Eldorado dos Carajás, 28 anos: MST faz ato ecumênico no local

Data lembra o massacre 21 sem-terra, em 17 de abril de 1996; em SP, sessão solene na Assembleia Legislativa celebrou 40 anos do movimento

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Monumento reforma agrária (Foto: Wellington Lenon/MST-PR)
Monumento reforma agrária (Foto: Wellington Lenon/MST-PR)

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como em todos os anos há quase três décadas, transforma a semana do dia 17 de abril em marco na luta pela reforma agrária. A data lembra o assassinato de 21 trabalhadores rurais, em 1996, na chamada Curva do S, como ficou conhecido o trecho da rodovia PA-150, no município de Eldorado dos Carajás, no Pará, em que policiais militares armaram uma emboscada e atiraram contra um grupo do movimento que seguia em marcha até a capital Belém.

O local transformou-se em memorial em homenagem aos mártires do movimento, ponto de encontro anual para atividades do MST, que já sediou um acampamento pedagógico da juventude, e este ano promove ato político e religioso em defesa de uma reforma agrária que promova a agricultura familiar sustentável.

“Em um processo de cura coletiva, a curva do S, que ficou marcada pela violência, se transformou também em símbolo de resistência, tornando-se campo sagrado de onde as vozes silenciadas dão o grito. O grito pela terra, pela vida, pela natureza, pelos seres humanos. E neste espírito, convocamos para nos reunirmos entre as castanheiras para um ato de semeadura dos dias de abundância e felicidade que construiremos”, diz o movimento, em nota.

Na atual jornada de luta pela reforma agrária, chamada de Abril Vermelho, o MST informou ter realizado, até o momento, 30 ações diversas em 14 estados do país, mobilizando mais de 20 mil famílias sem terra. Desse total, foram 24 ocupações de terra em 11 estados. O movimento, que completa 40 anos de fundação, denuncia a existência de 105 mil famílias acampadas às margens de rodovias em todo o país aguardando um pedaço de terra.

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“As ocupações de terra enfatizam a importância da reforma agrária como alternativa urgente e necessária para a produção de alimentos saudáveis no Brasil, tendo como foco a erradicação da fome no campo e na cidade, garantindo o desenvolvimento do país, no contexto agrário, social, econômico e político. Vale destacar que estamos em uma conjuntura em que o orçamento voltado para a obtenção de terra e direitos básicos no campo, como infraestrutura, crédito para produção, moradia, entre outros, é por dois anos consecutivos, o menor dos últimos 20 anos”, diz o movimento.

Na última segunda-feira, o Governo Federal anunciou nova estratégia para a destinação de terras destinadas à reforma agrária no país. O programa Terra da Gente, regulamentado em decreto assinado pelo presidente Lula, sistematiza alternativas legais de obtenção de terras para a reforma agrária, além das formas tradicionais, como a desapropriação de áreas improdutivas e a regularização de terras públicas. O objetivo é incluir 295 mil novas famílias no programa nacional de reforma agrária até 2026. Além da desapropriação de terras, cujos processos podem levar anos, a medida permitirá a transferência de áreas rurais de grandes devedores da União e a possibilidade de negociação com bancos, empresas públicas e governos estaduais para a aquisição de terras em troca do abatimento de dívidas ou permutas, em procedimentos mais ágeis e sem conflito judicial.

O governo também destacou a recomposição do orçamento para a desapropriação de terras este ano, com recursos de R$ 520 milhões, o maior dos últimos anos, mas inferior às dotações de gestões anteriores.

Na segunda-feira, sessão solene no Plenário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, celebrou os 40 anos do MST. A mobilização social surgida em 1984 com o objetivo de realizar a reforma agrária e fortalecer a agricultura familiar no Brasil segue com seus ideais, mas também passa por transformações que a tornaram um segmento organizado que levanta as bandeiras da produção de alimentos agroecológicos, cooperativas de trabalho e uso da terra de forma sustentável. O evento, que contou com a presença de assentados e lideranças sociais e políticas, foi proposto pelo deputado Simão Pedro (PT), com a adesão de outros 23 parlamentares, do próprio PT, PSoL e PCdoB.

