O cenário musical brasileiro, conhecido por sua riqueza e diversidade, não está imune a disputas legais, especialmente quando se trata do nome das bandas. Ao longo dos anos, diversas bandas brasileiras disputaram judicialmente seus nomes enfrentando desafios na proteção de suas identidades musicais. O nome de uma banda muitas vezes é mais do que uma simples designação; é uma identidade, uma marca que se torna parte da cultura musical. Assim, a escolha de um nome único e cativante é crucial para a diferenciação em um cenário competitivo.
No entanto, essa escolha nem sempre é livre de disputas. À medida que a cena musical brasileira se expande, é comum encontrar casos de bandas com nomes semelhantes ou idênticos. Estes casos podem resultar em disputas judiciais, onde bandas buscam proteger seus direitos autorais sobre o nome, evitando confusão no mercado e garantindo sua exclusividade.
De acordo com Marianna Furtado, advogada no escritório Montaury Pimenta Machado e Vieira de Mello, existem muitos desafios relacionados a disputas de nomes de bandas. “A falta de profissionalismo no trato das questões burocráticas que gera uma falha na formalização correta quando da criação e registro da marca da banda é um desafio enorme. Muitas vezes, a marca não é registrada ou, quando é registrada, esse registro está em nome apenas de um integrante da banda ou até mesmo no nome do empresário ou produtor da banda”, afirma.
No Brasil existem diversos casos de disputas de nomes de bandas: Gerasamba (que após a disputa tornou-se “É o Tcham”), Cidade Negra, RPM, Barão Vermelho, Chales Brown Jr, entre outros.
Caso Legião Urbana
O caso de maior destaque nos últimos tempos foi o da Legião Urbana. Giuliano Manfredini, filho e herdeiro de Renato Russo, proprietário da marca, afirmou ter os direitos totais do nome Legião Urbana e passou a notificar Villa-Lobos e Bonfá quando faziam apresentações ou usavam de alguma forma a marca da banda. Os ex-integrantes entraram com uma ação no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) em 2013 tentando inviabilizar este tipo de cobrança do filho de Renato Russo.
Em 2014, o TJ-RJ concedeu a Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá o direito de usar a marca, o que permitiu a ambos realizar uma turnê em homenagem aos 30 anos dos dois primeiros discos da banda. Mas, um ano depois, Manfredini recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça, solicitando uma ação rescisória de um terço dos valores que os músicos ganharam em turnês e questionou em juízo a competência para o tribunal estadual julgar o caso, levando o processo para a instância federal, no Superior Tribunal de Justiça.
“Batido o martelo sobre o uso do nome “Legião Urbana” em junho de 2021, este caso remete à questão identitária e ao uso da obra pelo autor. O STJ entendeu que o uso do nome da banda pelos ex-integrantes faz parte da expressão de sua própria identidade, constituindo um reflexo de suas personalidades, que não poderiam ser restringidas pela Lei de Propriedade Industrial. Assim, com base na função social da propriedade, na repercussão negativa do direito de acesso à cultura e no exercício dos direitos autorais, os demandantes podem usar o nome da banda “Legião Urbana” em shows, mesmo sem serem proprietários ou licenciados do registro da marca Legião Urbana. Ou seja: ainda que o Judiciário brasileiro tenha sido contrário à técnica, tentou equilibrar essa questão do nome da banda. No entanto, é importante mencionar que os demandantes não podem fazer qualquer uso da marca para qualquer outro fim comercial, como, por exemplo, o licenciamento de uso da marca a terceiros ou qualquer atividade que promova a exploração comercial da marca”, explica Mariana Furtado.
Segundo a advogada, a verdade é que o Judiciário brasileiro tentou equilibrar a propriedade da marca e a identidade do grupo musical para dirimir esse conflito ao proferir uma decisão aparentemente salomônica: Dado e Bonfá não poderão usar a marca para fins comerciais, como, por exemplo, o licenciamento de produtos, no entanto, é permitido o uso da marca Legião Urbana em shows.
