A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado realizou na quarta-feira audiência pública sobre o PL 2.524/2022, que cria um marco regulatório sobre a economia circular do plástico. O debate foi conduzido pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que destacou o papel da CAS para que o projeto inclua as cooperativas de catadores no pagamento por serviços ambientais (PSA), assim como em ações visando diminuir a poluição, especialmente nos oceanos. Na CAS, o projeto já tem o parecer pela aprovação, feito por Zenaide Maia (PSD-RN). A senadora defendeu que o PL 2.524/2022 é relevante no combate à poluição oceânica, mas também para as águas continentais, em ambientes terrestres e até no corpo humano.
“Vimos aqui na apresentação do Ítalo Braga (biólogo da USP) a poluição pela ingestão involuntária de microplásticos que já atinge até o corpo humano, cada vez mais contaminado por microplásticos ingeridos com água e alimentos. Também vimos na apresentação da Nathalie Gil (da ONG Sea Shepherd) os dados do Fórum Econômico Mundial, apontando que em 2050 haverá mais plástico do que peixes nos oceanos”, alertou a senadora.
Alguns dos participantes do debate, especialmente os ligados à cadeia produtiva do plástico, defenderam mais investimentos na reciclagem, como uma forma positiva de diminuir o impacto ambiental sem causar abalos na geração de empregos e renda. Zenaide concordou quanto à importância da reciclagem, mas reforçou que ela sozinha “não dá conta da produção de resíduos, que cresce exponencialmente”. Para a senadora, especialmente no que tange aos plásticos de uso único, são necessárias ações visando à não geração e a redução, já previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei 12.305).
“O PL 2.524/2022 segue a tendência internacional de diminuir o uso de plásticos. A União Europeia já determinou regras de banimento ou de grandes restrições ao plástico de uso único. E o Congresso do Chile proibiu o comércio e uso de embalagens de plástico descartável e não biodegradável”, lembrou.
Em linhas gerais o projeto propõe o banimento, em um ano, de produtos plásticos de uso único e proíbe, após sete anos, o uso de embalagens plásticas que não sejam retornáveis.
Ítalo Braga alertou que a ciência já estuda correlações entre a presença maciça de microplásticos, hoje encontrada facilmente em órgãos humanos como o coração e o fígado (além de no sangue, placenta e até no leite materno), e seu potencial no surgimento de tumores e inflamações. O biólogo também falou sobre a opção da União Europeia de banir, nos próximos anos, o plástico para utensílios de uso único.
Lara Iwanicki, da ONG Oceana, apresentou levantamentos da Fundação Ellen MacArthur, apontando que o fortalecimento da economia circular do plástico tem o potencial de criar cerca de 700 mil empregos no Brasil até 2040. O mesmo estudo projeta que a substituição de 20% das embalagens de uso único por alternativas reutilizáveis pode gerar R$ 50 bilhões em novos negócios.
Lucas Ramalho, do Ministério do Desenvolvimento (MDS), e Adalberto Felício, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), defenderam que o PL 2.524/2022 está dentro da visão do governo, de incentivar uma neoindustrialização com viés descarbonizante da economia. Mas Ramalho acrescentou que o Senado também precisa estar atento a aspectos transitórios nesta neoindustrialização, especialmente em relação a impactos no curto e médio prazo na cadeia empregatícia da indústria do plástico.
André Passos, da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), disse que esse setor gera 2 milhões de empregos diretos e indiretos, o que torna o Brasil a sexta maior indústria química de todo o mundo. O setor é responsável por 12% do PIB industrial, e gera R$ 30 bilhões por ano na arrecadação de tributos.
Devido à robustez do setor, a Abiquim entende que o PL 2.524/2022 representa uma “medida radical” de banimento de plásticos, sem uma “análise mais aprofundada” quanto a seus impactos econômicos, sociais e ambientais, especialmente os impactos na geração de empregos e renda. Passos entende que o texto, da forma como está, pode inviabilizar a produção de diversos químicos, afetando cadeias produtivas inteiras.
“Quando você bane o polietileno, fica inviabilizada a produção de outros químicos também. Fica inviabilizada uma cadeia produtiva integrada inteira, afetando os mercados de detergentes, cosméticos, PVC e saneamento, por exemplo”, detalhou.
Passos também teme que o projeto pode, em vez de incentivar a neoindustrialização, aprofundar a desindustrialização do Brasil. Ele acredita que as medidas “radicais” do projeto podem aumentar a importação de bens industriais, prejudicando a balança comercial. O representante da Abiquim defendeu que o PL 2.524 é muito mais uma medida de “banimento” de plásticos do que de incentivo à economia circular.
Como resposta, Passos disse que a Abiquim tem atuado politicamente na tramitação do PL 1.874/2022, que define um marco regulatório para a economia circular como um todo no Brasil, “com prazos mais exequíveis” para a indústria.
Outro que apresentou uma visão crítica da proposição foi Wanderlei Coelho, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“Divergimos porque prevê medidas drásticas de banimento de materiais, sem apresentar uma análise do impacto regulatório relacionada à disponibilidade de materiais alternativos. Também acreditamos que a proposta não vê adequadamente os impactos ambientais associados ao ciclo de vida dos materiais substitutos, e os impactos econômicos na cadeia produtiva”, alertou.
Coelho disse que a CNI defende a “gestão responsável” do plástico, não o banimento de cadeias produtivas em pleno funcionamento. A CNI entende inclusive que essa “gestão responsável” na circularidade sustentável da indústria pode incrementar a infraestrutura brasileira, e manter a geração de empregos e renda nesse setor.
O advogado Fabrício Soler, especialista em direito ambiental, também criticou o PL 2.524/2022.
“O banimento e a criminalização da produção parecem medidas extremas num cenário de proteção constitucional à livre iniciativa. É importante o Brasil acompanhar os debates sobre o Tratado Global dos Plásticos e fomentar uma transição justa, equitativa e inclusiva, pensando também nos catadores e cooperativas”, defendeu.
Soler também entende que o Estado brasileiro, nas esferas federal, estadual e municipal, defina mecanismos de “licitações sustentáveis”, incentivando a aquisição de produtos e serviços favorecendo a economia circular. Para ele, incentivos como esse favorecem a transição para uma economia de menor impacto ambiental e a neoindustrialização, sem prejudicar estruturalmente a indústria estabelecida.
Agência Senado
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