Na última semana, 88 brasileiros deportados dos EUA desembarcaram em Manaus em condições que geraram tensão diplomática. O uso de algemas, considerado uma prática padrão pelo governo americano, foi duramente criticado pelo Brasil, que alega violação de um acordo bilateral firmado em 2018. O episódio reacendeu o debate sobre a dignidade nos processos migratórios e colocou em pauta a relação entre os dois países.
O advogado Daniel Toledo, que atua na área do Direito Internacional, fundador da Toledo e Associados, classificou o caso como “emblemático”.
“Essas deportações visam a desencorajar a imigração ilegal e, ao mesmo tempo, enviar uma mensagem de força, mas acabam colocando em risco as relações diplomáticas. Situações como essa mostram a necessidade de rever acordos e de garantir que a dignidade humana seja respeitada, especialmente em processos tão delicados quanto a deportação”, afirmou.
Dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM) mostram que, em 2022, os EUA lideraram as deportações de brasileiros, com mais de 21 mil pessoas retornando ao país em voos fretados. O aumento no número de deportados reflete o endurecimento das políticas migratórias americanas e levanta questões sobre como esses processos são conduzidos.
A alegação do governo brasileiro é de que o uso de algemas foi “indiscriminado” e incompatível com o acordo assinado em 2018. Para Daniel Toledo, o episódio expõe lacunas no tratado e na fiscalização desses processos. “O acordo de 2018 foi um avanço, mas falta especificidade em pontos cruciais, como as condições de transporte e o respeito aos direitos básicos. Esses detalhes são fundamentais para evitar abusos”, pontuou.
O episódio com os brasileiros não é um caso isolado. Recentemente, a Colômbia recusou-se a receber voos fretados, o que gerou ameaças de retaliações econômicas por parte do governo americano. A repercussão tem levado líderes latino-americanos a intensificar o diálogo sobre migração em organismos internacionais, como a Celac, que convocou uma reunião de emergência para esta semana.
Toledo analisa o caso como uma medida para mostrar a força do novo governo americano.
“Embora o número atual de deportados ainda seja baixo comparado ao início do primeiro mandato de Donald Trump, a exposição midiática dessas ações visa a passar uma mensagem de que ‘não venham, porque não serão aceitos, e quem está aqui será removido'”, ele assinala, lembrando que vistos para entrar legalmente nos EUA ainda não passaram por nenhuma alteração.
O papel da imigração legal no mercado norte-americano, no entanto, segue importante. De acordo com dados de 2022, mais de 30 milhões de imigrantes faziam parte da força de trabalho dos EUA. Destes, aproximadamente 22,2 milhões eram imigrantes legais, incluindo cidadãos naturalizados, residentes permanentes legais e residentes temporários legais. Isso representa cerca de 13,5% da força de trabalho total do país.
É por isso que, apesar das medidas duras contra a entrada ilegal, Daniel Toledo destaca que o país continua dependente de mão de obra estrangeira, o que levou ao aumento das cotas para vistos como o H-1B, voltados para trabalhadores qualificados. “O mercado dos EUA precisa de profissionais estrangeiros para suprir lacunas em áreas específicas. Por isso, medidas como o aumento das cotas para vistos de trabalho são uma resposta à necessidade econômica, mesmo em um cenário de endurecimento migratório”, afirmou.
Toledo também mencionou a tentativa do Governo Trump de restringir os direitos de filhos de estrangeiros nascidos nos EUA, medida que contraria a 14ª Emenda da Constituição. Segundo ele, mudanças nesse sentido só podem ocorrer com a aprovação do Congresso, o que torna a proposta improvável. “Essa tentativa de restrição já foi considerada inconstitucional em outras ocasiões. Sem apoio legislativo, dificilmente avançará, mas o debate sobre a interpretação dessas regras continua aberto”, conclui.
Ontem à tarde, a secretária de Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares e Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores, Márcia Loureiro, reuniu-se em Brasília, com o encarregado de negócios da embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, para tratar sobre a deportação de brasileiros no último fim de semana.
A convocação pelo Palácio do Itamaraty é um gesto diplomático que expressa descontentamento de um país com outro. A realização da reunião foi confirmada à Agência Brasil por fontes do governo brasileiro e também pela diplomacia norte-americana. Segundo os relatos, durante a reunião, o Itamaraty solicitou esclarecimentos do governo americano sobre o tratamento dispensado a brasileiros deportados em um voo fretado pelos EUA, que chegou ao país na última sexta-feira.
Os cidadãos brasileiros estavam detidos nos EUA por não possuírem a documentação de imigração exigida, e alegaram que, durante a viagem, permaneceram algemados, foram agredidos e tiveram privação de banheiro e alimentação. Brasil e EUA têm acordo vigente de deportação, mas o tratado prevê tratamento digno e humanitário, o que não ocorreu.
Após uma escala técnica em Manaus, o governo brasileiro interveio na situação, por iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, determinando a retirada das algemas, prestando assistência humanitária e enviando um avião da FAB para buscar os nacionais deportados e enviá-los até o destino final previsto, Belo Horizonte. O grupo desembarcou na capital mineira no sábado.
Esta foi a primeira leva de brasileiros deportados desde a posse do presidente Donald Trump, que prometeu tolerância zero com a imigração ilegal no país. Gabriel Escobar é atualmente o representante da diplomacia americana no Brasil, após a saída da embaixadora Elizabeth Bagley, indicada pelo governo anterior, de Joe Biden, mas que deixou o posto na capital brasileira.
À reportagem, a embaixada dos EUA confirmou a realização do que chamou de uma “reunião técnica” com autoridades do Ministério das Relações Exteriores, mas não deu detalhes sobre o que foi conversado no encontro.
Com informações da Agência Brasil
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