Só 3% do Programa de Gestão de Risco a Desastres foi destinado a obras de prevenção

Dados do Greenpeace avaliam período de 10 ano; já relatório da Alerj mostra que 82% dos municípios do Estado do Rio não têm plano de contingência

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Enchente em cidade no Rio Grande do Sul
Enchente em cidade no Rio Grande do Sul (Foto: Marinha do Brasil)

Levantamento do Greenpeace Brasil sobre a destinação do orçamento na Lei Orçamentária Anual (LOA) ao Programa de Gestão de Risco e Desastres mostra que o Brasil planejou, dentre as ações de prevenção nos últimos 10 anos (de 2015 a 2025), em média, apenas 3,28% do orçamento federal para obras para redução e mitigação de desastres, enquanto que, para ações de defesa civil, que contempla também resposta e emergência, a destinação foi de 37%.

O levantamento do Greenpeace traz outros dados preocupantes sobre as ações de prevenção que foram destinados pela LOA nos últimos 10 anos, como: somente 2,1% em média do valor alocado foi para ações de monitoramento, sistemas de alertas e informações sobre riscos de desastres; apenas 8,4% do orçamento federal foi destinado para obras de contenção de encostas em áreas urbanas; 25% foi para sistemas de drenagem urbana e manejo de águas pluviais em municípios sujeitos a eventos recorrentes de inundações, enxurradas e alagamentos; e 6,67% para estudos, projetos e obras para contenção de cheias e inundações.

“A postura histórica do poder público brasileiro em relação às ações de prevenção a desastres climáticos revela negligência do Governo Federal, estados e municípios resultando anualmente em tragédias que poderiam ser mitigadas ou mortes que poderiam ter sido evitadas. Precisamos imediatamente reverter essa lógica de atuar somente no momento da tragédia para garantir à população brasileira a segurança da vida frente aos eventos climáticos e meteorológicos. Para isso, além de aumentar o orçamento para prevenção e mitigação, é necessário estabelecer prioridades para as áreas de risco, comunidades, aldeias e favelas do Brasil. Também precisamos que as despesas primárias tenham compromisso com o enfrentamento ao racismo ambiental e promoção de justiça climática”, afirma o porta-voz de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, Rodrigo Jesus.

O Congresso Nacional se prepara para discutir o texto do projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025, para transformá-lo em lei após a sanção do Presidente Lula. Segundo a proposta enviada ao Congresso, o Governo Federal destinou o valor total de R$1.724.515.503 ao Programa 2318 Gestão de Risco a Desastres (PLOA 2025), que tem como objetivo reduzir os riscos de desastres e ampliar a capacidade e tempestividade de resposta e reconstrução pós-desastre. O valor deste ano é cerca de R$200 milhões inferior ao destinado no ano passado (R$1.905.414.105).

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O Greenpeace Brasil analisou onde houve os cortes orçamentários em 2025, em relação ao ano passado, e identificou que, mais uma vez, uma das áreas com os maiores cortes foi, dentre as ações de prevenção a destinada a obras para redução de desastres que foi de 76,7%.

Também sofreram cortes na LOA 2025, em comparação ao ano passado, as seguintes áreas: obras de contenção de encostas em áreas urbanas: redução de 20,6%; realização de estudos, projetos e obras para contenção de cheias e inundações e contenção da erosão marinha e fluvial: redução de 86,3% (mas é preciso pontuar que, em 2024, o orçamento para essas ações foi o maior desde 2016); Aperfeiçoamento das Ações do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres – CENAD: redução de 2,8%.

Já ações que tiveram aumento dos seus orçamentos em 2025 em comparação à 2024 foram: ações de Defesa Civil: aumento de 9,81%; monitoramento, informações e alertas de desastres: aumento de 47,7%; mapeamento geológico-geotécnico municípios críticos (deslizamento terra): aumento de 108,8% drenagem urbana e manejo de águas pluviais, inundações, enxurradas e alagamentos: aumento de 13,5%.

“O orçamento público é um elemento fundamental para que a implementação de políticas públicas aconteça. A LOA de 2025 precisa ter compromisso e responsabilidade social com as famílias brasileiras que estão em áreas de risco. Mesmo diante de casos recentes, como as enchentes do Rio Grande do Sul no ano passado, o governo brasileiro, em todas as esferas, ainda aposta na redução das obras e ações de prevenção. Também precisamos que o Congresso brasileiro vote para aprovação de recursos que garantam mais proteção e segurança prévia para as populações pretas, periféricas, indígenas e de comunidades tradicionais que estão sendo as mais impactadas”, alerta Jesus.

