Conversamos sobre o resultado do 3T24 da Embraer com Guilherme Cambraia, analista da Trígono Capital.
Como você avalia o resultado do 3T24 divulgado pela Embraer?
Eu recebi o resultado com otimismo e fiquei bem satisfeito com as entregas até ligeiramente acima da minha expectativa. A Embraer é uma empresa que está em transformação. Na pandemia, ela passou por uma tempestade perfeita, quando quase todas as companhias aéreas deixaram as aeronaves no solo, o que gerou uma redução muito grande de demanda por aeronaves. Ao mesmo tempo, ela estava saindo de uma fusão com a Boeing que acabou não acontecendo. Isso fez com que a Embraer tivesse um cenário muito crítico entre 2019 e 2021. O que estamos vendo agora é uma recomposição de margens operacionais, trimestre a trimestre, que está fazendo com que a empresa ganhe rentabilidade.
Ao mesmo tempo, nós temos a questão dos motores. Isso porque, devido à pandemia, houve uma ruptura na cadeia de suprimentos, sendo que até hoje existe muita dificuldade para que se consiga alguns componentes para as aeronaves, principalmente os motores, que são peças críticas na montagem de um avião. Isso faz com que a falta de motores seja um grande limitante para que a Embraer possa entregar mais aeronaves no tempo em que ela gostaria. Cabe ressaltar que quando um avião é projetado, como você tem um motor desenhado para aquele projeto, não é possível buscar um substituto ou um similar no mercado, pois você tem que atender exatamente aquela especificação. A empresa ainda mostra alguma dificuldade em termos de entrega de aeronaves, tanto que ela teve uma ligeira redução do guidance para o final do ano, principalmente por causa dessa questão dos motores.
Para o 4T24, nós esperamos que esse efeito positivo do ganho de margem se repita. Em termos sazonais, como o terceiro e o quarto trimestre são mais fortes, normalmente eles são os melhores trimestres da Embraer no ano. Além disso, essa conjuntura de falta de peças está fazendo com que a entrega das aeronaves esteja se concentrando muito no segundo semestre.
O resultado do 3T24 foi um bom indício de que a Embraer está conseguindo cumprir o que ela havia prometido aos seus acionistas. Com relação à adequação no guidance, eu acho que muita gente já esperava por isso, já que isso não é culpa da companhia, e sim uma questão de mercado.
Como você entende os números da companhia?
Apesar da evolução que estamos vendo desde a pandemia, os números ainda estão aquém do potencial da Embraer. A companhia tem potencial para entregar números melhores no futuro, mas isso depende de alguns fatores. A carteira de pedidos está no seu maior valor desde 2019 e nós esperamos um contínuo avanço de margem para os próximos períodos, seja por melhores condições comerciais, por maior eficiência ou por uma maior linearidade da produção, ou seja, quando a companhia tiver menos problemas com motores e outras partes. Quando a linha de produção da fábrica ficar mais contínua, isso vai trazer um ganho operacional e de margem para a Embraer.
Entre as novas linhas da Embraer, na sua opinião, quais possuem mais potencial de geração de valor para a companhia no futuro?
Essa é uma pergunta interessante. O KC-390, da linha de defesa e segurança, é uma aeronave cujo projeto ficou pronto em 2019, sendo que o seu maior concorrente é um avião da Lockheed Martin de 1999. Ele está muito bem posicionado no mercado e foi selecionado pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) para integrar a sua lista de aeronaves que podem ser escolhidas pelos seus países-membros. Inclusive, no domingo a Suécia selecionou o C-390 para fazer parte da sua frota, assim como fizeram países como a República Tcheca, Portugal e Hungria.
Quando você tem países da OTAN se movimentando nesse sentido, isso atesta a qualidade do projeto e dá confiança para a entrada de novos pedidos no futuro. Esse é um processo lento, pois até que se selecione a aeronave e se coloque o pedido firme, muitas vezes pode-se demorar meses ou até mesmo anos, mas esse é um bom indicativo de que a Embraer tem um bom mercado para ganhar com um projeto muito atual, já que a companhia está competindo com um avião de 20 anos atrás, sendo que os dois possuem custos e usos, como missões e quantidade de carga transportada, bem parecidos.
Outra divisão que pode gerar muito valor no futuro é a divisão comercial, composta pelos jatos com até 150 passageiros. Essa é uma divisão que, apesar de estar com uma linha de produção com muitos pedidos, está com margem negativa. Quando olhamos a margem Ebit (Earnings Before Interest and Taxes) do 3T24, ela foi negativa muito pela dinâmica de vendas desses aviões na pandemia. A Embraer fez acordos de venda com diversos clientes, mas os preços acabaram ficando defasados pela alta dos insumos e por condições comerciais adversas da época, que tiveram que ser aceitas para que, muitas vezes, a empresa ganhasse o pedido. Para os próximos anos, nós esperamos uma recuperação de margem dessa divisão, o que vai contribuir muito para o consolidado da companhia no futuro.
