Dívidas dos estados: origem, dinâmica e renegociação

Segundo Ricardo Teixeira, mais importante que discutir a questão das dívidas dos estados, seria saber se a dívida de cada estado está dentro do administrável para o tamanho da sua economia.

315
Ricardo Teixeira, coordenador de MBA da FGV
Ricardo Teixeira (foto divulgação)

Conversamos sobre as dívidas dos estados com a União com Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em Gestão Financeira da FGV. Recentemente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apresentou o Projeto de Lei Complementar 121/2024 que “institui o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), destinado a promover a revisão dos termos das dívidas dos Estados e do Distrito Federal com a União firmadas no âmbito da Lei 9.496, de 11 de setembro de 1997, e das Leis Complementares 159, de 19 de maio de 2017, 178, de 13 de janeiro de 2021, e 201, de 24 de outubro de 2023” e que prevê a instituição de fundo de equalização federativa.

Cabe destacar que Rodrigo Pacheco, do PSD-MG, cujo mandato de senador termina no final de 2026, é cotado para concorrer ao governo de Minas Gerais no mesmo ano.

Como surgiram as dívidas dos estados com a União?

Essas dívidas surgem e crescem à medida em que os estados se endividam com a União. Por exemplo, a União empresta recursos a um estado para que ele possa construir uma infraestrutura, sendo que o estado fica de devolver esses recursos ao Governo Federal depois que a infraestrutura estiver pronta e gerando arrecadação de tributos. Contudo, se esse estado não arrecadar o que estava previsto, ele não vai conseguir pagar a sua dívida, o que vai fazer com que o Governo Federal tenha que, na medida do possível, fazer a sua rolagem.

Normalmente, isso não acontece por falta de planejamento, e sim porque o planejamento é feito para 3, 4, 5, 6 anos à frente, quando a situação pode estar melhor ou pior. Se a situação estiver melhor, vai haver dinheiro, o estado vai cumprir os seus compromissos e ainda vai sobrar um pouco para fazer outros investimentos, mas se a situação estiver pior, a arrecadação vai ser menor e vai faltar dinheiro para pagar seus compromissos. Como o orçamento está todo amarrado, a falta de dinheiro vai fazer com que o estado precise tomar empréstimos, o que faz com que a sua dívida cresça.

Espaço Publicitáriocnseg

Mas a origem dessas dívidas não está relacionada aos primeiros anos do Plano Real, em meados da década de 1990, quando as dívidas dos estados e dos bancos estaduais foram federalizadas?

Na realidade, todas as vezes, ao longo do tempo, em que foram feitas renegociações de dívidas, o que se estava tentando fazer era corrigir o passado. Então, não há como fixar um ponto zero antes do qual não existiam essas dívidas, já que elas existem desde a época do Império, pois sempre houve necessidade de financiamento por parte dos governantes.

Como o financiamento é para ser amortizado ao longo do tempo, se o estado arrecada bem, ele consegue fazer isso, mas quando o estado não arrecada, um compromisso que não foi pago é transformado em dívida. Eventualmente, o estado consegue renegociar e colocar essa dívida no pacote que já existe, mas se o estado não recuperar o seu poder de pagamento, essa dívida só vai aumentar até chegar ao ponto em que o problema fica meio fictício, pois a dívida vai estar sendo girada o tempo todo sem que haja uma perspectiva de pagamento.

É por isso que de vez em quando se aciona os freios de arrumação, pois é preciso parar e ver como se organiza a situação. Isso porque os governadores mudam e os novos recebem um passado que estoura nas suas mãos. Esse não é um passado do ano passado, mas de uma década, duas décadas atrás, formado por dívidas que estão sendo roladas, mas que, em algum momento, o outro lado, nesse caso, a União, vai precisar recebê-las.

Os estados vão o tempo todo à União para ficar fazendo dívida?

A princípio, não. Quando os estados fazem os seus orçamentos, eles já levam em consideração as dívidas que possuem. Dessa forma, um estado pode verificar que se ele pagar todas as suas dívidas, ele não vai ter um tostão para investir. Se você fosse um governador, você ficaria satisfeito com essa situação? Não, pois você estaria pagando as dívidas que outros governadores fizeram lá atrás, não estaria fazendo nada e o povo ainda estaria te xingando na rua. Assim, tendo o orçamento pronto, o governador vai ao Governo Federal para pedir um empréstimo para investir, por exemplo, em infraestrutura.

O problema é que, depois de alguns anos, o Governo Federal, que tem no seu orçamento uma previsão de receita gerada pelo pagamento das dívidas dos estados, já sabe que eles não vão conseguir pagá-las. Cabe destacar que parte da receita da União é arrecadação de tributos, mas parte é o que deveria estar sendo recebido de volta dos estados. Se eles não conseguem pagar, a União não tem como executar o seu orçamento.

