Direito de disrupção

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Homem ao celular no parque (foto Pixfuel)
Homem ao celular no parque (foto Pixfuel)

Quando os automóveis foram inventados e substituíram as carroças puxadas por burros, os cientistas da época desaconselharam o seu uso porque diziam que a velocidade dos novos veículos – cerca de 10km/h – iria asfixiar as pessoas. Na Inglaterra, uma lei determinava que em razão da velocidade dos carros – os tais 10km/h – todos os carros que trafegassem nas vias públicas deviam ser antecedidos por uma pessoa a pé, com uma bandeira vermelha e soando uma buzina estridente. Em 1956, quando Martin Cooper, engenheiro eletrotécnico da Motorola, criou o primeiro telefone celular, o aparelho pesava 40kg e só podia ser chamado de “telefone móvel” se fosse transportado de carro. Em 1973, a Motorola lançou o Motorola Dynatac 8000X, uma revolução para a época. Media 25cm por 7cm e pesava apenas um quilo. A bateria durava 20 minutos (disponível em techtudo.com.br/noticias/noticia/2011/07/o-primeiro-celular-da-historia.html).

Talvez você nunca tenha usado um disquete de computador. Talvez você nunca tenha ido a uma locadora de vídeos buscar o filme da moda e prefira trazer o cinema à sua poltrona predileta apertando um simples botão da Netflix. Talvez você não seja do tempo em que antes de sair de férias tinha de passar numa loja ou numa banca de jornal e comprar rolos e rolos de filmes fotográficos e, depois de feita a foto daqueles momentos lúdicos, voltar à loja para fazer a “revelação” e só então descobria que, por culpa sua, o filme ficara exposto à luz e estava totalmente “velado”. Aqueles doces momentos das férias tão esperadas dormem agora no porão da lembrança.

Hoje, por exemplo, você está atrasada para a sua audiência e por meio do iFood pede um lanche rápido, depois um Uber e já calcula a melhor rota, o tempo de viagem, o custo do serviço e paga tudo com um cartão de crédito virtual cuja senha você já não lembra, mas que está criptografada numa nuvem que você acessa com a digital do dedão direito ou por um comando de voz. Todas essas tecnologias que você utiliza no dia a dia e que lhe soam tão familiares são disruptivas. O termo “tecnologia disruptiva” foi utilizado pelo professor de Harvard Clayton Christensen para descrever inovações que rompem com as tradicionais oferecendo alternativas, criando mercados e incomodando empresas que antes dominavam esses mercados onde essas novas tecnologias irão atuar.

Em rigor, “disrupção” vem do latim disruptio, onis, que significa fratura, quebra. Por um desses fenômenos próprios da linguagem, a expressão migrou para o direito do trabalho e passou a significar o direito que o trabalhador tem de abandonar o posto de trabalho após certo número de horas para que possa cultivar os jardins de sua emotividade, reforçando laços familiares, sociais, esportivos ou culturais. É o direito de desligar-se do processo produtivo, de quebrar a rotina impositiva da jornada de trabalho e ir para a casa, ainda que seja para não fazer nada. Como decorrência do suposto desrespeito do patrão a esse direito de disrupção, os tribunais trabalhistas já começam a enfrentar ações onde se pede indenização moral por dano existencial. A alegação dos empregados é de que a exigência de longas jornadas físicas ou telemáticas de trabalho, de teletrabalho ou de trabalho remoto estaria furtando o seu direito a uma existência digna junto à família, aos amigos e a outros círculos sociais. É o furto do tempo.

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O TST não repudia expressamente a construção da teoria do dano existencial, mas não o considera in re ipsa, isto é, que decorre da própria coisa. Entende que se trata de uma lesão subjetiva que demanda prova da ofensa supostamente sofrida (RR: 14439420125150010, rel. min. Maria de Assis Calsing; julgado em 15/4/2015, 4ª Turma; publicado no DEJT de 17/4/2015).

Vejamos:

“Recurso de Revista. Dano moral. Direito ao lazer e ao convívio social. Restrição.

1. Dano moral trabalhista é o agravo ou o constrangimento moral infligido quer ao empregado, quer ao empregador, mediante a violação grave de direitos humanos fundamentais, ínsitos à personalidade, como consequência da relação de emprego. 2. O dano moral trabalhista não coincide, necessariamente, com a prática de qualquer infração da legislação trabalhista, seja porque a própria legislação conta com medidas punitivas e reparadoras de seu descumprimento, seja porque, a não ser assim, banaliza-se o instituto, retirando-lhe seriedade científica no campo trabalhista. 3. A lesão moral decorrente de violação do direito ao lazer supõe um regime de trabalho que implique privação reiterada e sistemática do descanso semanal, por muitos meses a fio. Não tipifica violação do direito ao lazer a restrição ao gozo em algumas semanas de alguns poucos meses ao ano, máxime se há algumas folgas compensatórias posteriores ou de forma concentrada. (…) (TST – RR: 7880-65.2012.5.12.0001, rel. João Oreste Dalazen; julgado em 10/6/2015, 4ª Turma).”

“Recurso de Revista da Reclamada – Dano existencial – Dano à personalidade que implica prejuízo ao projeto de vida ou à vida de relações – Necessidade de comprovação de lesão objetiva nesses dois aspectos – Não decorrência imediata da prestação de sobrejornada – Ônus probatório do reclamante.

(…) O que não se pode admitir é que, comprovada a prestação em horas extraordinárias, extraia-se daí automaticamente a consequência de que as relações sociais do trabalhador foram rompidas ou que seu projeto de vida foi suprimido do seu horizonte. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 523-56.2012.5.04.0292, relator min. Vieira De Mello).”

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