Cidade Negra
Em outubro de 2019, o cantor Toni Garrido teve seu pedido de registro de marca deferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O problema é que os ex-membros da banda não concordaram, alegando que o grupo foi criado na década de 1980 sem qualquer participação do artista, que apenas teria integrado o Cidade Negra 14 anos depois, somente após o lançamento de dois álbuns autorais.
De acordo com Lazão, Ras Bernardo e Da Ghama, Garrido não os comunicou acerca do pedido de registro por ter como objetivo impedir que eles exerçam suas atividades artístico-musicais. Eles reforçaram que a marca Cidade Negra foi registrada pela Sony Music na classe 9 (discos e fitas em geral) para proteger seu segmento de mercado, mas todos os registros caducaram e voltaram a ficar livres em 2018, quando Garrido solicitou.
Em contrapartida, o cantor ponderou que ao optarem por sair da banda no passado, os ex-membros perderam o direito de utilizar o nome Cidade Negra. Segundo Garrido, sustenta-se por dois motivos: em virtude da Lei da Propriedade Industrial (nº 9.279/1996), que sinaliza que quem a registrou como marca no INPI é seu titular e tem o direito de usá-la; e em virtude de dispositivos contratuais assinados pelas partes.
Por fim, a justiça federal do Rio de Janeiro rejeitou o pedido de nulidade feito pelos ex-integrantes da banda e manteve o registro da marca Cidade Negra com Garrido. Durante a análise do caso, o juiz avaliou que, apesar de todo o sucesso nacional e internacional, os músicos nunca se preocuparam muito com a titularidade do grupo.
Charlie Brown Jr
Este é um caso recente. A viúva e o filho do “Chorão”, Graziela Gonçalves e Alexandre Ferreira Lima Abrão, entraram em uma disputa judicial pela marca “Charlie Brown Jr”. Graziela alega que Alexandre ignorou os direitos dela como herdeira ao registrar sozinho a marca da banda no INPI. À Justiça, Alexandre afirmou que ela agiu de “má fé”. Graziela, tem 45% dos direitos de imagens e produtos, incluindo marcas, referentes ao cantor e à banda. Já Alexandre tem 55% desses direitos após acordo judicial pelo inventário do artista.
Apesar do processo ainda não ter sido julgado, o juiz Guilherme de Paula Nascente Nunes, da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem de São Paulo, concedeu ainda em dezembro de 2023 uma liminar para que o filho de Chorão transfira à mulher os 45% dos direitos da marca da banda.
Recentemente, a defesa dos músicos Marcão Britto e Thiago Castanho, ex-membros do Charlie Brown Jr, alegou que que Alexandre falsificou assinatura em um “Acordo de Coexistência de Marcas”. No documento supostamente fraudado, a Peanuts Worldwide, empresa que possui os direitos do personagem Charlie Brown, concorda em compartilhar gratuitamente os direitos do uso da marca no Brasil para Alexandre e para a Green Goes, deixada por Chorão ao filho.
Para Marianna, as bandas podem evitar conflitos sobre o uso de seus nomes agindo com profissionalismo e conferindo a formalização necessária à formação da banda, tal como iniciar uma empresa para gestão da banda incluindo seus integrantes como sócios; registrando as marcas da banda sob o CNPJ da banda; determinar através do contrato social ou em outras modalidades de contrato, as responsabilidades e direitos de cada integrante da banda. “O registro de uma marca junto ao INPI não necessariamente pode prevenir uma disputa, mas ela ajuda não resolução de eventuais disputas, motivo pelo qual é necessária a formalização do registro da marca”, explica.
Para que as bandas evitem problemas relacionados aos seus nomes ao longo de suas carreiras é fundamental formalizar o registro de suas marcas, adotar uma postura profissional não somente na criação artística da carreira, como também na parte burocrática e de formalização dos ativos intangíveis da banda.
Marianna Furtado, advogada no escritório Montaury Pimenta Machado e Vieira de Mello.