Educação no campo

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Uma educação que respeite diferenças regionais, étnicas e sociais, porém comprometida em garantir iguais oportunidades de crescimento pessoal e profissional a todos. Desde que a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino, toda calcada sobre este ideal, foi promulgada em 1996, educadores têm discutido de que forma trabalhar a realidade dos muitos “brasis”, particularmente aquele Brasil rural que, a despeito das estatísticas oficiais, mal situamos no mapa e é habitado por indivíduos cujos interesses a maioria de nós, “urbanóides”, desconhece, presos que permanecemos ao velho conceito de que desenvolvimento e acesso universal a bens e serviços – inclusive educação – são possíveis somente em aglomerados urbanos. Por mais que os fatos afirmem o contrário.
Temos, portanto, três problemas a considerar. Um é a precariedade da rede de ensino em áreas declaradamente rurais: ausência de recursos didáticos adequados, professores leigos, escolas distantes e, por este motivo, falta de integração entre professores e famílias de alunos. Outro diz respeito às expectativas da cliente: nas escolas do interior, crianças e jovens são estimulados a valorizar seu espaço e estilo de vida, ou são levados a crer que só encontrarão chances de evoluir se deixarem para trás sua terra e, talvez, seus sonhos? A escola os ajuda a lutar por eles? Ou limita-se a fornecer uma educação rudimentar, como nos tempos em que as famílias respiravam aliviadas quando despachavam um filho para “estudar na capital”? Finalmente, o terceiro problema: definir nossas áreas rurais.
É conveniente não nos basearmos unicamente nos resultados do Censo 2000, divulgado pelo IBGE, segundo o qual 18% dos 170 milhões de brasileiros residem no Brasil rural. Os dados estão, sim, corretos. A questão é que se baseiam em um decreto de Getúlio Vargas (Decreto-lei 311, de 1938) que convencionou como urbana qualquer sede de município ou distrito, independente do número de habitantes, vocação econômica e densidade demográfica.
Já a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estabelece o limite de 150 habitantes por quilômetro quadrado para determinar o que é urbano: essencialmente rural seria a cidade onde 50% residem em locais com densidade inferior a este número; quando o percentual varia entre 15% e 50%, ela seria relativamente rural; e urbana, se 85% residem em locais com densidade superior. Por este critério, 43% dos brasileiros vivem no campo.
A polêmica é séria, pois estatísticas servem como base na elaboração de políticas públicas. Logo, embora tenha havido um processo de urbanização acelerado na segunda metade do século XX, estimulado pela industrialização, mecanização da agricultura e demais fatores que propiciaram a migração para as capitais, o Brasil é menos urbano do que parece. O que é bom. Significa que ainda há tempo de apostar em um crescimento equilibrado, voltado para o uso controlado dos recursos naturais, para o estímulo às vocações locais e incentivo à formação de recursos humanos in loco.
Os brasileiros, ao que tudo indica, desiludidos e cansados das conseqüências do agigantamento desordenado das grandes cidades, têm feito sua aposta nesse sentido. O aumento populacional entre 1991 e 2000 foi de 22,7 milhões de pessoas: 17,5 milhões no interior e somente 5,2 milhões nas capitais. Cinquenta e oito por cento das cidades de médio porte tiveram crescimento de dois % ao ano, enquanto nas metrópoles a taxa foi bem inferior: em São Paulo, 0,85 %; Rio de Janeiro, 0,73 %; Belo Horizonte, 1,13 %. Êxodo urbano?
O ensino superior também reflete inversão da demanda. O último censo escolar, divulgado pelo Inep em 2001, revelou que a quantidade de estudante sem instituições fora das capitais cresceu 16 % (nas capitais, 11 %). Cinqüenta e quatro por cento (1,443 milhão) dos alunos da graduação estão no interior. No Sudeste, esta taxa é de 58 % e, no Sul, chega a 73 %. Porque as IES que os atendem não se comprometem com a evolução da educação básica em suas regiões?
Parcerias são fundamentais. A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação já se pronunciou sobre as diretrizes para a educação no campo e as observações podem ser estendidas às áreas pretensamente urbanas, mas visivelmente rurais. A conclusão é de que educadores e comunidades são os responsáveis maiores pela construção da identidade de cada escola, através de sua vinculação à cultura e modus vivendi dos habitantes, aos movimentos sociais e à rede ciência e tecnologia disponível.
A prioridade é a formação do indivíduo para o exercício da cidadania e para o trabalho – sem promover uma idealização do distante mercado das metrópoles, e sim auxiliando o estudante a identificar oportunidades a sua volta, seja na agricultura ou pecuária, no turismo, na incipiente indústria local, em cooperativas, etc. Ele deve se tornar capaz de lidar com, e gerir as mudanças que ocorrem em seu meio. O desenvolvimento ecologicamente sustentável, a abordagem solidária e coletiva dos problemas locais e a autonomia dos estabelecimentos de ensino também são priorizadas. O currículo deve ser trabalhado pelos professores levando em conta os desafios do Brasil rural. E são muitos.
No que se refere à educação, trata-se, em primeiro lugar, de tirar a rede de ensino de um buraco, no qual foi parar empurrada pela idéia de que, para quem lida com a terra, as primeiras letras bastam. Por isso, embora a taxa de alfabetização nas áreas rurais tenha se elevado de 59,9% para 72,4 % na última década, é preciso investir na elevação da escolaridade. Não porque educação resulte, automaticamente, em desenvolvimento econômico e social, que evidentemente depende de outros fatores. Mas porque, sem ela, não há desenvolvimento que se auto-sustente.

Magno de Aguiar Maranhão
Presidente da Associação Nacional dos Centros Universitários (Anaceu) e conselheiro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro.

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