É preciso reagir às tentativas de redução nos recursos para a ciência

Propostas da equipe econômica geraria perdas de R$ 8 bi/ano Wanderley de Souza

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A construção da estação espacial, um supercomputador mais forte, novos medicamentos e tecnologia de baixo carbono vão definir o setor de ciência e tecnologia da China em 2022. (Xinhua/He Meng)

O desenvolvimento científico brasileiro é fruto, principalmente, dos investimentos financeiros feitos pelo governo federal através de suas agências de fomento (CNPq e Capes), pelas fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que tem a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) como secretaria-executiva. As atividades desenvolvidas por essas agências permitiram que a Ciência brasileira atingisse uma posição de destaque no cenário internacional.

A infraestrutura científica nacional é principalmente fruto dos investimentos feitos pelo FNDCT ao longo de sua existência. Sua origem pode ser traçada inicialmente pela criação, em 1964, do Fundo de Apoio à Tecnologia (Funtec), que foi gerido pelo BNDES e, posteriormente, incorporado à Finep, criada em 1967 e que, em 1971, passou a ser a secretaria executiva do FNDCT.

O Fundo recebeu durante muitos anos aporte direto do Tesouro Nacional bem como de empréstimos internacionais por ele avalizado. Os recursos diminuíram na década de 1990, sendo que em 1998 o FNDCT passou a receber recursos crescentes de vários fundos setoriais, iniciando pelo de petróleo e gás.

A partir de 1999 surgiram vários outros fundos, todos prevendo recursos oriundos de percentuais de atividades econômicas em áreas específicas, como a contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide), percentual de royalties de várias atividades econômicas nas áreas de exploração de petróleo e gás, exploração mineral, transportes, ente outras.

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Durante muitos anos os recursos eram arrecadados e contingenciados. Houve execução plena durante boa parte dos dois primeiros mandatos do governo Lula, quando a Ciência brasileira iniciou uma fase de crescimento. Em seguida, houve contingenciamento da maior parte dos recursos arrecadados pelo FNDCT, que chegou a acumular uma reserva da ordem de R$ 30 bilhões.

Intensa mobilização da comunidade científica brasileira levou a mudanças na legislação que impediram o contingenciamento, e, ao longo de 2023 e 2024, houve execução recorde da ordem de R$ 12 bilhões por ano, revivendo a esperança de termos um vigoroso crescimento da atividade científica brasileira, que passaria a contar com recursos crescentes e impedidos de bloqueio em função de lei específica aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional há poucos anos.

A expectativa é de que chegaremos muito rapidamente a um orçamento anual da ordem de R$ 20 bilhões, o que permite pensar em um crescimento das atividades científicas no país com grande ênfase no componente da inovação tecnológica, que certamente pode alavancar o desenvolvimento industrial.

É no contexto de um momento de grandes expectativas positivas que surgiu, ao longo dos últimos dias, insinuações no sentido de que o governo pretende interferir nesses recursos, através de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que bloquearia parte significativa dos recursos do FNDCT, que passariam a ser considerados como parte do orçamento discricionário, e que não poderia crescer mais que 2,5% ao ano, independentemente do que arrecada.

Isto pode representar perdas da ordem R$ 8 bilhões por ano, o que impedirá o crescimento das atividades científicas no Brasil. Essa medida desconsidera completamente o compromisso do governo com a comunidade científica, semanas após lançar na sede da Academia Brasileira de Ciências, vários editais, entre os quais menciono a Rede de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, o Edital Universal do CNPq, Programa de atração de pesquisadores brasileiros do exterior, Expansão da infraestrutura cientifica brasileira, entre outros.

Apelamos ao presidente Lula para que não aceite a proposta apresentada pela equipe econômica que, com isso, parece não pensar no desenvolvimento autônomo do país, buscando soluções aparentemente mais fáceis para a redução dos gastos públicas. Afinal, a atividade científica não pode ser considerada como gasto e sim como investimento para acelerar a inserção e manutenção do país entre os mais desenvolvidos.

Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Nacional de Medicina e da US National Academy of Sciences.

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