Entre os projetos em desenvolvimento da Embraer, na sua opinião, quais possuem mais potencial de geração de valor para a companhia no futuro?
A Embraer é uma empresa que costuma sempre investir em P&D (Pesquisa & Desenvolvimento) para otimizar a frota já existente e que está comentando muito que está na época de colheita. Na visão da companhia, ela possui um portfólio muito atualizado em todas as suas divisões, seja defesa e segurança, comercial ou executiva. Hoje, o grande foco da Embraer é aproveitar esse portfólio e fazer a sua campanha de vendas, o que faz com que a fase atual não seja uma época de grandes investimentos em novos projetos.
O que vem sendo veiculado, às vezes até pela própria Embraer, é que a companhia tem estudos para produzir um avião “narrow body” (fuselagem estreita) para competir com a Boeing e a Airbus, mas isso está em uma fase inicial. Esse é um projeto para daqui alguns bons anos.
A Embraer tem também o Eve, que é um eVTOL (electric vertical take-off and landing), que muita gente fala que é um veículo voador, mas que na verdade é uma aeronave que vai melhorar a logística dos grandes centros urbanos. Por exemplo, se você estiver no Rio, você vai poder ir da Barra ao aeroporto em 10 minutos. O Eve vai ser um transporte alternativo ao helicóptero que vai proporcionar esse tipo de serviço. A Embraer já possui um protótipo que, muito provavelmente, vai fazer o voo de inauguração no próximo ano. Isso depende de algumas certificações da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e de outros órgãos competentes.
A Embraer não é a única empresa que está produzindo um eVTOL, mas nessa nova vertente, o Eve é a aeronave que tem o maior número de intenções de compra. Essas intenções não são pedidos firmes, que somente serão caracterizados após os primeiros voos e a liberação de todas as certificações, mas se fôssemos converter as 2.940 cartas de intenção em pedidos firmes, nós teríamos algo em torno de US$ 14 bilhões de novos pedidos para a Embraer.
Por que os aviões da Embraer são pouco utilizados pelas companhias aéreas brasileiras, com exceção da Azul?
Essa é uma questão que até o presidente Lula tem comentado, quando diz que gostaria que companhias como a Latam e a Gol utilizassem aeronaves da Embraer, já que elas possuem muita tecnologia e eficiência até superior às aeronaves das suas grandes concorrentes, principalmente para alguns tipos de rotas.
Para ser bem sincero, eu não sei dizer o porquê disso. Acho que vai muito das estratégias que as companhias adotaram lá atrás, quando optaram por aeronaves maiores que são especialmente boas para rotas muito adensadas. Por exemplo, como em uma rota Rio-São Paulo você consegue, facilmente, lotar grandes aeronaves, o custo-benefício de um avião maior pode compensar, mas em rotas regionais ou menos adensadas, isso fica mais complicado.
Como o custo de um Boeing 737 para fazer uma rota como Belo Horizonte-Cuiabá não vale a pena, você acaba tendo que adensar em hubs para conseguir utilizar aeronaves maiores. A Azul fez o contrário. Por mais que ela tenha aeronaves da Airbus, a maior parte da sua frota é composta por aeronaves da Embraer. Elas fazem as rotas menores porque são muito eficientes no custo por assento.
Os aviões da Embraer poderiam ser uma boa opção para as companhias aéreas brasileiras?
Acredito que sim. Isso já foi provado pela Azul e o histórico de sucesso que ela obteve. De certa forma, as aeronaves da Embraer poderiam flexibilizar as rotas das companhias. De repente, essas companhias poderiam abrir novas rotas e buscar novos destinos. Outra questão é que as aeronaves da Embraer poderiam complementar períodos de menor demanda, quando faz muito mais sentido utilizar uma aeronave menor do que ficar usando aeronaves acima de 150 passageiros. Como eu parto do princípio de que todos fazem contas, não é que haja um certo e um errado, mas eu acredito que as aeronaves da Embraer poderiam ser utilizadas pelas outras companhias.
Essa mesma questão pode ser replicada para os Estados Unidos, onde a Embraer está tentando entrar para, justamente, aproveitar as rotas regionais.
