Para uma correta interpretação dos fatos relacionados à invasão russa na Ucrânia, é necessário examinar as diversas razões que levaram Moscou a empreender a ação, reprovada pela opinião pública internacional. Em 10 de fevereiro de 2007, enquanto participava da Conferência de Segurança de Munique, o líder russo fez um discurso que delinearia a futura estratégia geopolítica de Moscou. Vladimir Putin delineou o que se tornaria sua doutrina geopolítica para as sucessivas décadas.
Aquele discurso, hoje considerado um marco na estratégia russa, já continha todos os elementos que norteariam os movimentos do Kremlin: a rejeição ao unipolarismo americano, a crítica à expansão da OTAN para o Leste e a aspiração a um sistema multipolar no qual a Rússia pudesse se reafirmar como grande potência. Putin criticou o que chamou de domínio monopolista dos Estados Unidos nas relações globais e o seu “hiperuso, quase incontido, da força nas relações internacionais”. O discurso ficou conhecido, sobretudo na Rússia, como o discurso de Munique. Ele disse que o resultado de tal domínio foi que “ninguém se sente seguro! Porque ninguém pode sentir que o direito internacional seja como um muro de pedra, que o protegerá. É claro que tal política estimula uma corrida armamentista”. Putin citou um discurso de 1990 de Manfred Wörner para apoiar sua posição de que a OTAN prometeu não se expandir para novos países da Europa Oriental.
Quase duas décadas depois, essas palavras se traduziram em ações concretas, que redesenharam o equilíbrio internacional.
A estratégia em ação: 2008-2022
A visão de Munique não ficou no papel. Em 2008, apenas um ano depois, a Rússia interveio militarmente na Geórgia, criando as primeiras “zonas-tampão” de influência russa na Ossétia do Sul e na Abkházia. Esse conflito representou um primeiro teste prático da doutrina Putin: demonstrar que Moscou estava pronta para usar a força para defender o que considera seu “estrangeiro próximo” da influência ocidental.
A escalada continuou em 2014 com a anexação da Crimeia e o apoio aos separatistas em Donbass, em reação à “Revolução de Maidan”, que ameaçava aproximar a Ucrânia da órbita ocidental. Essa revolução foi uma onda de manifestações e agitação civil ocorrida na Ucrânia entre 2013 e 2014. Os manifestantes exigiam maior integração europeia, além de providências quanto à corrupção no governo e a eventuais sanções por parte da Rússia. A agitação teve início na noite de 21 de novembro de 2013, com grandes manifestações públicas de protesto na Maidan Nezalezhnosti (Praça da Independência), em Kiev. A resposta russa combinou elementos militares tradicionais com novas técnicas de guerra híbrida: operações militares secretas, campanhas de desinformação e pressão econômica.
No mesmo ano, a intervenção na Síria marcou uma expansão para além do espaço pós-soviético. Ao apoiar Bashar al-Assad, Putin não apenas garantiu à Rússia uma presença estratégica no Mediterrâneo, mas se apresentou como um ator global indispensável, capaz de desafiar a hegemonia americana no Oriente Médio. Essa projeção de poder, então, se estendeu à África, particularmente à Líbia e ao Sahel, por meio do grupo Wagner e outras formas de presença.
A invasão em grande escala da Ucrânia, em 2022, representa a aplicação mais radical da visão expressa em Munique. Este não é simplesmente um conflito territorial, mas uma tentativa de redesenhar a arquitetura de segurança europeia, que Putin havia criticado quinze anos antes.
Táticas atuais: desestabilizar de dentro
Hoje, a estratégia russa evoluiu para se adaptar à resistência que encontrou. Na Romênia, como foi descoberto recentemente, Moscou orquestrou uma sofisticada operação de interferência eleitoral para favorecer Călin Georgescu, um candidato presidencial pró-Rússia e antiocidental. Apesar de as pesquisas indicarem menos de 6% de intenção de voto, Georgescu, surpreendentemente, obteve 22,3% dos votos nas eleições de novembro de 2024, posteriormente anuladas pelo Tribunal Constitucional, que citou explicitamente “uma ação híbrida agressiva da Rússia”.
Essa operação seguiu um padrão já aplicado na Moldávia e na Geórgia: campanhas de desinformação nas redes sociais (especialmente no TikTok), financiamento irregular e apoio a forças políticas anti-OTAN e anti-União Europeia. Quando as eleições foram invalidadas, a Rússia explorou a situação para alimentar protestos e caos político, levando até mesmo à prisão de indivíduos acusados de planejar um golpe com a cumplicidade russa. A estratégia para a Romênia é particularmente significativa porque demonstra como Putin está disposto a desafiar, indiretamente, até mesmo os países membros da OTAN, desde que o faça por meio de métodos híbridos que mantenham uma “negação plausível”.
Previsões sobre a estratégia futura
Olhando para o futuro, a Rússia provavelmente continuará a implementar a visão delineada em Munique por meio de diversas estratégias complementares. Moscou tentará explorar qualquer descontinuidade na política ocidental para legitimar e consolidar seus ganhos territoriais na Ucrânia, principalmente no período que antecede as negociações com o governo Trump. Ao mesmo tempo, intensificará os esforços para enfraquecer a coesão transatlântica, alavancando as tensões entre a Europa e os Estados Unidos e as divisões internas dentro da União Europeia, com países do Leste Europeu, como a Romênia, tornando-se principais alvos dessas operações de desestabilização.
O Kremlin continuará a fortalecer alianças com China, Irã e outras potências não alinhadas ao Ocidente, em um esforço para construir um bloco multipolar capaz de contrabalançar a influência ocidental. Ao mesmo tempo, Putin ampliará a presença da Rússia no Oriente Médio e na África, não se limitando a intervenções militares diretas, como na Síria, mas adotando formas mais flexíveis e menos visíveis de influência por meio de mercenários, conselheiros militares e campanhas sofisticadas de desinformação.
O caso da Romênia mostra que até mesmo os países da OTAN não estão imunes a essas tentativas de desestabilização interna. A Moldávia, não protegida pelo guarda-chuva do Pacto Atlântico e com a região separatista da Transnístria já sob influência russa, continua particularmente vulnerável à pressão direta.
A estratégia de Putin não mudou em seus objetivos fundamentais desde o discurso de Munique: o que mudou foram as táticas, que estão cada vez mais sofisticadas e adaptáveis. O próximo capítulo dessa estratégia provavelmente será caracterizado por um maior uso de guerra híbrida, com o objetivo de corroer as instituições democráticas ocidentais por dentro, em vez de desafiá-las abertamente em termos militares convencionais.