4 parâmetros indispensáveis ao reestruturar o poder nacional brasileiro
Emílio Aquiles Monteverde, na História dos Reis de Portugal, com base na “História Genealógica da Casa Real Portugueza desde a sua origem até o presente com as Famílias Illustres, que precedem dos Reys, e dos Sereníssimos Duques de Bragança”, por D. Antonio Caetano de Sousa, Regia Officina Sylvania, Lisboa, 1745, em seu Manual Enciclopédico (Lello & Irmão Editores, Porto, 1952), atribui as glórias do Reino, dos séculos 13 a 16, à capacidade dos reis e da classe dirigente em desenvolver a tecnologia de ponta nas artes náuticas e ao arrojo colonizador.
No entanto, até a conquista da Índia e o descobrimento do Brasil, o Reino Português se habituou, fora do continente, ao contato com fortes e entrepostos comerciais que foram constituídos desde as costas ocidentais da África ao Extremo Oriente.
O historiador inglês John H. Plumb (1911-2001), na Introdução a O Império Marítimo Português 1415-1825 (Charles Boxer – 1904-2000 – tradução de Inês Silva Duarte, para Edições 70, Lisboa, 2017, 2ª edição, reimpressão), escreve “A África, com as cadeias de postos comerciais e de fortes que chegavam ao Oriente e, ao sul, às costas ocidentais; o domínio de grandes portos em Ormuz e Goa deu-lhe o controle do valioso comércio do golfo Pérsico e do oceano Índico. Feitorias em Ceilão e na Indonésia colocaram o comércio das especiarias nas suas mãos”.
Como é óbvio, o contato com entrepostos comerciais ou pontos de apoio militar é bem distinto do esforço colonizador, onde se buscará fazer de terra distante a continuação cultural da metrópole. Esta incompreensão, como se depreende na História de Portugal de Alexandre Herculano (1810-1877), encontra-se também na Breve Interpretação da História de Portugal, de António Sérgio (1883-1969) (Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1972).
João Fragoso, em “Poderes e Mercês nas Conquistas Americanas de Portugal (Séculos XVII e XVIII): Apontamentos sobre as Relações Centro e periferia na Monarquia Pluricontinental Lusa” (in João Fragoso e Nuno Gonçalo Monteiro, organizadores, Um Reino e suas Repúblicas no Atlântico, Civilização Brasileira, RJ, 2017) esclarece que “uma das diferenças (entre a Coroa lusitana e as demais) diz respeito à própria base material da monarquia lusa diante das demais europeias. Em Portugal, Sua Majestade e a primeira nobreza viviam de recursos oriundos não tanto dos camponeses europeus, como em outras partes do Velho Mundo, mas do ultramar, ou seja, das conquistas do reino no além-mar. Eram esses recursos que lhe permitiam manter e renovar à sua primeira nobreza as tributações de origem medieval sobre esses camponeses reinóis que a sustentavam. Tratava-se, portanto, de monarquia e de nobreza que tinha na periferia a sua centralidade e o seu sustento, e isso era garantido pelo comércio, tendo por base produtiva, principalmente a partir do século XVII, a escravidão africana na América”.
Porém é no mestre alagoano Manoel Maurício de Albuquerque (1927-1981), em sua Pequena História da Formação Social Brasileira (Edições Graal, RJ, 1981) que encontramos a melhor descrição dos relacionamentos do Reino com a Colônia brasileira, sintetizada como segue: “A estrutura econômica do Brasil exigia a imobilização de recursos a longo prazo, condição que o setor mercantil não podia, nem estava interessado em fazer, preferindo subordinar comercial e politicamente outras formações sociais que não as comunidades primitivas indígenas”.
Sobre os entrepostos ou feitorias deslinda o historiador Manoel Maurício: “Eram estabelecimentos transitórios, onde se amontoava o pau-brasil para transporte à Europa depois de cortado pelos representantes das comunidades primitivas indígenas” (obra citada).
