Emprego e renda são fatores conectados à justiça climática

La Niña em 2025 vai impactar o setor de energia; geração hídrica será favorecida, mas fontes eólica e solar serão prejudicadas

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Cano de descarga (foto da ABr, arquivo)
Cano de descarga (foto da ABr, arquivo)

Eventos climáticos extremos e impactos da emergência climática afetam com maior intensidade as populações em situação de vulnerabilidade, inclusive no contexto de empregabilidade e acesso a renda. De acordo com o boletim Emprego e Renda, do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC), esse grupo é majoritariamente formado por pessoas negras – pretas e pardas -, com destaque para as mulheres. Pessoas negras são as que mais ocupam empregos informais nas áreas urbanas, trabalham como pequenos agricultores e são maioria entre os moradores em áreas de risco.

“Emprego e renda são agendas que se conectam muito à discussão climática e ambiental, porque tratam de vulnerabilidade. Quem está mais inseguro, quem tem menos acesso a uma situação de refúgio climático, de recompor a renda, de recompor a moradia, está muito mais exposto aos impactos da crise climática”, aponta a coordenadora de pesquisa do Centro Brasileiro de Justiça Climática, Taynara Gomes, em entrevista à Agência Brasil.

Ela destaca a importância de interpretar os dados de forma segmentada e racializar o debate. “Os números normalmente repercutem de maneira muito superficial e colocam a população como se todo mundo fosse atravessado pela crise climática da mesma maneira.”

“O boletim mostra que nem todo mundo é impactado do mesmo modo. Tem população que é muito mais vulnerabilizada. Não dá para olhar para o dado bruto, precisa interseccionar a agenda, precisa conseguir racializar o debate a partir de uma perspectiva racial e de gênero”, explicou.

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O documento aponta que trabalhadores negros ganham cerca de 60% do salário de trabalhadores brancos, ainda que tenham a mesma qualificação. A taxa de informalidade no trabalho para pessoas brancas (32,7%) é menor do que para pretas (43,4%) e pardas (47%).

Os cargos de liderança são ocupados majoritariamente por pessoas brancas (69%), enquanto pretos e pardos ocupam o total de 29,5% dessas posições. Dentre a população economicamente ativa, 56,1% é negra. Pessoas negras desocupadas somam 65,1%. Além disso, a insegurança da posse de moradia atinge 10% de brancos, 19,7% de pretos e 20,8% de pardos.

“O boletim fala sobre a concentração de renda e a vulnerabilidade, mostrando que a população negra é a que menos tem acesso a uma renda, ao mercado formal de trabalho, então está protagonizando a informalidade, e recebe os menores salários”, menciona Taynara.

Nove em cada 10 trabalhadores domésticos são mulheres. Ao menos, seis em cada 10 são mulheres negras (65%). Quando se trata de trabalho do cuidado, as mulheres dedicam 9,6 horas por semana a mais do que os homens. Mulheres negras fazem 92,7% dos afazeres domésticos.

“No emprego rural, é uma população majoritariamente negra, num trabalho muitas vezes não reconhecido e não formalizado na sua maioria, e consequentemente com menos acesso a políticas públicas, com menos acesso à renda, com menos acesso a programas afirmativos e com mais dificuldades de [acesso] a tecnologias adequadas para essa mão de obra”, relata.

Em relação ao trabalho no campo, 54,4% da agricultura familiar é composta por pessoas pretas e pardas. Do total de trabalhadores do campo, 60% estão na informalidade. Sete em cada 10 agricultores negros possuem menos de 0,1 hectares. Enquanto oito em cada 10 agricultores brancos possuem 10 mil hectares ou mais.

“É uma população que está sofrendo diretamente os impactos de queimadas, os impactos da pressão do agronegócio, famílias que não têm a sua situação fundiária regulamentada, então estão muito mais vulneráveis em relação à segurança da terra”, diz Taynara.

Na Região Amazônica, por exemplo, há comunidades que muitas vezes ficam isoladas em função das secas e chegam a uma situação de insegurança alimentar. “Os ciclos têm mudado – de sol, chuva e alagamento -, e também não tem acesso a uma política formal que vá reparar ou mitigar o impacto disso.”

“A gente está falando de calor, de alagamento, são processos que vulnerabilizam ainda mais quem já era vulnerabilizado nesse processo de empregabilidade antes de grandes emergências climáticas. No cenário extremo de clima, essa vulnerabilidade vai se acentuando cada vez mais”, finalizou.

A presença da La Niña no Oceano Pacífico Equatorial já foi confirmada no último dia 9 pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos EUA, com expectativa de que deverá persistir ao longo do verão. O fenômeno traz impactos diferentes sobre o setor de energia. Será positivo para a geração hídrica, por conta da boa qualidade do período chuvoso, mas negativo para a geração eólica e solar, em função de ventos menos intensos e da redução de dias de sol, segundo análise da Climatempo, a maior e mais reconhecida empresa de consultoria meteorológica e previsão do tempo do Brasil e da América Latina.

Em relação à geração hidrelétrica, houve a recuperação dos reservatórios já no início do período úmido devido aos altos volumes de precipitação, bem distribuídos pelas diversas regiões, especialmente na cabeceira da bacia do rio Paraná, que inclui os rios Grande e Paranaíba. Com o La Niña, este cenário de chuvas deve permanecer durante todo o verão no Brasil Central.

Segundo a meteorologista Marcely Sondermann, especialista em Clima e Mudanças Climáticas na Climatempo, o cenário deve ser próximo ao que se verificou ao longo da primavera de 2024, quando o resfriamento do Oceano Pacífico Equatorial e a consequente formação da La Niña favoreceram a ocorrência de zonas de convergência de umidade e aumentaram a frequência de chuvas sobre as principais bacias do Sistema Interligado Nacional (SIN). Na ocasião, houve uma recuperação gradativa dos níveis dos reservatórios – fatores que contribuíram para reduzir as tarifas de energia.

“A expectativa é que o fenômeno tenha agora no verão um efeito semelhante ao da primavera, contribuindo para a geração hídrica”, afirma a especialista.

Mas nem todas as regiões serão favorecidas por mais chuvas. No Sul do Brasil, as chuvas já começaram a se tornar mais irregulares. Segundo Marcely Sondermann, a La Niña pode impactar negativamente a geração hídrica na região, devido à redução esperada na precipitação, com predominância de dias secos e ensolarados.

No que diz respeito à geração eólica, a La Niña pode reduzir o potencial de geração no Nordeste, onde estão os principais parques no país. Isso ocorre porque a velocidade dos ventos é inversamente correlacionada às chuvas, ou seja, em períodos mais úmidos, a intensidade dos ventos tende a diminuir, impactando a geração de energia.

Sobre a fonte solar, a La Niña pode limitar a geração de energia fotovoltaica por conta da maior frequência de dias nublados e chuvosos previstos enquanto o fenômeno durar, especialmente entre o Nordeste e o Sudeste, em estados como Piauí e Minas Gerais, onde estão localizados os principais parques solares do país.

Entre os anos de 2023 e 2024, o clima foi impactado por um El Niño forte, que acarretou eventos extremos, intensificados pelos efeitos do aquecimento global. Houve alterações significativa do regime de chuvas e das temperaturas no Brasil.

“No Sul, por exemplo, ocorreram chuvas extremas e frequentes, que resultaram em inúmeros prejuízos sociais, econômicos e ambientais. Por outro lado, a Região Norte enfrentou duas secas severas históricas e consecutivas nesse período, que impactaram diretamente a geração e a transmissão de energia”, afirma Marcely Sondermann.

Ela lembra que, por conta da seca histórica do Rio Madeira, ocorreu o desligamento de uma das maiores linhas de transmissão de energia elétrica do Brasil, que conecta as regiões Norte e Sudeste.

No Brasil Central, onde estão os principais reservatórios de energia do país, o cenário foi de chuvas abaixo da média e intensas ondas de calor, que elevaram o consumo de energia. Essa combinação levou à queda nos níveis dos reservatórios e à necessidade de acionar termelétricas, elevando os custos e impactando diretamente o preço da energia.

Com informações da Agência Brasil

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