O atual aspecto geopolítico da Europa nos remete, infelizmente, ao século 19, e justamente à Itália daquela época, fragmentada em miríades de países, cada um com inveja do outro e pronto a pedir ajuda a forças externas para se defender ou atacar seus vizinhos. A Itália era considerada, segundo as palavras do primeiro-ministro austríaco, Klemens von Metternich, apenas uma mera expressão geográfica, e a sensação que se tem hoje é que, com os tempos mudando, Donald Trump tem a mesma consideração pela Europa que Metternich: uma expressão geográfica. Para o teórico do “America First”, e não poderia ser de outra forma, a Europa é uma coleção indefinida de povos divididos e deve permanecer assim. Excluí-la ou mantê-la à margem das negociações para restaurar a paz na Ucrânia — isto é, num país que está no centro do Velho Continente — não é apenas um insulto, mas é a aplicação de sua doutrina.
Nestas horas, a Europa está colhendo, em nível internacional, o que semeou desde o pós-guerra até hoje. E culpar Donald Trump pela má colheita só mostra que a UE não entendeu o erro e quer perpetuá-lo. Não se pode, durante anos, inflar a utopia do continente de paz e pregar as virtudes de baixos gastos militares (menos armas e mais saúde pública, colocamos assistência social em nossos canhões), além de acusar os Estados Unidos de grosseria diplomática, interferência política e beligerância, enquanto a Europa contrata sua defesa para Washington e descarrega os custos no contribuinte americano. Ou melhor: você pode fazer isso, mas, cedo ou tarde, a conta chegará, e Trump acabou de apresentá-la.
O efeito Trump, de fato, caiu como um tsunami na União Europeia. O que os líderes do Velho Continente — incluindo a ilha da Inglaterra — ainda não entenderam é que Trump não é uma anomalia; ele é o curso da história americana, da qual o 47º presidente é, apenas, a ponta do iceberg.
Se olharmos para o histórico de Trump e voltarmos ao tempo em que os americanos, depois de terem iludido o povo afegão com o doce sabor da democracia, constatamos que o deixaram à mercê dos talibãs. Mas quem lidou e tratou com eles foi o próprio Trump, enquanto Biden não fez nada, além de realizar a retirada, com as consequências que todos podem ver hoje.
Alguns comparam essa retirada de Cabul, assim como o abandono de Saigon pelas tropas americanas, como um fim inglório para a Guerra do Vietnã e para a imagem dos Estados Unidos.
Talvez estejamos nos preparando para testemunhar um epílogo semelhante em Kiev? Neste caso, o resultado será um lento declínio e o pôr do sol da Europa.
A ideia, portanto, de uma Europa forte, ocupando o seu devido lugar entre os grandes do mundo, será enterrada de uma vez por todas. E isso aconteceria se os governos europeus, que ao longo dos séculos criaram importantes impérios, se submetessem ao papel de seguidores, desistindo de ocupar um papel de igualdade com os protagonistas dessa nova ordem global. Esses países enfrentariam um destino trágico, passando de colonizadores a colonizados!
O que importa é que os valores da democracia e da liberdade são compartilhados por grande parte dos europeus, ingleses e americanos. O que a Europa precisa é de um guardião, de um novo Churchill que marque Trump, que controle seus humores, sua inconstância, seu cinismo, seu pragmatismo exasperado, seu mercantilismo inato e aquela estranha atração por regimes, em detrimento do espírito do Ocidente. Em suma, para evitar que ele repita o erro afegão.
O que falta à Europa é a consciência de que deve assumir suas responsabilidades, se quiser pensar em si mesma como grande e, acima de tudo, como arquiteta do seu próprio destino. Mas, para atingir essa consciência, é preciso estar unidos como nunca outrora e, antes de tudo, dotar-se de um exército digno desse nome, se quiser sentar-se em pé de igualdade com os outros protagonistas na mesa de negociações.
A Europa deve estar ciente de si mesma, hoje, não amanhã, para ter força e vontade de evitar seu declínio.
















