Num artigo recente no jornal italiano La Stampa, Giulio Tremonti, ex-ministro da Economia nos governos de Silvio Berlusconi, declarou: “Vivemos novamente num mundus furiosus”, anunciando o fim da utopia da globalização. Ele também sublinhou que a Europa deve confiar nas euro-obrigações, como ele próprio propôs em 2003; porém, sua proposta foi, inicialmente, rejeitada. Entretanto, anos depois, ele acrescentou que “as euro-obrigações foram usadas para conter a emergência da Covid. É esse o caminho certo para começar.”
“Há um fio que une a Rússia ao Oriente Médio, a Ucrânia ao Mar Vermelho, e por trás, quem manobra o fio é a China. Não é apenas um choque entre civilização e barbárie, como diz Netanyahu, mas também entre duas civilizações opostas”, afirma Tremonti, atualmente presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados italiana.
“Vivemos um período semelhante ao que aconteceu no século 16 do milênio passado, com quatro fatos revolucionários: a descoberta da América, a invenção da imprensa, a invasão do leste em direção à Europa e a primeira grande crise financeira global, com os defaults da Espanha.” Na entrevista, ele explicou: “Hoje temos outros quatro fatores revolucionários: a descoberta econômica e política da China; a passagem na internet do cogito para o digito ergo sum (do penso ao digito, logo existo) e o risco não improvável de uma crise financeira global, entre trilhões de dívidas, algoritmos e bitcoin.”
Sobre os conflitos entre a Rússia e a Ucrânia e a guerra no Oriente Médio, Tremonti diz que “o Mein Kampf de Putin é este: ‘O nosso futuro vem do nosso passado, da religião e das tradições, da alma e das fronteiras. Nós, europeus, estamos nas antigas fronteiras dele.’ Esta é a questão crítica. Quanto ao Oriente Médio, depois do 11 de Setembro, houve uma tendência para considerar Bin Laden uma pessoa desnorteada; na realidade, ele era um ideólogo, tentando repetir o trabalho de Khomeini. Não surpreendentemente, em Manhattan, em 2001, ele destruiu o World Trade Center, um símbolo do Ocidente.”
O ex-ministro da Economia Giulio Tremonti foi protagonista, durante anos, de todos os principais fóruns internacionais (a partir do G7); ele alertou, repetidamente, sobre os riscos da globalização acelerada e sempre foi um observador atento da China (seu ensaio Riscos Fatais remonta a 2005). Ele afirmava, por exemplo: “A Rota da Seda? Para a China, é um projeto geopolítico global. De fato, se leres a Constituição chinesa, descobrirás que, em outubro de 2017, a Rota da Seda foi introduzida como uma ferramenta de projeção geopolítica da China.”
Neste livro, Tremonti afirma que duas datas mudaram irreversivelmente a estrutura e a velocidade do mundo em que vivemos: 9 de novembro de 1989, a queda do Muro de Berlim; e 15 de abril de 1994, a assinatura do acordo da OMC sobre a “liberdade do comércio mundial”. O fim do mundo comunista e a irrupção de novos concorrentes ferozes no mercado global recém-nascido, em particular da China, marcaram, para a Europa, a passagem da idade de ouro (que foi dos anos 1950 aos anos 1990) para os atuais tempos de ferro. Mas, segundo Tremonti, nem tudo está perdido. A Europa deve inicialmente compreender o que aconteceu, identificar os domínios em que a intervenção ainda é possível e reagir com um programa realista.
O mundo, porém, já não será como antes: dos dois excelentes cadáveres do comunismo e do liberalismo, a engenharia genética da política criou um monstro: a globalização. Hoje, entretanto, vivemos na época do fim da utopia da globalização.
Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália), editor da revista Italiamiga e vice-presidente do Ideus.