Dentro da série histórica analisada, também é possível observar variações drásticas no orçamento para apoio a obras de prevenção e mitigação a desastres: enquanto em 2015 o orçamento era de R$162 milhões (9,45%), em 2018 saltou para R$214 milhões (32,8%), mas em 2019, quando Bolsonaro assumiu a presidência, esse valor despencou para R$2 milhões (0,22%). Porém, naquele mesmo ano, houve alocação de 843 milhões, o equivalente a 91,5% do orçamento total do programa de gestão de risco a desastres em 2019, para ações de defesa civil, como socorro e resposta emergencial.

Sobre a destinação de despesas fixas, o Governo Dilma (2015) e do Governo Lula (2023-2025) foram os que mais destinaram verba para o programa 2040 e 2318 – Gestão de Risco a Desastre, considerando o orçamento das despesas total fixada no Orçamento Fiscal e da Seguridade Social. Em 2015, cerca de 0,06%, e em 2024, 0,04% do orçamento total da LOA foi destinado ao programa, enquanto que na gestão Bolsonaro, a relação percentual ficou entre 0,01% e 0,02%.

As gestões de Lula e Dilma mantiveram continuamente o orçamento total acima de R$150 milhões para as obras de contenção de encostas em áreas urbanas, o dobro quando comparado aos governos de Michel Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-2022), quando os valores não eram superiores a R$70 milhões, com exceção do ano de 2016. E em 2025, apenas 0,03% está sendo destinado.

“Em um país onde mais de 8 milhões de pessoas moram em áreas de risco geo-hidrológico, ou seja, suscetíveis a inundações, enxurradas, alagamentos e deslizamentos de terra, a ação do poder público ainda não foi suficiente para diminuir as desigualdades sociais e a injustiça ambiental. Com o agravamento da crise climática no Brasil, é urgente que as ações previstas no orçamento federal cheguem aos bairros, endereços e ruas de quem mais sofre historicamente com os eventos climatológicos e meteorológicos”, alerta Jesus.

De acordo com a Plataforma AdaptaBrasil, 80% dos 5.570 municípios brasileiros, ou seja, 4.460 municípios, não têm capacidade para agir na prevenção e na resposta que poderiam proteger a população das consequências dos eventos extremos; mais de 55% desses municípios têm uma população em alta ou muito alta vulnerabilidade a desastres; 80% deles não possuem sistemas de alerta antecipado, fundamentais para que os tomadores de decisão se antecipem e ajam para proteger a população.

No Rio, relatório da Frente da Alerj de Prevenção à Tragédias Naturais e em Defesa da Moradia Digna mostra que 82% dos municípios do estado não possuem plano de contingência, apontando para uma fragilidade na gestão de riscos em meio às mudanças climáticas.

O documento elaborado pela Frente, que é coordenada pelo deputado Yuri Moura (PSoL), revela que apenas 17 dos 92 municípios do estado possuem planos de contingência para o período de chuvas; as demais cidades estão desprotegidas diante de possíveis desastres naturais.

A Frente Parlamentar tem como objetivo promover debates sobre justiça climática e moradia digna, com fundamento nos direitos sociais e constitucionais. Segundo o colegiado, o relatório evidencia a gravidade do problema em meio a um contexto de mudanças climáticas que intensificam eventos extremos como enchentes, alagamentos e deslizamentos.

A crescente urbanização, aliada à impermeabilização do solo, agrava os riscos de desastres e dificulta a gestão sustentável dos recursos hídricos. O levantamento realizado pela Frente da Alerj avaliou instrumentos fundamentais para a prevenção de tragédias, como o Plano de Contingência, o Plano Diretor, o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), os sistemas de alerta e os mecanismos de Cidade Esponja. Foram analisados dados de municípios como Petrópolis, Nova Friburgo, Campos dos Goytacazes e São Gonçalo, além do próprio estado.

“Os planos de contingência são ferramentas indispensáveis para uma resposta coordenada entre autoridades, comunidades e órgãos de defesa civil. Eles salvam vidas e reduzem danos materiais, além de permitir maior previsibilidade na alocação de recursos públicos”, comentou Yuri.Diante desse cenário, o deputado enviou ofício à Secretaria de Defesa Civil do Estado, solicitando informações e medidas urgentes para que os municípios sem planos de contingência estejam preparados para enfrentar o período de chuvas. “Não podemos aceitar que vidas continuem sendo perdidas pela ausência de ações que previnam tragédias anunciadas”, afirmou.

O relatório também ressalta a necessidade de investimentos em políticas públicas que combinem planejamento urbano inteligente, sustentabilidade e resiliência climática. A Frente enfatiza a importância de fortalecer os sistemas de Defesa Civil e garantir a execução orçamentária voltada à prevenção contra esses eventos climáticos, reforçando a urgência de ações estruturais que promovam uma gestão urbana eficiente, prevenindo tragédias e garantindo um futuro mais seguro para a população.

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