Depois de um quadriênio terraplanista, é óbvio que o Estado Nacional Brasileiro, já bastante desfigurado pelos governos anteriores e mais de uma centena de emendas constitucionais em somente 30 anos, precisará se adequar às demandas de um mundo também duplamente devastado: pelas finanças apátridas e pela pandemia de Covid e suas mutações.
O que de mais grave podemos entender deste Brasil pós Bolsonaro é a regressão ao Brasil anterior ao século 18. Não apenas sob o modelo econômico exportador primário: na agricultura, nos minerais e no petróleo, mas, igualmente, no modelo institucional, organizacional, que João Fragoso, na Apresentação de sua Coleção O Brasil Colonial, organizado com Maria de Fátima Gouvêa (Civilização Brasileira, RJ, 2015, três volumes), mostra que o Estado – quer sob os reis portugueses, quer nas quase seis décadas da união ibérica e posterior restauração – cedeu espaço para “poderes locais e de grupos como a nobreza”.
Voltando, então, ao mestre Manoel Maurício, verificamos que, tanto no período das capitanias hereditárias quanto no governo geral havia a articulação das regiões com o poder real, a corte e interesses centralizados na Metrópole. Daí as separações ocorridas com D. Sebastião, em Repartição do Norte (capital em Salvador, Bahia) e Repartição do Sul (capital no Rio de Janeiro), mais tarde, em 1621, com Felipe III, o Estado do Brasil e o Estado do Maranhão, que, embora sob o pretexto de conter investidas estrangeiras, enfraqueciam o poder central da Colônia.
Neste quadriênio terraplanista, houve, por diversas medidas dos poderes nacionais – Executivo, Judiciário e Legislativo – a descentralização ou, como preferimos, o incentivo ao desmembramento do Brasil. A desmoralização do Poder Executivo e a sua absoluta falta de coordenação em nível nacional exacerbaram o domínio das altas finanças transnacionais sobre o Brasil e alimentaram soluções localistas, corroendo o acordo nacional de unidade vigente há séculos.
E, ao reestruturar o poder nacional brasileiro, de modo a colocá-lo como efetivo poder no ano do bicentenário da independência, é indispensável termos claros os parâmetros a seguir:
Primeiro, indispensável, que esteja conforme a cultura miscigenada brasileira, um elemento de nossa força, que os poderes antagônicos procuram dissolver com os recursos das finanças apátridas, que o megaespeculador George Soros é apenas uma face visível, insuflando movimentos separatistas, quer por questões raciais, de gênero, ou conservacionistas, que só valem quando para o Brasil.
Segundo, definindo claramente um poder, representativo da nação, não caindo nas falácias de errôneas interpretações de pensadores europeus ou estadunidenses, que nunca tiveram eco em suas próprias terras. Poder é um único, poder compartilhado não é poder, e muito menos “harmônicos e interdependentes”.
Terceiro, com ênfase no planejamento e controle centralizado. A história nos ensina que todo movimento vitorioso contou com o apoio dos dirigentes, das lideranças e de ações planejadas e revisadas permanentemente. Planejamento e controle são um conjunto integrado.
Quarto, estabelecer a real participação popular, não em eleições episódicas, desvinculadas de ações concretas, com participantes no mais das vezes inteiramente desconhecidos dos eleitores. As eleições devem corresponder ao controle direto que o povo deve ter da ação do Estado, em todos os níveis e especializações que ele se dê. Logo o modelo deve ter o controle da efetividade das ações pelo acompanhamento e controle direto do povo, nos diferentes segmentos e locais.
E tudo com a participação permanente de plebiscitos e referendos validando a mudança indispensável para inaugurarmos a verdadeira independência: o Estado Nacional Brasileiro, soberano e cidadão, senhor único de suas riquezas naturais e controlado diretamente por seu povo.
Felipe Maruf Quintas é doutorando em Ciência Política.
Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.