“Embora vários teóricos – que talvez não estejam muito ligados à vida real –

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continuem idolatrando o gigantismo, as pessoas práticas do mundo atual anseiam por lucrar de algum modo com a conveniência, a humanidade e a maneabilidade do pequeno.”
(E.F. Schumacher, 1911-1977, economista alemão)

A rápida difusão do conceito de responsabilidade corporativa no Brasil mexe com a expectativa dos cidadãos e mexe também com os seus recursos.

– Seja na manifestação de preferência pelas empresas que adotam um comportamento cidadão, seja na manifestação desta condição para disponibilizar recursos de agentes públicos para investimento a taxas subsidiadas pelo Tesouro, ou ainda na generosidade das políticas de atração de empresas executadas por municípios.

– De acordo com o Perfil dos Municípios Brasileiros, editado pelo IBGE, verificamos algumas evidências de uso de recursos públicos em favor de benefícios presumidos da atividade empresarial. Apesar de uma leve defasagem dos dados, constatamos que mais da metade das 5.506 prefeituras pesquisadas oferecem incentivos para atrair e fixar empresas, 58% do total.

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– Os incentivos oferecidos cumulativamente correspondem em 42% dos casos à doação de terras, em 37% à isenção do imposto predial e territorial urbano (IPTU), em 33% à isenção do imposto sobre serviços, mesmo percentual de outros tipos de incentivos oferecidos. O significado destes números é o da renúncia fiscal e da alienação de patrimônio público acumulado, caso das doações de terras, ou de patrimônio por vir, decorrente da renúncia ou crédito de imposto. Qual a aspiração pública que leva os municípios a abrirem mão dos seus recursos?

– Um entendimento de geração de emprego ou de receita tributária que em muitos casos não resistiria a uma análise elementar de benefício e custo social, além de casos de privilégios para grupos de afinidade política, muitas vezes causam danos ao desenvolvimento sustentável e harmonioso de muitos municípios e conseqüentemente do país.

– Os municípios precisam de referências para avaliar as suas políticas. Qual o instrumento de que dispõem os dirigentes municipais para definir o tipo de empresa que pretendem fixar? Certamente as referências devem estar expressas em algum tipo de plano diretor, estratégico, ou correlato. De novo, recorremos ao Perfil dos Municípios Brasileiros, do IBGE.

– Dos 5.506 municípios observados, 840 dispõem de um plano diretor, equivalente a apenas 15% do total. Logo, na maior parte deles, não há marcos que orientem a concessão dos incentivos, seu controle e indução do tipo de empresa que se pretende estimular, independentemente da existência de leis que autorizem. Não se duvida aqui da legalidade mas da legitimidade e do controle social.

– Na organização da sociedade civil no Brasil, um dos instrumentos de maior difusão é o dos conselhos municipais, que opinam e orientam gastos públicos em diversas áreas. Cerca de 99% dos municípios brasileiros dispõem deles na área de saúde, 91% em educação e em assistência social, 71% em defesa da criança e do adolescente e 30% em política de trabalho. Apesar de estarem longe da perfeição, os conselhos populares podem assumir um significado maior na institucionalização de soluções de interesse coletivo.

– É inequívoco que existe uma correlação entre a participação popular e democrática e o desenvolvimento. O senso comum já tinha identificado que duas cabeças pensam melhor do que uma e, na ciência econômica, alguns pesquisadores já se dedicaram ao tema. Há alguns anos, o Prêmio Nobel Amartya Sen estudou a importância da imprensa e do processo eleitoral no seu país de origem, a Índia, cotejada com outros países.

– Mais recentemente, Robert Barro e Sala-i-Martin mencionaram os canais indiretos, forma de destacar as redes de relações. Atualmente, o pesquisador brasileiro João Barbosa de Oliveira desenvolve importante estudo econométrico em que menor renda municipal e menor participação popular estão associadas.

– É urgente a conscientização do cidadão para a sua participação nas decisões que dizem respeito ao uso dos recursos que podem levar o seu município a um padrão superior de qualidade de vida. Os conselhos municipais de responsabilidade social representam uma importante possibilidade a ser instituída, tanto com a finalidade de orientar os dirigentes municipais sobre o desenvolvimento que pretendem, quanto em relação ao tipo de empresa que gostariam de fixar em seus municípios e aos recursos municipais que deveriam ser utilizados para este fim em detrimento de outros.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
Correio eletrônico: [email protected]

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