Quantas vezes essas dívidas já foram renegociadas e como se dão essas renegociações? Em bloco ou individualmente?

Neste momento, a regra de renegociação que está sendo feita é “geral”, mas nós já tivemos renegociações individuais, como o caso do Rio de Janeiro, na época em que o vice-governador Francisco Dornelles estava substituindo o governador Luiz Fernando Pezão.

Isso foi feito porque a situação do Rio era diferente da situação dos outros estados, mas, normalmente, se faz uma renegociação que vale para todos os estados de forma a que eles sejam aliviados, uns em maior monta e outros em menor. Essas obrigações são empurradas mais para frente levando-se em consideração que a economia vai crescer, e que, portanto, lá na frente os estados vão conseguir pagá-las. Com isso, abre-se espaço nos orçamentos estaduais para que os estados  possam investir.

Eventualmente, pode-se pegar um contrato, que um estado tem hoje, para refinanciá-lo com um prazo mais longo e com taxa de amortização menor. Por exemplo, se um estado está pagando R$ 1 milhão por mês referente a um financiamento, a renegociação é feita embutindo-se os juros, e em vez de se pagar em 5 anos, o estado vai pagar em 10 anos. Abre-se espaço para o governador respirar um pouco, mas apostando em um crescimento futuro que tem que acontecer, senão o estado vai voltar, mais ou menos, para a mesma situação.

Com relação à quantidade de renegociações, eu não saberia te dizer quantas já aconteceram, mas não é nada alarmante que elas aconteçam.

Na verdade, é como se a turma estivesse empurrando o problema com a barriga?

Pois é. É como se a turma estivesse empurrando o problema com a barriga imaginando que, em um determinado momento, vai haver o crescimento esperado que possibilitará a solução dessa situação. Como só existe uma maneira do poder público pagar as suas contas, que é através da arrecadação, ele trabalha no sentido de aumentá-la, mas como não adianta elevar as alíquotas dos tributos, pois a sociedade não vai conseguir pagá-las, é preciso promover o crescimento através de financiamentos e de investimentos.

O principal dessas dívidas chega a ser amortizado?

A ideia é que o principal seja amortizado, tanto que quando se faz uma renegociação, no primeiro e no segundo momento, normalmente, se consegue amortizá-lo, mas o problema é o que vem depois.

O que poderia ser feito para que esse problema das dívidas dos estados fosse solucionado?

Seria preciso criar um espaço para que pudéssemos ter uma poupança antes de voltarmos a gastar, mas isso jamais seria aprovado, já que a própria população exige do governo realizações. Desde que o Brasil comprou a sua Independência, pagando uma fortuna em ouro que nós tínhamos, mas que nos deixou pobres, nós corremos atrás da construção dessa poupança. Hoje, nós trabalhamos com os mecanismos normais que o sistema financeiro oferece para que possamos construir esse desenvolvimento, mas na medida em que construirmos uma economia mais forte do ponto de vista de produção, nós vamos ter uma base para sairmos dessa situação. 

Discute-se muito a questão das dívidas dos estados, quando o mais importante seria saber se a dívida de cada estado está dentro do administrável para o tamanho da sua economia. Como há uma legislação que fixa esses parâmetros, a princípio, sim, mas as dívidas estão sendo alongadas para que elas fiquem dentro desses parâmetros. Se nós não investirmos hoje, nós não teremos como oferecer às próximas gerações condições de vida adequadas ao mundo em que elas vão viver nas próximas décadas. Isso coloca nas nossas mãos a responsabilidade de também pensarmos o futuro.

Como não se pode parar o país por 10 anos para se fazer uma arrumação, é preciso levar a situação com responsabilidade fiscal, sem dúvida nenhuma, mas dentro de um otimismo administrável. Nós já temos um arcabouço legal que, mais ou menos, coloca essa situação sob um certo controle, mas determinadas coisas acontecem, como, por exemplo, o que aconteceu no Rio Grande do Sul. O Governo Federal está ajudando, mas parte dessa ajuda terá que ser paga pelo estado em algum momento, e para que ele possa pagá-la, a dívida terá que ser alongada.

Dentro da legislação, cria-se possibilidades, só que isso afeta o fluxo de caixa no longo prazo. Não porque alguém está fazendo isso por pura irresponsabilidade, mas porque é preciso fazer esse alongamento de dívida para que sobre dinheiro de forma a que alguma coisa possa ser feita, apostando-se, como disse no início da nossa entrevista, em um aumento de arrecadação que virá pelo crescimento econômico.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui