Conversamos sobre o projeto de energia hidrocinética desenvolvido por Mauricio Otaviano de Queiroz, CEO e fundador da TIDALWATT. O objetivo desse projeto é gerar energia a partir das correntes de rios e oceanos.
Como funciona a estrutura que vai gerar energia hidrocinética?
Como as correntes estão próximas da costa, com exceção das correntes oceânicas que cruzam o planeta, a ideia é instalar parques de energia hidrocinética no fundo do mar. Existem estudos que mostram que essas correntes estão mais próximas à superfície ou até 200 metros de profundidade. Num ponto onde a profundidade do leito marinho for além de 200 metros, nós podemos colocar uma turbina presa a uma estrutura flutuante na superfície, com ambas ancoradas no leito oceânico.
Comparando com uma turbina eólica, que é gigantesca, essas estruturas são pequenas, sendo que elas podem chegar a 5 metros de diâmetro, mas nós temos projetos de turbinas com 7,5 m de diâmetro para instalação no leito oceânico, onde a força de arrasto é muito grande.
Como funciona a transmissão de energia gerada pelas turbinas?
Vamos supor que nós vamos construir um parque gerador com 50 turbinas. Todas elas serão interligadas a uma central que vai conduzir a energia através de cabos submarinos enterrados no leito marinho. Esses cabos vão até um ponto em terra onde haverá uma subestação, que vai, vamos dizer assim, equalizar a energia e transformá-la na tensão necessária para entrar na rede. Basicamente, é o mesmo projeto de transmissão das eólicas offshore.
Como funciona a estrutura para um rio?
Em um rio é mais fácil de instalar, pois você só está distante da margem. Nesse caso, a turbina será dimensionada para o rio, ou seja, se for um grande rio, é possível colocar estruturas mais robustas.
Qual a capacidade de geração de energia de uma turbina hidrocinética?
A capacidade de geração é variável. Isso porque a mesma turbina pode capturar mais energia em um lugar do que em outro, pois a energia captada é a que está disponível. Há um potencial muito maior num rio caudaloso, com uma corrente rápida de 4 metros por segundo, do que num rio mais calmo, cuja corrente corre menos de 1 metro por segundo. No primeiro caso, a mesma turbina vai gerar cerca de 16 vezes mais energia que no segundo.
Outro parâmetro: se uma turbina de 3 metros de diâmetro estiver submetida a uma corrente de quase 1 metro por segundo, ela pode gerar até 5 megawatts de potência. Fazendo uma conta rápida, essa turbina pode prover a energia de 20 mil casas por um mês.
O Brasil está caminhando para um quadro de excesso de energia, principalmente por conta das energias eólica e solar. Como a energia hidrocinética pode compor a matriz energética brasileira?
A questão do excesso de energia não é tão verdade como está sendo pensado. O Brasil tem uma potência instalada maior do que a potência que consome, só que o grande problema é a oscilação da geração. Num momento de pico, quando a demanda é maior que a geração, você precisa ter a energia que será entregue imediatamente pronta. Além disso, a potência tem que ser um pouco maior que a demanda para que não tenhamos um apagão.
Se no Nordeste estiver ventando muito às 4h, quando poucas pessoas estão consumindo energia, as eólicas são desligadas, mas se parar de ventar na hora de pico, ou não tiver sol para gerar energia solar, é preciso ligar as hidrelétricas. Os apagões que aconteceram recentemente no Brasil foram justamente em razão disso. As usinas eólicas e solares estavam gerando energia, enquanto as hidrelétricas estavam desligadas, só que o vento parou de repente.
A operação do sistema interligado nacional é muito complexa. Nós temos fontes renováveis que não são seguras, pois dependemos de fatores que não controlamos. Isso é insegurança energética. As hidrelétricas também têm esse problema, pois os reservatórios podem ficar baixos. E se estivesse sobrando energia, nós não precisaríamos das usinas termelétricas.
Respondendo a sua pergunta: nós vamos colocar uma fonte na matriz nacional que é segura, pois sua geração não oscila, já que as correntes oceânicas estão lá 24 horas por dia. Enquanto a Terra estiver girando, nós vamos ter essa corrente.
