Conversamos sobre a atual situação fiscal do Brasil com o economista e consultor econômico Raul Velloso.
Qual a sua avaliação sobre a atual situação macroeconômica do Brasil?
É uma situação bastante complicada, pois apesar dos indicadores estarem razoavelmente bem, o PIB cresce muito pouco e ninguém sabe explicar o porquê. Tem algum mistério aí ou alguma coisa errada que ninguém está enxergando.
Qual a sua avaliação sobre a atual situação fiscal do Brasil?
A situação fiscal está bastante complicada. Se pegarmos o caso da União, em 1987, um ano antes da atual Constituição que começou a mudar tudo, o gasto previdenciário era de 19%. Em 2021, que é o último dado que eu tenho de todos os itens, passou para 52%. Ora, se eu tenho um item tão rígido e tão complicado de se administrar como a Previdência, que subiu como subiu nos últimos sei lá quantos anos, e que passou a ocupar um espaço gigantesco nos gastos do ente mais importante que é a União, nós temos um problema macroeconômico complicado para resolver, pois esse item é muito difícil de se arrumar, já que exige um trabalho que, em geral, os políticos tentam fugir dele.
É preciso reduzir o peso que a previdência tem hoje senão a situação econômica do país fica muito complicada. Se nós não resolvermos o problema do peso excessivo do gasto previdenciário, o país não vai investir, e se ele não investir, ele não vai crescer. A situação macroeconômica do Brasil é muito séria, pois nós estamos fadados a não ter um crescimento do PIB, em média, maior que 1% ao ano. Isso é um desastre, pois a demanda de empregos da população cresce a uma taxa maior que essa. Isso tem apenas uma só explicação: excesso de gasto previdenciário no setor público.
No passado, e há quem tema que isso possa voltar a acontecer, o problema econômico se chamava inflação. Este problema, pasme, já foi resolvido. Muitas pessoas pensavam que se nós resolvêssemos a inflação e suas mazelas, o país estaria salvo. Não está, pois o Brasil caiu numa armadilha de baixíssimo crescimento. Enquanto nós não resolvermos o problema de excesso de gasto previdenciário, nós não sairemos dessa armadilha.
Qual a sua avaliação sobre o gasto previdenciário do INSS e dos Regimes Próprios?
O gasto do INSS tem uma diferença fundamental, pois ele está dentro da União, que, ainda que ninguém fale isso, possui uma capacidade, eu não digo ilimitada, mas muito grande, de financiar déficits. Com a maior facilidade, o governo emite moeda para depois substituí-la por títulos da dívida pública, colocando esses papéis no mundo todo, que está inundado de poupança para financiar títulos de dívida que paguem muito e que não sejam de países caloteiros. Ao contrário da Argentina, que é um desastre, o Brasil não tem fama de caloteiro.
Só para dar um exemplo, os municípios que estão ligados tanto ao INSS quanto ao seu instituto de previdência própria, na hora em que têm qualquer dificuldade, a primeira coisa que fazem é suspender o pagamento. Hoje, muitos municípios estão dando um calote total na ordem de R$ 500 bilhões, sendo R$ 250 bilhões no INSS, R$ 50 bilhões nos Regimes Próprios e R$ 196 bilhões em precatórios. Eu não entendo como esse número não chega na mídia, pois eu já o coloquei nos meus artigos várias vezes.
Na hora em que aperta o cinto, os municípios que têm as suas previdências geridas pelo INSS param de pagar o INSS, da mesma forma que o setor privado e as empresas estatais. Isso porque o governo tem condições de colocar dinheiro no INSS no lugar de quem está devendo, para que depois o Banco Central emita títulos para enxugar a quantidade de moeda.
O que estou dizendo é que a Previdência tem uma dívida gigantesca e exigível, mas não em relação a certos segmentos. Como os municípios têm força política suficiente, eles reagiram e propuseram a desoneração através da diminuição da alíquota para 14%. Se você estender o raciocínio, isso pode acontecer com qualquer entidade que esteja ligada ao INSS e que bata na porta do seu representante político para conseguir suspender o pagamento
No que diz respeito ao Regime Próprio, a questão é mais complicada, mas não impossível de ser feita, tanto que eles fazem. Se um município tem Regime Próprio, o prefeito suspende o pagamento e vai no representante político para brigar por algum tipo de apoio financeiro da velha Viúva que consegue emitir moeda.
Por exemplo, o gasto previdenciário nos municípios cresceu, de 2011 a 2018, período mais recente que eu consegui levantar, a uma média real, ou seja, acima da inflação, de 12,5% ao ano. Você consegue imaginar o que é isso para um país cujo PIB cresce, em média, 1% ao ano? Se você descer para os outros conjuntos de entes públicos, as taxas também são bastante elevadas: União, 3,1%; INSS, 5,1%; e estados, 5,9%. Todos crescem muito acima do PIB.
É óbvio que à medida que o tempo passa, com esses itens crescendo do jeito que crescem, eles vão ocupando um espaço orçamentário e desalojando quem antes estava ali: os investimentos. Eu tenho os dados consolidados de todos os entes que mostram que de 2010 a 2022, os investimentos em infraestrutura caíram, em média, 5,4%.
Não é à toa, que os gastos previdenciários dispararam, o investimento em infraestrutura desabou, e o PIB fica ali roçando em 1%. Esse é o fenômeno que ninguém quer ver e nem atacar.
Qual a sua avaliação sobre a dívida pública brasileira?
O Brasil tem fama de bom pagador e de ter uma política macroeconômica mais ou menos. Se você comparar o Brasil com a Argentina, a diferença é muito grande, pois nós somos comportadinhos, não damos calote e temos reserva.