Em sua história até aqui, mais de 400 mil famílias ligadas ao MST já foram assentadas e garantiram um pedaço de chão para produzir. Um exemplo da atuação do movimento nos dias de hoje pode ser notado pelo fato de seus membros responderem, há mais de dez anos, pela maior produção de arroz orgânico da América Latina. Foram colhidas cerca de 16 mil toneladas na safra 2022/2023, em uma área de 3,2 mil hectares no Rio Grande do Sul. A produção, que envolve 352 famílias em sete cooperativas, ocorreu em 22 assentamentos localizados em nove municípios gaúchos. As principais variedades plantadas são de arroz agulhinha e cateto. As informações são do Instituto Riograndense de Arroz (Irga).

Já em Rondônia, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Paraná cinco mil famílias, distribuídas em 120 territórios, produzem café. No extremo Sul baiano existe a tradição na produção de chocolate, que vai desde o plantio do cacau. Em paralelo, nas regiões Sul e Sudeste do País vivem 5,5 mil famílias assentadas do MST produtoras de leite. A fabricação de queijo, manteiga, requeijão e iogurte é possível graças aos 37 milhões de litros de leite obtidos por mês, gerando alimento para três milhões de pessoas. Além disso, são produzidos em diversos outros municípios brasileiros feijão, farinha, batata, mandioca, tomate, cenoura, legumes, verduras e açúcar.

O deputado proponente da homenagem lembrou que é preciso encarar o MST com um olhar mais positivo, como um movimento que pode impulsionar a produção de alimentos, gerar empregos e uma nova visão do uso da terra. “A nossa homenagem ao MST é por tudo que ele já produziu de coisas boas para o País, principalmente para a população mais pobre. São 400 mil famílias assentadas, pessoas que recuperaram a sua dignidade e estão trabalhando”, apontou Simão Pedro. “Esse é um reconhecimento do Legislativo Paulista a esse movimento que é muito estigmatizado e envolto em preconceito. Precisamos apoiá-lo porque é uma luta justa para mudar a estrutura fundiária deste país; para que mais pessoas possam trabalhar na terra e produzir alimentos, que é o que nós precisamos”, acrescentou o parlamentar.

Simão Pedro apontou ainda que a Alesp é uma caixa de ressonância da sociedade, que realiza debates sobre os interesses da indústria, do grande agronegócio, sobre Educação, Saúde e funcionalismo público, por exemplo. “Mas também há espaço para os trabalhadores assentados e para a luta do pequeno agricultor. As pautas da reforma agrária, da produção de alimentos e do trabalho rural são importantes para o povo de São Paulo”, concluiu ele.

O colega Paulo Fiorillo (PT) comentou sobre o papel do MST daqui para frente. “O MST representa o avanço da luta pela reforma agrária, algo importante que significa dividir terras ociosas que podem se transformar em áreas produtivas. Esse legado tem de ser reconhecido. O MST do século 21 é aquele que se preocupa com as mudanças climáticas, pensa em incluir de fato aqueles que querem produzir no campo. Mas também é aquele que disputa mercado com uma qualidade superior à do agronegócio”, disse ele.

Já para o deputado Guilherme Cortez (PSoL), valorizar a atuação do MST é reparar uma injustiça histórica de má distribuição da terra. “É muito importante a gente entender que, desde o período da colonização do Brasil, a distribuição das terras é marcada por uma profunda desigualdade. É por isso que surge o MST. Lutar pela reforma agrária nada mais é do que agir por uma redistribuição justa das terras em nosso País, para dar a possibilidade de todos que morem no campo e queiram produzir tenham acesso ao seu espaço”, destacou o parlamentar, também levantando a necessidade de um olhar diferenciado ao movimento por parte da sociedade.

“Muito ao contrário do que se fala, de que o MST é um movimento ilegal ou terrorista, ele luta por um preceito básico da nossa Constituição, que é o de respeitar a função social da terra. Ela existe para produzir alimento para a população. Hoje, o MST, muito além de sua luta histórica pela reforma agrária, atua pela agroecologia. Nesse momento em que vivemos uma crise emergente na área ambiental por conta das mudanças climáticas, o movimento pauta a necessidade de fazermos uma transição ecológica, com uma produção sustentável. Então, o MST hoje também luta por um modelo de produção no campo que seja ambientalmente equilibrado”, completou Cortez.

Com informações da Agência Brasil e da Alesp

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