Daniel Belmonte, inquieto e multifacetado

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Daniel Belmonte (foto divulgação)
Daniel Belmonte (foto divulgação)

Aos 27 anos, Daniel Belmonte deve ser um dos mais jovens cineastas a competir no 49º Festival de Cinema de Gramado, Rio Grande do Sul, em sessão exclusiva no Canal Brasil, e isso representa naturalmente uma renovação da autoralidade no cinema. Há um ato de coragem em se questionar um gênio da dramaturgia como Nelson Rodrigues. E foi exatamente isso o que fez Daniel no filme Álbum em família, exibido na última segunda-feira.

Em 2020, no auge da pandemia e apesar de todo o isolamento social, um grupo de artistas decide montar virtualmente uma peça de Nelson Rodrigues, debatendo a ideia da família tradicional brasileira, usando seus próprios familiares na filmagem. Muito se releva dessas relações em plena pandemia no Brasil, e esse é exatamente o fio condutor desse roteiro que impressiona pelo seu vigor, estética, criatividade e narrativa.

Com Otávio Muller, George Sauma, Valentina Herszage, Ravel Andrade, Cris Larin, Eduardo Speroni, Kelson Succi e Dhara Lopes e participações especiais de Renata Sorrah, Lázaro Ramos e Tonico Pereira, a comédia tem texto e direção de Daniel Belmonte e produção de Clélia Bessa e Marcos Pieri, da Raccord Produções.

Álbum em Família exibe cenas bem elaboradas e bem-sucedidas, nas quais são discutidos com lucidez e inteligência temas do cotidiano, dentre eles o racismo. Importante sublinhar o empenho de Daniel em colocar sua visão pessoal, carinhosa e empática sobre o tempo em que vivemos, sem deixar de refletir o tempo da sua própria cabeça sempre a mil, fervilhante e transbordante de ideias.

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O carioca Daniel Belmonte, morador de Ipanema, é um jovem ator, diretor e escritor, que vem mostrando um trabalho criativo, envolvente e para lá de reflexivo. Formado em cinema, pela PUC-RJ, desde criança gostava de contar histórias e observar os personagens que apareciam nas produções televisivas e de cinemas, assim como ficava encantado com o vaivém de atores e atrizes nos palcos dos teatros e o impressionava os trabalhos dos cinegrafistas, fotógrafos, músicos, sonoplastas e câmeras. Enfim, desde cedo, esse mundo, esse movimento cênico, o seduzia e seu sonho era estar envolvido nessa magia artística.

Foi atrás do seu sonho.

Aos 14 anos, foi convidado para interpretar Renato Cornélio, ou melhor, Reco, o garoto mais engraçado da escola, que vivia zoando com as pessoas, mas que tinha de aturar o mau humor de alguns no colégio, em Malhação, da Rede Globo. Sobre esse personagem, Daniel, sempre espirituoso, relembra: “O Reco era o engraçadinho da galera, né? Acho que isso já explicava muita coisa. Era um cara que perdia o amigo, mas não perdia a piada. Com um tempo, com a ajuda dos amigos, ele descobriu a comédia Stand Up e viu que esse viés engraçado podia dar uma grande alavancada em sua vida profissional!”.

De lá para cá, Daniel não parou e seguiu sua estrada, buscando estudar, pesquisar, aprender, se informar e melhor se formar e, sobretudo, ultrapassar os naturais desafios que a vida apresenta todo o tempo. Diretor artístico da Cia Involuntária, realizou diversos espetáculos de teatro de sua autoria, dentre eles a Peça Ruim e Entópicos. Dirigiu Uma carta perdida, assim como o espetáculo Antologia do remorso. Escreveu a peça Nirvana, escreveu, dirigiu e produziu o longa-metragem B.O e atuou em Obsessão, Eu e os meninos, A viagem de Clarinha, na temporada 2010 de Malhação ID e participou do longa Confissões de Adolescente.

Inquieto e avesso às convenções, Daniel, sempre de bem com a vida, alto-astral, resolveu se aventurar como escritor e lançou o seu romance de estreia: Laura é um nome falso para alguém que eu amei de verdade, com um luxuoso prefácio da escritora Martha Medeiros. Há pessoas que têm um belo e vasto mundo interior, mas não possuem instrumentos para expressá-lo. Outras têm a fala ou a escrita fácil, mas pouco o que dizer. Para nossa sorte, Daniel Belmonte, segundo Martha, pertence à categoria que une as duas coisas. “No teatro, no cinema, na TV e agora na literatura, ele mostra a si e sua geração de forma criativa e emocionante”.

Em Laura é um nome falso para alguém que eu amei de verdade, o autor brinca com as fronteiras da ficção e da autobiografia para falar de amor, sexo, relações familiares, Deus, o tempo, medos e prazeres cotidianos misturando linguagem formal, diálogos de roteiro, listas e fragmentos da comunicação moderna, como escreve Martha. Tudo junto e misturado, ela pontua, como convém ao mundo de hoje, ao jovem de hoje, multifacetado, rápido, impaciente, mas, ainda assim – e por que não? – profundo.

O autor nos leva pela mão para saber de seus estranhamentos sobre a vida adulta, ansiolíticos, lugares preferidos do Rio, playlists perfeitas para cada momento, a descoberta dos sonetos da avó morta e a grande beleza de pessoas feias se beijando no carnaval. “No amor ou na ficção, não adianta querer viver só de clímax. Se vivêssemos só de clímax, a poesia não teria por que”, escreve Daniel.

Daniel Belmonte é filho do ministro Alexandre Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho, e da advogada Cristina Capanema Belmonte. Dois dos seus três irmãos, Pedro Capanema e Pedro Ivo, também são advogados. Ele poderia ter seguido o caminho dos seus pais e irmãos e talvez sua vida profissional pudesse ter sido mais tranquila. Ele preferiu, todavia, se arriscar no mundo da cultura e das artes, apostando suas fichas e talento em desafios que lhe dão prazer, assim como seu irmão João Gabriel, um notável músico.

O fato é que, em um país no qual a cultura vem sendo, nos últimos tempos, renegada e vilipendiada, é saudável que jovens, como Daniel Belmonte, queiram investir na arte e dela projetar sonhos e buscar concretizar projetos.

 

Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.

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