Quando o meu irmão, João Paulo dos Reis Velloso, era ministro*, eu estou falando da década de 1970, eu lhe perguntei o motivo de ele jogar tanta ênfase na substituição de importações. Ele me dizia que o Brasil era um dos poucos países que podiam fazer isso porque tinha recursos naturais abundantes. Quando o meu irmão inventou a Embrapa, ele dizia que estava construindo um Brasil que ia aumentar as reservas em dólar numa velocidade muito grande lá na frente. Hoje, nós temos senhores estoques de reservas, tanto em dólar quanto em recursos naturais. Todo mundo sabe que o Brasil tem recursos naturais adoidado para serem retirados, vendidos e exportados. Como a tropa de fora sabe disso, eles jogam dinheiro aqui.
Outra coisa: a queda da inflação com o Plano Real é considerada, no mundo todo, algo espantoso. Quando eu inventei a DRU (Desvinculação de Receitas Orçamentárias), havia um desespero, pois o país estava para explodir. Eu estava numa situação parecida com a de hoje, pois estou vendo o problema da previdência quando quase ninguém vê. Na época, eu dizia que nós tínhamos que convencer o governo a criar uma solução que lhe permitisse dizer ao mercado financeiro que se ele precisasse redirecionar recursos públicos para pagar o serviço da dívida pública, ele teria como. Essa era a causa da inflação, pois o governo não tinha como redirecionar recursos do orçamento para pagar o serviço da dívida.
Um problema existe enquanto ninguém acredita que há uma solução. Foi assim que eu fui ao Fernando Henrique. Pena que eu não sei quantos anos ele ainda dura, pois ele é o único que conta essa história. Outros já contaram, mas de uma maneira muito discreta, pois ninguém quer encher a minha bola, pois piauiense de bola cheia não existe. Agora, estão tentando reinventar com o mesmo nome sem dizer que o autor fui eu.
O problema é que a minha causa não é mais o redirecionamento do orçamento, justamente o que eles querem. A minha causa é arrumar a Previdência. Hoje, a Previdência é responsável por 52% do gasto público. Na época do lançamento do Plano Real, ela não chegava a 20%. Quando for anunciado que estão criando um fundo que, se for necessário, vai redirecionar metade de um item, que tem um peso de 52% do gasto público, para fazer o serviço da dívida, vão perguntar como se vai tirar dinheiro da Previdência. Na hipótese de isso se materializar, os aposentados vão ficar sem receber.
Na época em que criei a DRU, cada componente tinha um peso relativamente pequeno. Nesse caso, era possível dizer que se ia tirar 20% de cada um para a DRU. Com isso, nós teríamos um bolo que permitiria manter a dívida sob controle.
Agora, nós temos que fazer o equacionamento previdenciário, no limite zerando o déficit financeiro anual, o que é complicado, e o passivo atuarial, ou seja, a soma dos déficits financeiros daqui para a frente. Quando o passivo atuarial for zerado, o país não terá mais dívida. Tchau. Só vai ter aquela dívida pública convencional que o governo rola, administra e que não tem grande exigibilidade.
Você tinha uma grande expectativa com relação a um novo governo Lula. Qual a sua avaliação sobre o atual governo?
Um desastre. A noção de prioridade é muito diferente daquela que eu imaginei. Esse foi o meu erro. Eu achei que iam me chamar e me perguntar como se faz esse equacionamento para que eu já levasse o passo-a-passo. Foi isso que eu fiz no Piauí, além dos meus colegas que fizeram em outros entes. O problema é que nós temos que fazer isso no país inteiro.
No início até me chamaram para dar palpite, mas eu percebi que esse assunto é um tabu. Parece que na cartilha secreta do partido há um dispositivo dizendo “não mexa na Previdência”. Se você me perguntar o porquê, eu sei lá, pois se eu soubesse, eu nem sequer teria tido esperança de que eles fizessem um bom governo.
Estão começando a falar em Previdência com o Lula, mas quando ele dá entrevista, ele vem com uma história completamente diferente. É proibido falar nesse assunto. A Simone Tebet não existe, pois se você está num governo como esse, em que não se fala naquilo que resolve, você não tem chance de sobreviver. Na primeira escorregada que ela der, vão chutá-la. Se eu tivesse virado ministro no início do governo Lula, na primeira vez em que eu dissesse que a Previdência é o lugar que tem que ser mexido, eu estaria demitido no dia seguinte.
Eu já perguntei sobre isso para 1 milhão de pessoas, mas ninguém sabe me explicar o porquê disso. Às vezes eu fico me perguntando se quando eu levei a ideia da DRU para o Fernando Henrique, se eu tivesse levado para um governo do PT, ele teria topado? Eu digo isso, pois, na época, eu fui severamente criticado por gente do PT. Se eu tivesse pensado um pouquinho nisso, eu nunca teria sequer pensado que o PT ia me chamar para resolver isso. Eles não chamam. Eu conheço todos eles e já convivi com alguns deles em situações complicadas, mas parece que há uma ordem para não se mexer na Previdência.
O Brasil está ferrado, a não ser que ele entre numa crise séria. Se você pensar bem, essa crise já começa a se manifestar. Uma hora, todo mundo vai sacar que a economia não cresce porque o dinheiro, em vez de ser usado em investimento, está sendo usado só na Previdência. Bom, essa é a explicação. Eles estão falando que vão aumentar a taxa de crescimento, que estão fazendo isso, fazendo aquilo, mas não fazem nada que dê certo, pois não há um caminho que não seja o que estou indicando.
*João Paulo dos Reis Velloso, falecido em fev/2019, foi ministro do Planejamento de out/1969 a mar/1979, durante as presidências de Emílio Médici e Ernesto Geisel.
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