Estive em dois eventos na última quinzena que mostram a disposição crescente dos produtores de vinhos de outros países em expandir sua presença no mercado brasileiro. Ambos com pedigree francês. No dia 24 de maio, o produtor Domaine Bousquet, de origem francesa e instalado na Argentina há 28 anos, esteve no Rio, após passagem por São Paulo.
Nesta semana, outro evento ocorreu com o Château Dauzac, um 5ème Grand Cru Classé da prestigiada classificação de Grands Crus Classés do Médoc, criada em 1855. O Château Dauzac tem sede em Margaux, onde estão plantados 45 de seus 49 hectares (4 ha estão na AOC Haut-Médoc).
Domaine Bousquet, Valle de Uco – Pioneirismo em terra estrangeira
O Domaine Bousquet nasceu de uma família de produtores franceses de Carcassonne, sul da França. Em 1990, Jean Bousquet visitou Mendoza e se encantou com o território extremo e remoto de Gualtallary, situado no alto do distrito de Tupungato, Valle de Uco, hoje uma das áreas mais badaladas de Mendoza. Na época, nenhuma videira à vista, apenas um território semidesértico virgem, de difícil acesso, sem disponibilidade de água e eletricidade. Mas as condições para o cultivo orgânico estavam ali e, nos anos 2000, a filha de Jean, Anne Bousquet, juntamente com o esposo, Labid Al Ameri, levou à frente o projeto.
Atualmente, produzem 4 milhões de litros de vinhos por ano e exportam 95% do seu volume para mais de 50 países. Em Gualtallary e imediações, plantam Malbec, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Syrah, Pinot Noir, Sauvignon Blanc e Chardonnay. Quem esteve em São Paulo e no Rio para apresentações foi o enólogo argentino Rodrigo Serrano, que está há 8 anos no comando da vinícola. São importados pela carioca ASA Gourmet e pretendem aumentar a participação do Brasil no grupo de exportação da vinícola, que tem como líderes os EUA e países do centro e norte europeu.
São várias linhas atualmente produzidas, que vão sendo trabalhadas de acordo com o mercado. No jantar, foram servidos alguns dos importados, com variedades mais representativas de cada linha. Um espumante, seguido de dois brancos: um Sauvignon Blanc de entrada e o Chardonnay da linha Reserve, trabalhado com 50% de barricas usadas. Da linha Gaia, que traz vinhos tintos de corpo médio, mais prontos para beber, foi escolhido o Malbec. Em seguida, foram servidos o Malbec e o Cabernet Sauvignon da linha Gran Bousquet – vinhos intensos, encorpados, mas equilibrados pela acidez que a altitude proporciona. Achei essa linha com excelente relação preço/qualidade. O Gran Reserva Cabernet Sauvignon 2021 apresenta uma boa tensão de acidez, corpo e tanino, envolta por uma deliciosa trama de frutos negros, notas especiadas e toques defumados. Dois vinhos top da vinícola fecharam a noite: Ameri Malbec Single Vineyard e um ainda não rotulado, que deverá se chamar Single Block. São resultantes da crescente pesquisa por parcelas com condições geoclimáticas exclusivas. Pura concentração e complexidade – ainda jovens para beber. Todos orgânicos.
Château Dauzac, Margaux – Vinhos que podem ser admirados hoje ou no futuro
O Château Dauzac foi incorporado há cerca de dois anos ao extenso catálogo da Decanter Wines, tradicional importador brasileiro, que organizou um almoço harmonizado para apresentar alguns de seus rótulos a profissionais de vinhos da mídia especializada. O evento contou com a presença do diretor comercial do Château Dauzac, Lionel Tonnerieux.
Situados próximos do estuário da Gironda, os vinhedos do Château Dauzac estão assentados no típico solo pedregoso da margem esquerda do Garonne (Rive Gauche) e protegidos dos ventos oceânicos do Atlântico por áreas florestais. Atualmente, cerca de 2/3 dos vinhedos são plantados com Cabernet Sauvignon, 1/3 com Merlot e uma parcela pequena de Petit Verdot. Isso reflete um pouco a proporção dos cortes dos vinhos por eles assinados, sendo que a gama de entrada tem boa proporção de Merlot e, para os grandes vinhos, a Cabernet Sauvignon é bem protagonista.
A appellation Margaux é considerada, dentre as AOC’s da rive gauche, a que tem um perfil ao mesmo tempo robusto, voluptuoso e acessível, pela grande concentração de fruta e taninos maduros, que permitem seu consumo mais jovem do que os vinhos vizinhos de Pauillac e Saint-Estèphe, por exemplo.
De fato, os vinhos degustados confirmam essa concepção. O almoço harmonizado começou por linhas produzidas pelo Château Dauzac com uvas de outras áreas de Bordeaux. O Comte Dauzac Bordeaux Supérieur rouge é um vinho prontíssimo para beber, de corpo médio, com boa estrutura, carga de fruta e boa relação preço/qualidade. O Comte de Dauzac Haut-Médoc é proveniente dos vinhedos da propriedade na AOC Haut-Médoc. Trata-se de um corte bordalês mais fresco e elegante, que vai agradar quem foge dos tintos muito encorpados e que também tem preço competitivo. O Château Dauzac Grand Cru Classé 2020 (uma safra legendária para a região) fechou o evento com sua típica volúpia de Margaux, uma explosão de frutas e notas tostadas. Com taninos firmes (e finos), ainda está jovem e merece alguns anos de adega, embora não espante os apressados.
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