Ensino abaixo da média

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Não faltam desafios para os novos responsáveis pela área da educação no governo federal e nos estados, mas, seguramente, um dos que mais colocarão à prova sua competência será o ensino médio. Quando 74% de 1,3 milhão de estudantes têm notas abaixo de 40 em um exame, em escala de zero a cem, como ocorreu no Enem 2002 (Exame Nacional do Ensino Médio), algo muito errado há com o sistema de ensino.
Portanto, que este novo período seja marcado não por justificativas e mais diagnósticos, mas por medidas que efetivamente ajudem a resolver este que é um dos grandes problemas da educação brasileira hoje, pois estamos falando de um nível de ensino decisivo na consolidação dos conhecimentos básicos que permitem aos alunos enfrentar aprendizados mais complexos, necessários à sua inclusão no mercado, e para a apreensão de valores fundamentais à vida em sociedade.
Nos últimos dois anos, a inscrição no Enem (cujos resultados já são usados em processos seletivos de 384 instituições de ensino superior) se tornou gratuita para alunos carentes e de escolas públicas, o que elevou o número de participantes em 200%. Isto, segundo coordenadores do exame, forçou as médias para baixo, já que a escola não é o único fator a influir na aprendizagem.
Como prova, aí estão as respostas dos alunos ao questionário sócio-econômico: aqueles cujos pais não estudaram e cuja renda chega a um salário mínimo tiveram média 26 na parte objetiva (conhecimentos gerais) e 47 na redação; aqueles cujos pais têm renda entre cinco e dez mínimos e concluíram o ensino médio tiveram média 37 e 57 na redação; os que têm pais com pós-graduação e renda acima de R$ 6 mil tiveram média acima de 50 e 64 em redação (o bom desempenho na redação foi atribuído ao tema, que batia com assunto do momento: democracia e votos).
Ocorre que, em 2002, a participação de alunos com renda familiar até dois mínimos cresceu de 26,8 para 32,3%, e a dos que têm renda familiar superior baixou de 39 para 33,4%. Mais de 50% declararam trabalhar e afirmaram que isso prejudicou os estudos. Dos egressos da rede pública, 84,5% tiveram desempenho insuficiente (média 30,39). Da rede privada, foram 37,6% (média 47,22). Como houve queda de seis pontos em ambos os casos, arriscamos que o exame estava mais difícil ou os enunciados das questões foram mais complexos (em 2001, 5,1% tiveram desempenho entre bom e excelente, contra 2,5% em 2002).
Ainda assim, fica claro que a esmagadora maioria dos jovens concluiu o ensino médio sem dominar 70% dos conteúdos. Na teoria, cumpriram três anos letivos, mas, na prática, não cumpriram nem um ano inteiro. E estão, supostamente, aptos para o ensino superior.
Bem, a realidade da maioria dos nossos estudantes é essa: são filhos de pais que estudaram pouco ou nada, vivem em comunidades onde o nível de escolaridade é baixo e há dificuldade de acesso a bens culturais, o que afeta o desempenho escolar. Lógico que escolas e currículos devem ser adaptados para eles. Não é o que ocorre, pois, se todos os alunos se saem mal, só podemos concluir que o sistema educacional que os acolhe prima pela ineficácia – o que não quer dizer que seja ruim, mas não sintonizado com sua clientela.
O que não podemos, nós, educadores e responsáveis pela educação em um país de escolaridade tão sofrível, é aceitarmos com fatalismo o ambiente desfavorável em que o indivíduo vive. Adotar esta postura mais parece uma tentativa de justificar o fracasso do processo de universalização de um nível de ensino que, há pouco tempo, era um treinamento para a entrada triunfal na universidade. Além de ser o mesmo que dizer que este aluno está condenado à mediocridade.
Convenhamos: a reforma do ensino médio anunciada nos últimos anos não vingou. A expansão foi significativa (mais de 100% nos anos 90, quase 60% nos últimos seis anos), mas estamos longe da universalização e, mais ainda, da qualidade. A rede pública não se preparou para o crescimento das matrículas (mais de oito milhões), nem para lidar com o perfil dos alunos que chegaram. Grande parte foi atendida em espaços improvisados, a maioria em horários noturnos, onde faltam recursos humanos e financeiros e cuja infra-estrutura é imprópria às suas necessidades educacionais.
Os novos alunos do ensino médio cresceram em ambiente adverso e a escola precisa suprir suas carências. Em primeiro lugar, as relativas à infra-estrutura: ela deve ser um espaço onde seja constante o apelo à aprendizagem, com fácil acesso a livros, vídeos, computadores; onde atividades culturais sejam comuns como aulas de Matemática; onde haja aulas de reforço em horários flexíveis para facilitar a vida dos que trabalham e locais destinados ao estudo; onde o esporte preencha horas de lazer e aprofunde os laços com a escola.
No entanto, quase 70% dos alunos da rede pública reclamaram da falta de recursos de informática, 63,4% criticaram o fraco ensino de línguas estrangeiras, falta de laboratórios, bibliotecas, nenhuma prática esportiva e, ainda, da insegurança. Dado interessantíssimo, ainda, é que 51%, da rede pública e privada, queixaram-se que as escolas não se importam com seus problemas pessoais, e mais de 40% disseram que elas não contribuem para o bom relacionamento entre estudantes. Em resumo: a instituição escolar não lhes oferece um bom ensino, nem o apoio moral e orientação que necessitam nesta fase da vida, e que aceitariam de bom grado.
Naturalmente, há os que se saem bem em qualquer situação: 9,2% dos estudantes de escolas particulares e 0,7% das públicas tiraram notas acima de 70. São poucos beneficiados por um conjunto de fatores externos ou características pessoais que lhes fizeram superar obstáculos. Talvez não tenham precisado trabalhar, estudaram em escolas exemplares, estavam na idade correta para sua série e por aí afora. São exceções. Os que formam a massa de concluintes do ensino médio não sabem o que deveriam, não sabem o que deveriam, não dominam competências exigidas pelo mundo do trabalho e não ganharão vagas mais concorridas no encolhido sistema de ensino superior gratuito. A bem da verdade, eles não estão nem mesmo concluindo o ensino médio. Este é o nosso próximo e maior desafio.

Magno de Aguiar Maranhão
Presidente da Associação Nacional dos Centros Universitários (Anaceu) e conselheiro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro.

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