Ensaios sobre as governanças: o nacional trabalhismo

Análise crítica das governanças históricas, ressaltando a relevância da identidade nacional e mudanças para o Brasil. Por Pedro Pinho e Felipe Maruf

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Constituição em frente ao congresso nacional do nrasil
Constituição em frente ao Congresso Nacional (foto de João Risi, PR)

Nestes Ensaios que percorremos algumas das governanças, com diferentes tempos históricos, que foram implementadas em reinos, impérios, repúblicas, independentes e colonizados, acreditamos ter se evidenciado uma qualificação: a nacional.

Sendo a governança uma relação de poder, é difícil ser copiada de outras, executadas em realidades geográficas diferentes, por culturas construídas em histórias ligadas a fenômenos distintos, enfim, por povos e locais estrangeiros.

Estas avaliações foram descritas nas experiências malogradas. Não se trata de juízos de valor nem de crenças religiosas ou ideológicas. Trata-se da realidade construída na interação de um povo com a natureza, melhor se diria, com os recursos naturais do espaço em que se formou sua identidade.

Ser nacional é portanto a qualificação primeira da governança. Vamos discorrer sobre o que é ser uma governança nacional. Para evitar qualquer viés político partidário, examinemos um país estrangeiro e sua construção da governança atingida neste século 21.

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É, também, importante verificar que a governança, sendo uma resultante cultural, ela varia no tempo, nas tecnologias disponíveis, na compreensão do povo, ou seja, ela tem tempo e local, pode surgir das mesmas forças, mas é para aqui e agora.

O exemplo que usaremos é da China, que desenvolve o modelo “socialista com características chinesas” para sua governança. Examinemos historicamente esta construção política.

A China se formou num vastíssimo território, a sudoeste com o complexo de montanhas do enrugamento himalaio, grande zona de estepes, com desertos e regiões cultivadas, entre florestas siberianas e planícies de aluvião, até encontrar o Oceano. E tendo a leste a península coreana e as ilhas nipônicas. Com mais de nove milhões de quilômetros quadrados, varia de temperatura do frio e seco norte ao quente e úmido das florestas tropicais, próximas ao Mianmar, Laos e Vietnã.

Esta diversidade da geografia física encontra imensa unidade populacional, pois mais de 90% do povo pertence à etnia “han”. Conforme dados arqueológicos, os homens chegaram à China entre 30 mil e 15 mil anos, pois é o tempo que medeia a saída do Oriente Médio e a chegada à América. E encontraram locais e climas propícios à agricultura, ali ficando e desenvolvendo sua cultura. A unidade étnica favoreceu a construção de modelo centralizado de governança, o que caracteriza a China até hoje. Também, por se dedicarem à agricultura e rapidamente evoluírem da agricultura de subsistência para a de trocas, os chineses mostraram a capacidade de lidar com as realidades, o que fez o povo onde mais de 90% da população não acredita em deus ou deuses.

Por conseguinte, o poder centralizado e não religioso não é resultado do marxismo-leninismo, implementado a partir de 1949, e já bastante submetido às “características chinesas”, mas à própria construção milenar da identidade nacional.

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A Questão Nacional

Vivemos no Brasil, desde a década de 1980, ou seja, desde o denominado processo de redemocratização, a invasão ideológica neoliberal. A democracia, em si, não trouxe o neoliberalismo, mas o acompanhou, e, na retórica dominante, a ele foi associada, de modo que a retomada das liberdades civis foi mais efetiva para poucos do que para muitos.

De certo modo permanece a submissão do País a ideologias e governos estrangeiros que tem sido a mais constante governança brasileira: a colonial.

Períodos de autonomia foram poucos: dos governos de Getúlio Vargas (13 anos) e dos militares de 1967 a 1979 (outros 13 anos). De acomodação com interesses estrangeiros tivemos também poucos, o de João Goulart e o de Juscelino Kubitschek, que sofreram golpes ou tentativas de golpes de Estado.

Mas tivemos notáveis intelectuais que elaboraram projetos, discorreram sobre política nacionalista como o Patriarca da Independência, paulista José Bonifácio de Andrada e Silva, os fluminenses Alberto Torres e Oliveira Viana, o gaúcho Júlio de Castilhos, o mineiro Darcy Ribeiro, além do próprio Vargas. E como o mais notável operador nacionalista, o único a governar dois estados, Leonel Brizola.

O que vem a ser a Questão Nacional? Fundamentar a organização do Estado Brasileiro e sua governança na mais arraigada percepção nacional, naquela que se formou pela luta para sobrevivência, pela domesticação da natureza, pela mistura de raças e crenças que formam o brasileiro, um ser específico. É nesta individualidade, como nos “Han” chineses, que se constrói nossa estrutura de organização e nossos padrões de governança.

Veja-se pelo período que se denomina os “50 anos gloriosos” ou a “Era Vargas” que vai de 1930 a 1980. Foram períodos autoritários, com o poder centralizado no Executivo, com o Congresso muitas vezes fechado e o Judiciário modificado em número de ministros no Supremo Tribunal Federal (STF) e na designação de magistrados pelo Poder Executivo.

Mas seria estranho à formação do Poder no Brasil? De modo algum. Sempre tivemos um poder que se sobrepunha aos demais, na Colônia, no Império, na formação da República – Deodoro e Floriano – e no período republicano, como mencionado.

Também, regionalmente, sempre fomos o país dos “coronéis”, autoridades regionais que impunham suas vontades, acima do poder público, em distritos, municípios e mesmo Estados que constituíam a Nação.

Se isso se dá pela falta de construção da cidadania, não significa que não exista e, com certeza, será muito melhor absorvido pela população do que a “democracia”. Que nem é efetiva, pois o povo não participa das decisões, nem mesmo uma pálida imagem ideológica, pois os próprios candidatos saem de um núcleo de poder partidário, religioso, ou regional (coronelista).

A natureza do poder, onde quer que exista, é hierárquica. A distribuição igualitária de poder é uma utopia que ainda não se verificou em parte alguma. Resta saber, porém, quem exerce e a quem serve o poder central. Se é à Nação, temos o nacionalismo; se é às altas finanças, o neoliberalismo.

Portanto, a estrutura organizacional brasileira, mais coerente com nossa formação cultural, deve ser composta de um poder central e nacional, o Presidente, e como órgãos participativos, as Assembleias que serão muitas, pois organizadas regionalmente e por setores técnicos (educação, saúde, habitação, energia, saneamento, infraestrutura etc.).

O Presidente poderá ter Vice-presidentes que reúnam conteúdos de mesmo objetivo, por exemplo: Defesa Nacional, Construção da Cidadania, Energia e Infraestrutura e outros. O que hoje denominamos Poder Judiciário pode compor o detalhamento da Construção da Cidadania como Garantia dos Direitos, incluindo as fases da prevenção, da investigação, do julgamento e da gestão penitenciária.

Uma nova Constituição voltada para a cultura brasileira, estruturando o Estado conforme as mais profundas raízes, que nem são religiosas, como se tenta impingir. Na verdade, autores religiosos, como filósofos de diversas épocas, distinguem a superstição da religião. O brasileiro, em sua mistura de crenças e ritos, deve ser entendido como povo supersticioso, não religioso. E esta não deve ser uma questão de organização do Estado Nacional, nem para garantir nem para impedir direitos, mas a manifestação individual de cada um. Fica no campo das liberdades que permitem torcer por clubes de futebol, preferir tipo de comida e bebida ou professar ou não qualquer fé ou crendice.


O trabalho

São duas as vertentes que constroem a economia de uma Nação, diferentemente de uma família, como erroneamente ensinam os comentaristas das redes de televisão. Ou está fundamentada no trabalho ou no capital.

Faz-se mister definir ambos, para evitar mal-entendidos. Por trabalho, se entende toda ação intencional e planejada de modificação do meio. O trabalho é o processo de humanização do mundo, de superação da natureza pela construção da cultura. Por capital, se entende a acumulação privada de excedentes socialmente produzidos.

Naturalmente, o capital pode ser trabalhador, quando se dedica a empreendimentos úteis, empregadores de trabalho. O lucro afigura-se assim como recompensa legítima pelo risco. O capital se torna lesivo quando se aparta da economia física/real e se torna parasita da sociedade. Temos, assim, o capitalismo, sistema que consagra a prioridade do capital.

O mundo neoliberal no qual vive o Brasil e o mundo ocidental, desde o final do século passado, está baseado no capital. O que nos faz afirmar, por exemplo, que a Constituição dos Estados Unidos da América (EUA) criou o país plutocrático, ou seja, governado pela riqueza, logo pelo capital que a hierarquiza.

Ao lado da nacionalidade construtora da governança nacional, o trabalho é, e estará assim definido formalmente, a única modalidade de construir riqueza. Vejamos algumas consequências destas definições.

Se o trabalho fundamenta a economia nacional, o salário passa a ter a importância que hoje se dá à dívida financeira, ou seja, será o orientador dos orçamentos, das aplicações, dos investimentos.

Assim, ele não pode ser aviltado, ao contrário, deve ser valorizado para que mais dinheiro circule e mais se produza, mais se crie, mais tecnologia seja desenvolvida para fabricar usando as riquezas naturais do país.

Em vez de “ajustes fiscais” para encolher o dinheiro em circulação, ter-se-á o salário para exigir mais manufaturas, mais conforto, mais produção. Não se falará de “superávit fiscal”, mas de investimentos em energia, em infraestrutura, em tecnologia, para que mais e melhor a população possa ser atendida.

Teremos uma sociedade onde a educação estará aliada ao trabalho, porque o trabalho é valorizado e quanto mais e melhor produz mais se ganha. Hoje um engenheiro dirige uma moto como “uber”, sem salário, sem condição de melhorar que não seja expondo a vida e a saúde, para realizar mais entregas e receber um pouco mais.

O trabalho exige emprego, e o emprego é regulado por leis de proteção à vida e à saúde, impede portanto o incitamento, o encorajamento ao risco, à saúde e à vida.

Em vez de meta de inflação, que significa encolhimento da economia, submissão a padrões estrangeiros de câmbio, de juros, que levam ao déficit nas transações correntes, tem-se a meta de emprego, que expande a industrialização no País, a valorização do estudo, pois a indústria, pelas próprias condições de desenvolvimento, exige, cada vez mais, mão de obra qualificada.

Pela simples posição do trabalho na sociedade já se estará democratizando o País, pois a imensa maioria dos brasileiros não é rentista, mas trabalhadora. E substituir o banco pelo sindicato significa substituir um homem rico e provável corruptor, por centenas de trabalhadores, vigilantes com a lisura dos gestores.

O Brasil é possuidor de enorme riqueza mineral e pode, sem grandes investimentos, voltar a ser autossuficiente em energia. Logo, tem as condições fundamentais para se tornar grande potência na esfera internacional. Falta governança.

O que estamos aqui propondo é a mudança dos referenciais importados pelos nacionais, quer na organização política do País, quer no referencial econômico.

Organizando o Brasil de acordo com a tradição histórica que mais riqueza trouxe para o País, com as orientações dos seus melhores estudiosos, e alterando radicalmente o referencial de sua economia do capital para o trabalho, em menos de um lustro teremos outro País, mais seguro, mais produtivo, mais honesto e feliz.

Isso também depende de cada um de nós.

Felipe Maruf Quintas é cientista político.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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