Na sua opinião, a Embraer tem condições de produzir um avião que fosse capaz de competir com o Boeing 737 e o Airbus A-319 e A-320? Se isso fosse possível, seria possível atenuar, pelo menos um pouco, os efeitos da variação cambial nos balanços das companhias aéreas brasileiras?
Com relação à sua primeira pergunta, eu acredito que a Embraer consegue fazer um projeto para competir com essas gigantes. O próprio CEO da companhia, Francisco Gomes Neto, em algumas entrevistas, já comentou sobre isso. A companhia está estudando, mas não acredito que isso seja para o curto prazo, mas para o médio prazo, desde que a viabilidade seja adequada.
A Embraer poderia ser fabricante de grandes aeronaves, que são o grande filé mignon e onde estão as maiores margens do setor. Quando se fabrica essas grandes aeronaves, você consegue até precificar melhor o seu produto. Inclusive, dada toda a situação atual da Boeing, que vem sofrendo alguns problemas nos Estados Unidos, talvez essa seja uma oportunidade para que a Embraer ingresse nesse mercado e consiga competir com as gigantes.
Com relação à sua segunda pergunta, esse efeito seria muito secundário, pois, apesar da aeronave ser fabricada no Brasil, o seu preço é lastreado em dólar, o que faria com que as grandes empresas aéreas brasileiras continuassem expostas ao dólar. Até porque muitas dessas companhias não compram os aviões direto dos fabricantes, mas arrendam dos lessores, que compram dos fabricantes, sendo que, normalmente, essas tratativas são feitas em dólar. Poderia até ter um efeito marginal, mas, em termos gerais, isso não mudaria muito o quadro.
Na sua opinião, ao que se pode atribuir o excelente desempenho das ações da Embraer desde o final de 2023?
Eu acredito que o mercado começou a olhar a transformação da companhia, que passou, como disse, por uma tempestade perfeita, com pandemia, inflação de insumos, rompimento na cadeia de suprimentos, falta de motores, falta de peças críticas e baixa demanda, já que muitas companhias entraram em dificuldades financeiras por conta da pandemia. Além de todo o vento contra, houve a fusão com a Boeing que acabou não acontecendo, sendo que a Embraer incorreu em muitos custos por conta desse processo.
Agora, nós estamos vendo, gradualmente, o retorno das margens operacionais e da lucratividade. Como costumamos dizer na Trígono, a cotação segue o lucro, e como no caso da Embraer nós estamos vendo as margens aparecendo e o lucro melhorando, a cotação está acompanhando.
Muita gente tinha receio de que a empresa ficaria em dificuldade ou de que a dívida está muito alta, mas à medida em que o mercado foi entendendo que esse risco de liquidez e de dívida está diminuindo e que a companhia tem uma demanda para os próximos anos, é natural que agora haja esse otimismo com a Embraer no mercado como um todo.
Na sua opinião, como a Embraer consegue competir com os principais fabricantes de aeronaves do mundo?
Isso remonta um pouco à fundação da Embraer. Antes que a companhia fosse criada, foi criado o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) em São José dos Campos, que hoje é um centro de excelência muito forte da indústria aeronáutica, sendo que um dos seus alunos foi o Ozires Silva, que se destacou na turma de aeronáutica e foi um dos co-fundadores da Embraer, além de ter sido presidente da empresa. Não só o ITA, como outras faculdades, fazem com que o Brasil tenha uma qualificação muito boa, tanto que a Boeing e a Airbus vem ao Brasil para tentar contratar os engenheiros brasileiros. Inclusive, até o presidente Lula já reclamou que a Boeing estava indo direto ao ITA para contratar engenheiros.
A grande vantagem competitiva da Embraer é justamente o acesso a esse capital humano, que tem uma qualificação muito boa, não deixa a desejar para ninguém de outras partes do mundo e tem um custo mais barato em reais. Por exemplo, nos Estados Unidos, start ups, big techs e companhias aéreas estão concorrendo por engenheiros aeronáuticos, o que acaba inflacionando a mão de obra. Como a Embraer tem acesso a esse capital humano qualificado e, de certa forma, mais competitivo que de fora, isso se torna uma grande fortaleza para a companhia.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto a sua entrevista?
A mensagem principal é que a Embraer é uma companhia em transformação. Ela passou por um período muito difícil, sendo que ainda não chegou em todo o seu potencial. Esse processo de transformação já se refletiu nas ações, mas ainda há muito a se capturar. Sem nenhum tipo de projeção, em termos de precificação a grande distorção que havia já foi tirada por essa grande valorização da ação, mas acreditamos que a Embraer ainda tem um patamar interessante para ser alcançado em termos de margem e de carteira. Essa é uma empresa que gostamos de olhar e que tem muito para evoluir ainda.