O que está faltando para esse projeto virar realidade?
Dinheiro. Nós precisamos de investimento para fazermos toda uma instalação robusta e realizarmos os testes de geradores e de potências diferentes. Nós também precisamos desenvolver um material que seja mais resistente ao mar, que é um meio, vamos dizer assim, agressivo, pois precisamos de uma turbina que funcione por 30 anos e que não seja corroída em alguns meses.
Hoje, eu estou construindo um 14 Bis para provar que ele voa. Por mais que o 14 Bis esteja muito longe de um A380, se ele voar por dois minutos, como foi o caso do Santos Dumont, está ótimo, pois o conceito estará provado. Cabe ressaltar que nós já conseguimos provar o conceito científico, o que é uma quebra de paradigma gigantesca com relação ao conhecimento que temos sobre a disponibilidade energética dos oceanos.
Nós tivemos negociações com potenciais investidores onde o cara me disse que gostou do projeto, que acredita nele, mas que vai me dar um trocado para ficar com tudo. Além disso, em razão dos interesses de um tipo de fonte de energia, tenta-se frustrar, apagar ou esconder um projeto que é bom e mais barato. Eu estou sentindo isso na pele. Eu já recebi propostas de pessoas que me disseram: “Maurício, eu te deixo rico, mas o seu projeto vai ficar na gaveta”.
Eu não quero isso. Eu quero ver esse projeto acontecer. Eu quero ficar à frente de um projeto que vai construir um modelo de geração de energia sustentável, bom para o meio ambiente e que vai atender à população. Hoje, pode sobrar energia no Brasil, mas ela está faltando em locais como Tefé-AM ou Fernando de Noronha-PE. Em locais como esses, as populações têm geradores elétricos. “Ah, mas lá tem painel solar”. Sim, mas isso é 10% do consumo. O resto é diesel, que é caro, poluente e que precisa ser transportado.
Nós estamos falando quase que de um milagre: uma geração de energia substancial, renovável, com um investimento relativamente pequeno e com baixo impacto ambiental. Essa é a solução que, praticamente, todo mundo quer.
O que você viu que ninguém viu?
Eu sou físico e também mergulhador. Em 2018, eu tive um acidente durante um mergulho. Na parada de descompressão, nós não percebemos e fomos arrastados por uma corrente. Quando chegamos à superfície, nós estávamos muito longe do ponto onde deveríamos estar e ficamos à deriva esperando pelo resgate por algumas horas. Isso fez com que eu ficasse pensando no potencial gigantesco dessa corrente.
Quando você está mergulhado no mar, a corrente te arrasta sem que você perceba. Toda a água em volta de você está se movendo. Um navio de 100 mil toneladas à deriva é arrastado igual a uma folha seca. Se alguém tentar se opor a esse movimento, ele vai receber a força de toda a água, e não apenas da água em contato com o seu corpo.
Posteriormente a esse acidente, eu criei uma geometria que é capaz de abraçar, em um único ponto, a energia que está associada a um montante de água. Para isso, eu criei uma estrutura que faz com que o percurso da água tenha que ser maior, fazendo com que ela precise de mais tempo para atravessar a turbina. Por enquanto, essa é a primeira turbina capaz de causar esse efeito numa corrente, gerando muito mais energia elétrica que as turbinas convencionais.
Ninguém viu isso lá fora?
Ninguém. Nós queríamos testar esse conceito em um simulador de mecânica de fluídos no MIT (Massachusetts Institute of Technology), que faria a simulação de quanto a turbina poderia gerar de energia. Isso não foi possível, pois o simulador está configurado para uma realidade física que não interpreta a energia das correntes, e sim das partículas que se chocam com a pá da turbina. O próprio MIT disse que não poderia fazer o teste, já que como o conceito que estou introduzindo é novo, ele não estava programado no computador. Como não dava para simular, era preciso fazer um experimento físico.
Em breve, nós vamos fazer um teste com o acompanhamento do Ipem-SP (Instituto de Pesos e Medidas de São Paulo), em Angra dos Reis-RJ, para colhermos o resultado de potência e dizermos se a teoria é válida e se a geometria é capaz de capturar esse volume de energia que está disponível.