E agora, para onde?

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Em 1955, Juscelino Kubitschek, em campanha pela presidência da República, identificava os fatos que se desenrolavam no país como sendo sinais de uma “crise de transformação, um fenômeno de crescimento”, justificando assim a apresentação de suas “Diretrizes Gerais do Plano de Desenvolvimento” com a promessa de realizar “50 anos em cinco”. Passados os cinco anos de governo, a estrutura econômica do país havia passado por grandes transformações, deixando de herança um considerável parque industrial moderno, tornando-se a base sobre a qual os projetos de desenvolvimento posteriores se assentariam. O crescimento econômico levou a novas contradições que apareciam publicamente tanto nos indicadores de inflação como nas lutas por reformas no início dos anos 60, que teve como desdobramento político os longos anos de regime autoritário.
Hoje, após a economia brasileira experimentar cinco anos estabilidade monetária definida como objetivo central de uma política econômica que rendeu, igualmente, a eleição (e a reeleição) do atual presidente da República, os sintomas de crise nos leva a uma interrogação: que desdobramentos podem ter os fatos que vêm ocorrendo no quadro político nacional do nosso país, à medida em que comportam uma multiplicidade demandas e de interesses?
Apesar dos 44 anos que separam as duas experiências acima, tomadas à distância, ambas compõem o tradicional dilema enfrentado pelos condutores das políticas econômicas governamentais nos últimos 70 anos de história do Brasil. O dilema de optar entre promover o crescimento econômico do país ou promover estabilidade de sua economia.
O Plano Real, apesar das várias mudanças introduzidas ao longo do tempo percorrido desde a sua implementação, apresenta-se como o mais bem sucedido plano de estabilização econômica adotado nos últimos 20 anos. Entretanto, ao perseguir como meta central a preservação do poder de compra da moeda, mediante a manutenção da estabilidade dos preços internos para o que funcionou como suporte a política de abertura comercial, num quadro internacional em que sucessivas crises vieram a ocorrer, acabou por gerar efeitos negativos sobre o desempenho de importantes variáveis econômicas. A sustentação de uma política baseada na sobrevalorização cambial e de elevadas taxas de juros, impostas pela necessidade de atração de divisas externas, levou ao comprometimento do desempenho do Produto Interno, a partir de 1996.
Por sua vez, a exposição acelerada das empresas nacionais à competição internacional e a condução do processo de privatização a que foram submetidas as grandes empresas estatais levaram a que estas promovessem uma profunda reestruturação  de seus processos produtivos, cuja consequência foi a eliminação de inúmeros postos de trabalho. Nos últimos meses de 1997, as taxas de desemprego entravam na cena do debate nacional, envolvendo o próprio presidente na tentativa de minimizar o impacto dos números apresentados pela Pesquisa de Emprego e Desemprego para a Região Metropolitana de São Paulo. Em setembro daquele ano, a taxa de desemprego nesta Região batia um recorde histórico ao alcançar 16,3%.
Desde então, as taxas de desemprego iriam evoluir, seguindo a tendência de crescimento até alcançar, em maio de 1999, a marca dos 20,3% naquela Região Metropolitana, apesar das medidas implementadas pelo governo na tentativa de buscar fazer frente à crescente eliminação de postos de trabalho. Varias mudanças na legislação que regem as normas contratuais seriam introduzidas sem que qualquer efeito positivo tenha se evidenciado.
Dentre as medidas introduzidas pelo governo com o objetivo de aumentar a oferta de postos de trabalho podemos citar a autorização do trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, a partir de novembro de 1997, concedida por meio da Medida Provisória 1539-34, o introdução do Contrato de Trabalho por Tempo Determinado (Lei 9.601),  a adoção do Trabalho em Regime de Tempo Parcial (MP 1.709) e a Suspensão Temporária do Contrato de Trabalho (MP 1.726).
O efeito que se percebe recaiu sobre o clima das negociações dos acordos coletivos de trabalho enfrentadas pelos sindicatos que, diante de uma situação marcada pelo desemprego crescente, ia vendo reduzir-se  a capacidade de promover a ampla mobilização de seus representados para pleitear reajustes de salários e outras reivindicações. Isto levou a que os pleitos da maioria das categorias profissionais e a motivação para as greves realizadas neste período fossem se deslocando da luta por correção salarial para a defesa do cumprimento dos direitos contidos em suas Convenções Coletivas de Trabalho. Provocando uma drástica redução do número de greves realizadas, que passaria de cerca de 1.258 de paralisações, no ano de 1996, para 550, no decorrer de 1998,  segundo registro do Banco de Greves do Dieese. Desse modo, os interesses dos grupos organizados foram perdendo força e sendo aos poucos subordinados às prioridades da política econômica mais geral. O combate à inflação deveria ser absorvido pelos trabalhadores como sendo “a melhor política salarial”, assim como, o caminho para a promoção de uma melhor distribuição da renda e a condição para a retomada do crescimento da economia.
O sucesso da estratégia governamental sustentada pela defesa do Real garantiu a reeleição de Fernando Henrique, que, além de proteger a moeda, assegurou à população brasileira que “aquele que acabou com a inflação vai acabar com o desemprego”.
Passados sete meses do início do segundo mandato de Fernando Henrique, o grau de insatisfação provocado pelas crescentes taxas de desemprego, em combinação com o aumento da pobreza e a constatação da fragilidade da moeda acabou por alimentar o fenômeno da perda de popularidade  do governo, empurrando alguns setores a tomar a iniciativa de defenderem-se dos novos prejuízos que ameaçam cair sobre seus ombros. Os caminhoneiros deram o primeiro passo, sendo acompanhado pelos produtores rurais do Sul e tudo nos faz crer que a romaria será intensificada nos próximos meses. Sem levarmos em conta a longa e incansável luta do MST para colocar na pauta das prioridades nacionais a questão da transformação da estrutura agrária do país, secularmente mantida inalterada.
Até o momento, as manifestações têm surtido efeitos de gerar abertura de negociações e a apresentação de propostas em busca de encontrar soluções. Logo virão as campanhas salariais de grandes categorias profissionais que amargam anos sem o atendimento de suas reivindicações, como é o caso dos petroleiros. Resta saber se a disposição de negociar será mantida, quando for o caso dos sindicatos de trabalhadores cujos dissídios coletivos transcorrerão no decorrer dos meses que se estendem até dezembro (bancários, petroleiros, metalúrgicos, aeroviários , aeronautas, trabalhadores nos correios, em telecomunicações, eletricitários etc.).
É diante de um cenário que comporta a ação de um número tão variado de atores com distintos interesses que nos perguntamos: que rumos estarão abertos para a sociedade brasileira? E, no caso de retomarmos uma trajetória programada de crescimento, o faremos como busca de superação dos graves problemas sociais, regionais e setoriais que sempre marcaram a sociedade brasileira ou o faremos como mais uma “fuga para a frente”, na qual  a opção pelo crescimento deixa sem resolução os graves problemas estruturais da sociedade brasileira?

Jardel Leal
Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos (Dieese) e professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos.

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