Segunda Guerra Mundial Por Roberto Carline

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Mapa do Brasil
Mapa do Brasil (foto de Silvana Carlos na Unsplash)

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo foi redesenhado por três forças ideológicas que, embora antagônicas, convergiram na tarefa de reconstruir a ordem global: o capitalismo liderado pelos Estados Unidos, o colonialismo em transição do Reino Unido e o comunismo expansionista da União Soviética. Essa tríade moldou instituições, fronteiras e economias, criando um sistema bipolar que dominaria a geopolítica até o colapso soviético em 1991. O Plano Marshall, a descolonização acelerada e a corrida armamentista não foram apenas respostas à guerra — foram instrumentos de um novo modelo de controle e influência.

O capitalismo americano construiu Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial, projetando uma arquitetura econômica que favorecia o Ocidente. O Reino Unido, embora em declínio imperial, manteve influência por meio da Commonwealth e da City de Londres. A União Soviética exportou revoluções e criou satélites ideológicos, desafiando o liberalismo com planejamento centralizado. Juntas, essas potências definiram o século 20, mas não o 21.

A crise financeira de 2008, o Brexit, a guerra na Ucrânia e o declínio da influência americana em regiões como o Oriente Médio sinalizam o enfraquecimento dessa tríade. Em seu lugar, emerge uma nova constelação de forças: países em desenvolvimento que não apenas crescem em PIB, mas em ambição geopolítica. Chíndia — a junção informal entre China e Índia — representa quase 40% da população mundial e projeta poder por meio de tecnologia, comércio e diplomacia. A ASEAN, com seus dez membros, tornou-se um dos blocos mais dinâmicos do planeta, com crescimento médio superior a 5% ao ano e acordos comerciais que rivalizam com os do Ocidente. E os BRICS, agora ampliados, desafiam a hegemonia do dólar e propõem alternativas ao FMI e ao Banco Mundial, com o Novo Banco de Desenvolvimento e discussões sobre moedas digitais soberanas.

O Brasil, nesse contexto, é mais do que um participante — é um potencial articulador. Com a presidência rotativa dos BRICS em 2025, o país tem a oportunidade de liderar discussões sobre infraestrutura multilateral, cooperação Sul-Sul e diplomacia climática. Sua posição estratégica entre o Atlântico e o Mercosul, sua matriz energética limpa e sua vocação agrícola o tornam peça-chave em temas como segurança alimentar e transição energética. Mas para cumprir esse papel, o Brasil precisa superar seus dilemas internos: baixa produtividade, desigualdade persistente e instabilidade institucional.

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Historicamente, o Brasil oscilou entre o alinhamento com o Ocidente e a busca por autonomia. Foi signatário de Bretton Woods, mas também protagonista da UNCTAD e do G77. Participou da criação da OMC, mas hoje questiona suas regras. Essa ambivalência pode ser virtude se usada como ponte entre mundos. O país pode ser o elo entre o Norte e o Sul, entre o capital e a inclusão, entre o passado e o futuro.

Nos próximos anos, veremos uma disputa não apenas por territórios ou mercados, mas por narrativas. Quem define os parâmetros da cooperação, da inovação e da justiça global? O Brasil pode ser voz ativa nessa redefinição se tiver coragem de abandonar o papel de coadjuvante e assumir o de protagonista.

O mundo não será mais dividido entre Leste e Oeste, mas entre aqueles que ousam imaginar novas ordens e aqueles que se agarram a velhas hierarquias. E o Brasil, com sua diversidade, criatividade e potencial, está diante da chance histórica de ser mais que promessa, mas de ser projeto.


Roberto Carline, mestre em economia internacional e estrategista de mercado de capitais

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