‘Educação financeira é liberdade de escolha’

Segundo Mila Gaudencio, cada pessoa precisa conversar com a sua versão futura, e não apenas com a sua versão presente, para se planejar financeiramente.

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Mila Gaudencio (foto divulgação will bank)
Mila Gaudencio (foto divulgação will bank)

Conversamos com Mila Gaudencio, educadora financeira e economista parceira do will bank, sobre o seu trabalho voltado para educação financeira.

Como educadora financeira, qual o seu público-alvo e como você tem percebido a sua resposta ao seu trabalho?

O meu público alvo são as pessoas negras. Com relação à resposta, recentemente eu escutei de uma mentorada que “estratégia de rosado não serve para corado”.  Eu vejo que essa resposta está sendo de identificação, pois eu não utilizo regras prontas como “invista 30%”. Eu parto de um ponto de vista histórico para entender a relação da pessoa com o dinheiro, olhando muito para a questão ancestral e para os dados históricos de como as pessoas negras foram inseridas na economia, pois antes nós éramos a mercadoria, o produto que era vendido.

Nós também podemos falar bastante de pertencimento. Pegando como referência o estudo sobre Dismorfia Financeira feito pelo will bank e tendo como base a pauta de pertencimento ou de um padrão que foi criado por pessoas que já tinham dinheiro, isso nos coloca em dois lugares: ou se gasta para pertencer, com a pessoa querendo alcançar um padrão que não foi criado por alguém como ela, ou se diminui para caber, com a pessoa indo a um determinado lugar que não pode ser frequentado pelas pessoas com as quais ela convive. Nesse caso, ou essa pessoa paga para que todos possam ir a esse lugar ou ela vai num lugar mais simples para continuar fazendo parte do seu grupo de pertencimento.

Como você faz para alcançar o seu público?

Eu alcanço o meu público através das redes sociais, principalmente o Instagram. Eu também sou parceira de um instituto e tenho uma academia de educação financeira através da qual tenho ajudado jovens que estão entrando no mercado de trabalho. Quando eu faço esse trabalho, eu sinto que estou falando na hora certa, pois esses jovens vão começar a lidar com dinheiro.

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O seu trabalho extrapola o seu público?

Extrapola. Por mais que o meu público seja formado por pessoas negras, muitas pessoas se identificam com o que eu falo, pois eu não estou ditando regras. Como eu parto do ponto de vista de comportamento, eu busco entender a história da relação da pessoa com o dinheiro.

Por exemplo, o estudo de Dismorfia indicou que 7 de cada 10 brasileiros não descrevem a sua relação com o dinheiro de forma positiva. Assim, a primeira coisa que eu faço é perguntar sobre a história da pessoa com o dinheiro. O que elas aprenderam com ele? Se elas viam seus pais brigarem por causa de dinheiro? O que isso gerou nelas? Isso é importante, pois nós aprendemos pelo exemplo.

Na medida em que eu falo sobre isso, eu acabo gerando identificação com outros públicos. Isso faz com que além do meu público alvo, eu alcance pessoas aliadas não negras e antirracistas. 

Quando você decidiu trabalhar com educação financeira e como você desenvolveu a sua abordagem?

Eu sou economista de formação e sempre trabalhei no corporativo. Para entrar na faculdade, eu fui bolsista do cursinho de vestibular da Educafro, que também foi responsável por me dar a minha educação antirrascista e de letramento racial. Como a Educafro funcionava com núcleos pré-vestibulares, depois dela eu fundei o meu núcleo pré-vestibular e passei a dar aulas em outros cursinhos para que outras pessoas negras e pobres pudessem entrar na faculdade.

Em 2018, com o resultado da eleição presidencial, eu comecei a me questionar, pois vi muitos posicionamentos racistas e que me chocavam como pessoa. Como eu era uma jovem ativista e o que estava sendo posto me angustiava, eu comecei a me perguntar sobre o que eu estava fazendo. Neste ano e no ano seguinte, 2019, eu fui trabalhando um pouco mais essa questão e fiz a minha transição de carreira em 2020, por coincidência, o ano da pandemia, tendo claro que eu queria criar o meu movimento.

A educação financeira, que para mim é liberdade de escolha, veio por causa da minha formação em economia, meu trato com dinheiro, minha organização para alcançar minhas conquistas e por já fazer alguns investimentos. Inclusive, os meus pais falavam sobre a forma como eu lidava bem com o dinheiro.

Outro ponto é que como eu trabalhava na área de estratégia, eu falo de educação financeira e de gestão estratégica de negócios, o que me faz conversar bastante com profissionais autônomos e liberais. 

Como você tem percebido a aplicação do seu trabalho pelo seu público?

Eu tenho alguns cases nos quais eu vejo que as pessoas pegaram o espírito do trabalho, que saíram das dívidas para montarem suas reservas. O que é importante é que a pessoa converse com as suas versões, com o seu presente, o seu passado e o seu futuro.

Ao invés de dizer para a pessoa “invista 30% e use 70%”, eu analiso a sua parte comportamental e os seus números. Com isso, nós analisamos quanto ela tem de dívida, quanto ela paga pelo hoje, quanto ela investe para o seu futuro e montamos um gráfico. A dívida faz com que o hoje da pessoa viva no passado, e com relação ao futuro, normalmente esse percentual é baixo. Quando se liga o comportamento com a parte numérica, eu vejo que as pessoas que aplicam esse entendimento alcançam bons resultados.

A pesquisa de Dismorfia trouxe a informação de que 79% das pessoas têm a tendência de consumir hoje muitas coisas que elas não puderam consumir no passado. Como nós olhamos muito para isso, eu peço para que as pessoas façam uma lista do que elas querem para que possamos descobrir o que é para cobrir um vazio e o que realmente se quer.

Quando a pessoa tem um relacionamento mais próximo, através de um curso ou de uma mentoria, eu consigo visualizar uma aplicação mais palpável, mas é muito mais difícil a aplicabilidade quando as pessoas compram o login e a senha de um curso gravado. Se considerarmos um universo de 100%, 20% assistem às aulas e aplicam o conteúdo.

No Brasil, se a pessoa consegue pagar uma prestação, não importando o que esteja embutido nela, está ótimo. Quais são os principais desafios para que o brasileiro, como sociedade, avance em termos de educação financeira?

Eu acredito que seja muito mais uma questão comportamental e de imediatismo. As pessoas assumem uma parcela, pois elas querem para hoje. A pessoa quer um carro, mas ela quer para hoje, e não para amanhã. Ela assume uma parcela, mas já fica com o bem. As pessoas não têm paciência para fazer um planejamento e esperar.

Eu gosto de fazer uma analogia com o filme do Jim Carrey, Eu, Eu Mesmo & Irene, onde o Eu representa o meu eu passado, o Eu Mesmo o meu eu presente, e a Irene o meu eu futuro. Como a Irene de uma pessoa é uma desconhecida para ela, por que essa pessoa vai se planejar para comprar um carro para uma versão dela que ela nem conhece, já que o eu que ela conhece é a sua versão de hoje? É preciso que cada um converse com a sua Irene.

Temos também a questão do ensino básico. Educação financeira e empreendedorismo, mesmo que a pessoa não queria empreender, são temas que deveriam ser dados na escola. Quando eu falo de educação de base, eu não falo apenas de escola, mas também de família e de comunidade.

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