O Censo do IBGE de 2022 nos mostra a presença em solo brasileiro de 30 milhões de idosos (15% da população, que, aliás, serão quase ¼ da população logo ali em 2030). Esse contingente tem como característica turbinar a chamada “Economia do cuidado”, que envolve a demanda por gastos com alimentação, saúde, lazer, viagens, moradia fixa, acolhimento, seguro de vida.
Pessoas maduras geram massa de salários, dado que algumas ainda estão no mercado de trabalho, aposentadorias/pensões e injetam na economia, mensalmente, 25 bilhões de reais. Esse contingente populacional é remanescente da velha economia vigente no pós-2ª Guerra Mundial e seus anos de ouro.
Desigualdade social no Brasil
No outro canto do ringue, contudo, cresceu um novo arranjo social na sociedade tupiniquim, após a reestruturação produtiva em vigor desde os anos 1990. Predomina desde então um cotidiano massacrante e um elevado nível de exploração que extrapola o ambiente das fábricas e invade o cotidiano nos lares de um dos países com um dos maiores níveis de desigualdade de renda e patrimônio do planeta. Trouxe junto o ressentimento.
Me refiro à “Economia da Viração”, na medida em que existem cada vez menos sinais nítidos da antiga sociedade salarial, com seu estado do bem-estar social. O que cresce é o estado de emergência econômico, a uberização/precariozação das relações de trabalho, rotinas maçantes, rendimentos duvidosos, trabalhos ruins, endividamento, insegurança, longas filas de hospitais públicos, ônibus lotados, esgotamento mental e cansaço, atingindo principalmente os mais jovens em idade produtiva e as mulheres.
A violência que toma conta de nossos cotidianos e o contingente de quase 850 mil pessoas encarceradas no país são fruto do aprofundamento da crise social, decorrente de uma longa estagnação econômica e da falta de perspectivas para o andar de baixo. Tema, aliás, muito bem retratado na película brasiliense Mato Seco em Chamas, de 2023.
Meritocracia naturaliza a desigualdade de oportunidades
O futuro prometido de acesso ao microcrédito, casa própria, ensino superior de qualidade e empregos é logo substituído pela gestão de populações cada dia mais empobrecidas, com a máxima afirmativa de que não há dinheiro, e os parcos recursos fiscais que sobram, de um orçamento comprometido (na sua metade) com o giro da volumosa dívida pública, são alocados em políticas públicas focalizadas, no estilo sugerido pelo Banco Mundial.
O mantra é que a sobrevivência depende da resiliência e da força individual e não dos fatores estruturais. O mito que acompanha esse pacote ideológico é o da meritocracia, aquele que naturaliza e justifica a desigualdade de oportunidades em nossa sociedade. Neste ambiente, o mercado competitivo supostamente neutro arbitra ganhos e perdas.
Como sair dessa camisa de força que nos aprisiona? Talvez retomando a perspectiva concreta de um horizonte de transformação da realidade. Compreendendo que a riqueza de uma sociedade é construída socialmente e, dado o nível de avanço tecnológico e produtividade, fome e miséria não se justificam. Reflitamos, pois…
Ranulfo Vidigal é economista.