Ensino gratuito na mira do FMI

100

Por muito tempo, a universidade pública brasileira foi vista como reduto das elites, o lugar onde eram formados os doutores das classes abastadas. Basta folhear as páginas de sua história para conhecer suas inúmeras contribuições à sociedade e derrubar essa crença que, no entanto, é mantida e realimentada, como se houvesse interesse em desmantelar o único nível do ensino público que se tornou sinônimo de qualidade. Dessa vez, foi o Fundo Monetário Internacional, com sua “generosa” preocupação em ajudar as nossas autoridades na administração dos recursos para o social, a insistir novamente no ensino superior público pago, usando as mesmas conhecidas justificativas: primeiro, universidades gratuitas atendem jovens de maior renda; segundo, com o dinheiro arrecadado, o governo liberaria mais verbas para o ensino fundamental e médio.
Para começar, Educação, como Saúde, é direito conferido a todo e qualquer cidadão. Por exemplo: quem pode, paga aos Planos de Saúde (muitas vezes com enorme sacrifício) para não morrer nas filas de hospitais públicos. Então, por isso, as emergências desses hospitais públicos devem cobrar o atendimento a indivíduos da classe A, B ou C? Voltemos à Educação: o que acontecerá quando as escolas públicas oferecerem ensino de qualidade e suas vagas começarem a ser preenchidas por aqueles que hoje pagam mensalidades suadas em escolas particulares? A gratuidade lhes será negada? É provável. Se a idéia vingar nas universidades, porque não em outros níveis de ensino? Tolerar o ensino superior público pago (ainda que pago por quem, supostamente, pode) é aceitar que o Estado venda um serviço que a população já sustenta com os impostos que lhes são cobrados.
Outro ponto: é estranha a agressividade usada na defesa da tese de que as vagas nas IES gratuitas são engolidas por “privilegiados” que cursaram o ensino médio em escolas particulares, enquanto os pobres, egressos de escolas públicas ruins, têm que se virar para pagar a graduação. Qual o objetivo de instigar os menos favorecidos a culpar a classe média pelos entraves em sua tentativa de ascensão? Possivelmente, desviar o foco da causa maior do problema: o cruel e histórico descaso para com o bem-estar e a sobrevivência do povo, refletido na falta de investimentos em setores como Educação e Saúde.
O fato é que a demanda pela graduação cresceu  e o setor público tomou a contramão: encolheu 25% nos últimos 20 anos, abrindo espaço para o privado, que cresceu 58%. Mas há razões para crer que a situação está se revertendo: o último Censo registrou crescimento recorde das instituições federais de ensino superior – 8,4% (o maior desde 1981). O MEC repassou mais recursos para as que investiram em cursos noturnos, as que possuem mais de um campus e as que se localizam em regiões pobres. Norte e Nordeste receberam 5% a mais por aluno. Com isso, as IES nordestinas, em um ano, ampliaram em 14,5% suas vagas (a média nacional foi 12%) e as públicas já respondem por 68% do atendimento (o índice não chega a 40% no país). As federais respondem por 38%. Mas o caminho é longo: segundo o IBGE, só 9,7% de brasileiros entre 18 e 24 anos chegam hoje ao ensino superior.
A solução para as desigualdades na Educação passa pela melhoria do ensino básico, pela ampliação das IES públicas e da concessão de financiamento e bolsas nas IES privadas. Quanto aos argumentos pró-ensino público pago, não há nenhum que já não tenha sido rebatido. É nosso dever lembrar detalhado estudo da USP (A Presença da Universidade Pública) que fornece dados de sobra para quem quer se engajar na briga. Exemplos? Não, a cobrança de mensalidades em universidades públicas não resolverá seu déficit orçamentário – há dez anos, uma CPI que investigava problemas da universidade brasileira concluiu que elas só cobririam entre sete e dez por cento do orçamento, ou menos. Mais: até em países desenvolvidos a graduação é quase toda bancada pelos governos. Mesmo nos Estados Unidos, onde 72,4% dos alunos estão em universidades públicas e o restante em particulares, as mensalidades cobradas em ambos os casos são pagas, na imensa maioria, por bolsas do governo ou fundações.
Quanto ao gasto do Governo brasileiro com alunos do ensino superior, é importante frisar que não pode ser calculado através da mera divisão das verbas destinadas às universidades pelo número de estudantes, esquecendo que elas mantêm serviços de extensão para a comunidade, hospitais, além de bibliotecas, laboratórios e modernos equipamentos – tudo que o próprio MEC exige que qualquer IES ofereça à clientela, sob pena de fechamento.
Em um mundo onde o conhecimento é o principal capital, não faz sentido, enfim, acatar sugestões que visem a dificultar o acesso da juventude às IES públicas, responsáveis pela quase totalidade da produção científica do país. Ao contrário, temos que estimular seu crescimento, sua autonomia, pensar em parcerias, em novas fontes de recursos e na multiplicação de vagas. A universidade pública, no Brasil, é uma instituição comprometida com o desenvolvimento social – e o mínimo que podemos dizer é que não deve se tornar o cenário para uma violação a um direito básico de qualquer cidadão.

Magno de Aguiar Maranhão
Conselheiro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro e Presidente da Associação Nacional dos Centros Universitários – Anaceu.

Espaço Publicitáriocnseg

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui