Economia americana e desvalorização do real frente ao dólar

Segundo William Castro Alves, a economia americana é forte e resiliente o suficiente para atravessar diferentes presidentes.

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William Castro Alves
William Castro Alves (foto divulgação Avenue)

Conversamos com William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, sobre a economia americana e a desvalorização do real frente ao dólar.

No início do ano, havia uma expectativa de que a taxa de juros dos Estados Unidos começasse a ser reduzida pelo Fed em maio, o que não aconteceu. Terminado o primeiro semestre, o que mudou na economia americana?

Para 2024, havia uma expectativa de que a economia americana desacelerasse, saindo de um crescimento de 2,5% em 2023 para um crescimento de 1% neste ano. Não seria uma recessão, pois o mercado não queria apostar nisso, já que ele havia errado, quando, em 2022, ele olhou para 2023 e disse que haveria uma recessão, o que não aconteceu. Em 2023, o mercado dizia que não haveria recessão em 2024, mas que a economia americana desaceleraria, já que a Europa ia desacelerar, a China estava devagar e havia a questão dos juros altos, o que trava a economia. O mote que se falava é que menos crescimento desacelera a inflação e abre espaço para o corte de juros.

O que mudou, em especial nos primeiros três meses do ano, foi que nós tivemos dados mais fortes do que o esperado na economia, que surpreendeu pela resiliência. Os dados de atividade, mercado de trabalho, produção industrial e varejo vieram mais fortes. Isso jogou água no chope daqueles que achavam que a inflação ia ceder, o que mudou, completamente, as expectativas de corte de juros.

A partir do final de abril, nós já começamos a ver uma desaceleração da economia. Para o 2T24, a projeção do PIB dos Estados Unidos está mais em linha com o que o mercado vem projetando, ou seja, muito mais perto de 1%, diferente do que foi no 1T24. Começou agora o que os economistas estavam esperando, só que isso fez com que mudassem, completamente, as expectativas de juros. Por exemplo, o Bank of America falava em quatro cortes, mas hoje prevê apenas um. O Barclays falava em três, mas hoje prevê um. O Wells Fargo falava em um monte de cortes, e hoje fala em apenas dois. Todo mundo foi mudando as suas expectativas sobre os juros já que a economia deu sinais de força.

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Olhando para a frente, acredita-se que os juros americanos tenham um ou dois cortes no segundo semestre. O Fed possui uma tabela de probabilidade, feita com base em opiniões de mercado, onde o mercado indica que existe 91% de chance dos juros ficarem onde estão na próxima reunião, mas existe uma expectativa de corte em setembro, quando os juros sairiam de 5,25% a 5,5% para 5% a 5,25%, e de outro corte em dezembro, quando os juros passariam para 4,75% a 5%. Por mais que o mercado aposte em dois cortes, o Fed fala, em tom de projeção, em apenas um para este ano. Se os dados de junho, julho e agosto corroborarem o cenário de inflação cedendo, vindo para baixo, abre-se espaço para cortar juros em setembro.

Isso só olhando do ponto de vista econômico, pois, obviamente, do ponto de vista geopolítico muita coisa pode acontecer. Por exemplo, uma guerra muda cenários, mas há um fator, ainda que seja imponderável, que é a eleição presidencial no dia 5 de novembro, o que adiciona uma instabilidade e uma imprevisibilidade que afetam os planos e projetos de empresas e consumidores.

Uma eleição, algumas vezes mais e outras menos, traz incertezas e volatilidade, mas, dessa vez, eu diria que muito mais. Não tanto pelos candidatos, pois tanto Biden quanto Trump já foram presidentes, mas pela dúvida se o Biden será candidato ou sobre como seria um segundo mandato do Trump. Como sempre há muitas bravatas durante a campanha, isso acaba repercutindo no mercado, o que gera volatilidade.

O noticiário dos Estados Unidos, bem ou mal, chega ao Brasil, mas conversa de mercado é outra coisa. Considerando a performance do presidente Biden no primeiro debate, como o mercado está vendo a possibilidade de ele ser substituído, e, caso isso não aconteça, a possibilidade de um presidente, com idade tão avançada, ter mais quatro anos pela frente?

Em geral, os players de mercado tentam ser pragmáticos, não assumindo partido e deixando as diferenças de lado. O mercado tenta entender quais seriam os impactos para indicadores econômicos e para a economia.

A condição atual do Biden não se deu, única e exclusivamente, em um dia de debate, ainda que, eventualmente, ele possa ter sido afetado pelo jet lag, como ele disse. A sua saúde e a sua capacidade de governar tem sido assim nos últimos quatro anos, mas o país tem sido governado por ele e, obviamente, pelo Partido Democrata e por seus assessores. A grande dúvida é até que ponto ele consegue executar a presidência caso ele ganhe a eleição. E caso ele não consiga, a sua substituta natural seria a sua vice Kamala Harris. Inclusive, já se fala sobre a possibilidade de que ela poderia concorrer neste ano, mas a Kamala foi uma figura muito apagada durante o mandato, o que fez com que ela perdesse espaço e relevância.

Do ponto de vista de mercado, a visão é de que ambos, tanto Biden quanto Trump,  são ruins para a questão fiscal americana. Se por um lado o Biden incentivou muito a economia durante o seu mandato com uma política fiscal expansionista, por outro a sua política migratória mais frouxa ajudou a trazer mais pessoas para consumirem e a equacionar o mercado de trabalho, deixando ele menos pressionado, o que, consequentemente, ajudou no combate à inflação. Dessa forma, nós temos, mais ou menos, o que esperar do Biden. Da mesma forma, nós conseguimos fazer projeções sobre o Trump. O bom é que a economia americana é forte e resiliente o suficiente para atravessar diferentes presidentes.

Qual a sua avaliação sobre a inflação americana?

A inflação americana pode ser separada em bens, serviços e moradias (housing). Essa inflação não é de bens. Depois que o mundo voltou a funcionar, especialmente quando a China reabriu, a inflação de bens diminuiu bastante. Isso não quer dizer que os preços caíram, pois o que caiu foi a taxa de inflação, ou seja, os preços subiram menos.

Em housing, esse processo demora mais, pois os contratos de aluguel são reajustados a cada 12 meses, e não todo dia. Isso faz com que haja uma demora para que os dados de housing apareçam na inflação, sendo que ele representa quase 40% do índice. Contudo, depois que os aluguéis subiram, ele sobem cada vez menos. Deu para ver bem isso em Miami. Os aluguéis deram um salto, mas os novos contratos possuem reajustes marginais, o que entra na inflação de uma forma benigna, jogando ela, estruturalmente, para baixo.

O que tem sido mais difícil é a parte de serviço, essa sim muito mais resiliente e muito menos dependente de taxa de juros, pois você não financia uma massagem, um corte de cabelo ou paga seu contador em 10 vezes.

Como os juros têm cada vez menos influência na economia, do ponto de vista de consumo, isso explica um pouco, junto com os dados de housing, a resiliência da inflação e a sua demora em ir embora.

Na sua opinião, a desvalorização do real frente ao dólar está relacionada a fatores internos da economia brasileira ou está havendo um processo de valorização do dólar frente as demais moedas?

De fato, o dólar vem subindo frente as outras moedas do mundo, mas a questão é a magnitude disso. O dólar se valorizou contra moedas como o euro e a libra. Na média, ele se valorizou 3% no ano, mas contra o real, o dólar deu um salto. O real é uma das moedas de pior performance no ano. Só recentemente o iene japonês passou a ficar junto com o real em termos de desvalorização. Mesmo no ranking das piores moedas, o real ficou entre as piores. O fator externo ajuda a explicar um pouco a valorização do dólar frente ao real, mas grande parte dessa explicação se deve a fatores internos.

O diferencial de juros diminuiu. Enquanto a Selic caiu, os Fed Fund ficaram parados em 5,5%, o que faz com que os juros no Brasil não sejam tão maiores quanto nos Estados Unidos, especialmente quando se considera a inflação na conta. Além disso, nós temos a intervenção estatal, como o dividendo da Petrobras, a carta renúncia do Penido na Vale, o governo estudando botar o Mantega e todo dia alguém criticando o Roberto Campos. Isso não ajudou em nada e catalisou a história do superávit que virou déficit na LDO de 2025, o que fez com que o risco fiscal voltasse à tona e a pesar sobre a moeda. 

A relativização do arcabouço fiscal e a revisão da LDO não pegaram bem, só que ao invés do governo adotar uma postura de aumentar a arrecadação, mas também diminuir gasto para fazer com que o arcabouço fosse cada vez mais crível, o que teria ajudado muito o real, isso não aconteceu. A postura foi exatamente o contrário.

O mercado não opera presidente. Ele reflete expectativas e reage a incentivos. Os juros, a bolsa e o dólar são um termômetro. Você pode olhá-lo, ver que há uma febre e decidir tratá-la, mas você também pode dizer que ele está errado, pois está quebrado. O governo adotou essa abordagem, o que é perigoso, e como reflexo o dólar foi sentindo.

Recentemente, fizeram uma reportagem sobre as falas do Lula que acabaram incentivando a alta do dólar. Foi uma atrás da outra, sendo todas elas numa linha muito ruim: aumento de arrecadação e queda de juros. A culpa não é de se gastar. O governo vai arrecadar mais, e depois que o Roberto Campos sair do Banco Central, os juros vão cair e vai estar tudo resolvido. Não, o mercado não compra isso, o que acabou sendo refletido na moeda. É por isso que os fatores internos explicam essa alta do dólar.

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