Os contratos de Venture Debt para financiamento de startups tendem a ficar mais comuns em 2023, caso a expectativa de elevação da taxa de juros pelo novo governo seja confirmada. A previsão é de que a Selic suba para 14% ou 15% nos primeiros meses do ano. Neste caso, a renda fixa ficará ainda mais atraente ao mesmo tempo que o risco das novas empresas se tornará mais alto. O debt (débito de risco) é um modelo em que os investidores emprestam dinheiro às startups em vez de comprar uma participação (equity), na empresa.
“Quando os juros estão altos, os riscos de uma startup quebrar são maiores, pois o poder de compra de seus clientes diminui e eles tendem a comprar o necessário. Por essa razão os investidores preferem alocar recursos na renda fixa que oferece risco menor e dá bom retorno. No entanto, nos contratos de débito as taxas de juros costumam ser mais atrativas do que a renda fixa no mercado tradicional. Com expectativa de ganhos ainda maiores, os investidores aceitam correr o risco investindo em startups”, comenta Igor Romeiro, fundador da Efund Investimentos.
Alguns contratos de débito já estão sendo fechados a juros que variam entre 20% e 23% ao ano. À primeira vista parece um custo muito alto, mas a vantagem é que o empreendedor se mantém como proprietário de 100% do capital da empresa. No Venture Capital tradicional, quem investe, na prática, passa a ser sócio do empreendimento.
Já para o investidor a operação de Venture Debt vale a pena porque sua remuneração se dá por meio de uma taxa de juros fixa somada a um componente variável pago de acordo com o sucesso da startup. Curiosamente, no início do ano, a modalidade debt estava entre as de menor participação dentro do ambiente de investimentos em startups, com apenas 0,5% de share.
Um cenário de juros altos costuma beneficiar companhias que compõem a velha economia como o de commodities, energia, bancos e seguros. Sendo assim, as startups que tiverem essas grandes empresas como cliente alvo, também tendem a se beneficiar dessa alta de juros. Como em um efeito dominó, essas grandes empresas com caixa mais robusto tendem a contratar mais serviços e pessoas, e as startups que tiverem produtos para oferecer a essas companhias poderão aumentar suas receitas.
Bons fundamentos e resiliência
No que diz respeito a rodadas de investimentos, as startups que levarão vantagens são aquelas que possuem lucro na última linha da Demonstração do Resultado do Exercício (DRE). O motivo é óbvio: uma empresa lucrativa tende a gerar retorno em um menor prazo de tempo. Além disso, a boa saúde financeira é prova de que o gestor da startup tem responsabilidade com o capital dos investidores e condições de honrar compromissos como o de um contrato de débito.
Já as startups que ainda possuem a ideia de cashburn e não se preocupam com o lucro sentirão muita dificuldade para acessar o capital. Isso forçará à redução dos custos e o primeiro setor a ser impactado nesses empreendimentos será o RH. Isso porque haverá demissões que impactarão o consumo das famílias e pôr fim a economia. “Por isso é extremamente importante que empreendedores olhem para a última linha do DRE”.
Por esta razão, os investidores devem manter em 2023 um fenômeno que ganhou força em 2022, que é a busca por startups camelo em detrimento das startups unicórnio. Como se sabe, o camelo é um animal resistente, que pode viver no deserto por vários dias sem a necessidade de beber água. Da mesma forma, startups camelos são empresas resilientes, capazes de atravessar um período de crise relativamente longo, sem que isso danifique seus pilares de sustentação.
A startup unicórnio, por sua vez, é um empreendimento que pode atingir faturamento de R$ 1 bilhão em pouco espaço de tempo. A questão é que está cada vez mais difícil encontrar empresas com essas características e, entre as que são identificadas com este potencial, boa parte necessita de muito investimento, para tanto, deixando de ser atraente neste cenário de aumento de riscos.
As startups em 2022
As expectativas para 2023 estão muito ligadas ao movimento de mudança que ocorreu durante este ano, no que diz respeito ao mercado de investimentos em startups. Para começar, por causa da piora do quadro econômico, o número de deals (contratos fechados) caiu muito neste ano em relação a 2021.
Segundo a plataforma de dados Distrito, em 2021 foram investidos em startups nacionais US$ 9,4 bilhões, 166% a mais do que em 2020, volume recorde para o setor. Apesar de 2022 ainda não ter terminado, já se sabe que esse montante não se repetirá. Para efeito de comparação, ainda de acordo com a Distrito, em maio deste ano os investimentos totalizaram R$ 1,4 bilhão, sendo que no mesmo mês do ano anterior, foram R$ 3,6 bilhões.
Outro relatório, desta vez da CB Insights, uma plataforma privada para análise de negócios, mostra que o número de “deals” continua caindo desde que houve o pico no 2º Tri/21, quando os investimentos em startups brasileiras totalizaram US$ 4,8 bilhões. De lá para cá, o recuo tem sido alto. Para se ter ideia, no segundo trimestre de 2022, o valor total foi de apenas US$ 900 milhões. Coincidência ou não, essa retração começou quando a taxa Selic estava na casa dos 6%. E a queda continuou na mesma medida que o Banco Central anunciava o aumento da taxa básica de juros.
“Esses números não significam que se tornou inviável investir em startups nacionais. Apenas mostram uma tendência de movimentação por parte dos investidores considerando as decisões do Banco Central e outras de cunho governamental porque elas impactam na economia como um todo. O mercado brasileiro de startups conta com empreendimentos promissores e está em um estágio de alta maturidade. Daí a troca de modelos tradicionais de financiamento por outros até então pouco usados, como o Venture Debt”, avalia Igor Romeiro.