Entre a liquidação e a autofalência

Como multinacionais podem fechar subsidiárias no Brasil com menos riscos

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Liquidação em loja (Foto: José Paulo Lacerda/CNI)
Liquidação em loja (Foto: José Paulo Lacerda/CNI)

Com a desaceleração de setores econômicos e a crescente complexidade do ambiente de negócios no Brasil, muitas multinacionais enfrentam o dilema de encerrar suas operações locais. Nesse contexto, surge uma questão crítica: o que é mais vantajoso para uma subsidiária brasileira em dificuldades financeiras — liquidar seus ativos ou optar pelo pedido de autofalência?

Nos últimos anos, diversas multinacionais decidiram encerrar ou reduzir suas operações no Brasil, motivadas por desafios econômicos, como altos custos operacionais, sobretudo pela complexidade e pela carga tributária, além de ajustes em suas estratégias globais.

Para a advogada Juliana Marteli, sócia do Loeser e Hadad Advogados e especialista em direito contencioso estratégico, com ampla experiência em análise de contratos empresariais, os obstáculos enfrentados por essas empresas frequentemente resultam em decisões de desinvestimento, refletindo a necessidade de uma abordagem cuidadosa e estratégica no encerramento das operações no país.

Juliana esclarece que a diferença entre liquidação e autofalência está relacionada aos processos pelos quais empresas em dificuldades financeiras encerram suas atividades e lidam de forma proativa com suas obrigações perante credores. Aqui estão as distinções:

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Liquidação: refere-se ao processo administrativo pelo qual uma empresa decide voluntariamente encerrar suas atividades e vender seus ativos para pagar suas dívidas, tendo como pressuposto o encerramento de todas as obrigações pendentes, sob pena de responsabilização do liquidante. A liquidação pode ser ordenada ou espontânea, sem necessariamente envolver um estado de insolvência. Ela pode ocorrer mesmo quando a empresa ainda possui recursos suficientes para cobrir suas obrigações, sendo uma estratégia de desinvestimento ou reorganização empresarial.

Autofalência: também chamada de falência voluntária, trata-se de um requerimento judicial formulado pela própria empresa em crise econômico-financeira, que demonstre não ter condições de cumprir suas obrigações pela insuficiência de ativos em contrapartida ao volume de passivos. A empresa requerente deve expor as razões pelas quais julga não atender aos requisitos da recuperação judicial e justificar a impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial. Esse pedido é uma forma de formalizar o processo de falência de maneira proativa, permitindo que a empresa organize o encerramento de suas atividades e a quitação de suas dívidas de maneira controlada, transparente e isonômica aos credores, dentro dos termos da lei. Durante o processo, os bens da empresa são vendidos para pagar os credores na ordem de prioridade estabelecida pela legislação.


Encerrando operações

Juliana esclarece que multinacionais que decidem fechar subsidiárias no Brasil precisam adotar uma abordagem estratégica para minimizar riscos legais, financeiros e reputacionais. Para isso, podem seguir algumas práticas essenciais:

  1. Planejamento jurídico e financeiro: antes de decidir pela melhor forma de encerramento das operações, é fundamental realizar uma análise detalhada da situação jurídica e contábil da empresa, para fins de avaliação dos custos e do preenchimento dos requisitos legais de cada alternativa. Um bom planejamento jurídico também ajuda a evitar litígios futuros e a responsabilização dos sócios e administradores.
  2. Avaliação de contratos e obrigações: multinacionais devem revisar todos os contratos vigentes — com fornecedores, parceiros, clientes e funcionários — para identificar possíveis penalidades, cláusulas de rescisão e garantias associadas a cada obrigação. Uma gestão cuidadosa dessas obrigações contratuais evita custos inesperados e litígios.
  3. Recuperação judicial como alternativa: em casos de dificuldades financeiras momentâneas, a recuperação judicial pode ser uma alternativa ao fechamento abrupto da empresa que ainda tem condições de manter suas atividades empresariais. Esse processo permite que a empresa reorganize suas dívidas e negocie com credores, evitando uma falência que pode trazer maiores prejuízos financeiros e de imagem.
  4. Autofalência planejada: se a empresa estiver insolvente e não tiver a perspectiva de manter suas atividades no Brasil, a autofalência pode ser a melhor opção, pois permite que a própria multinacional tenha mais controle sobre o processo de encerramento, protegendo a matriz de responsabilidade por dívidas ou ações judiciais no Brasil. A decisão de requerer autofalência pode ser vista como uma medida responsável por parte dos administradores, demonstrando um compromisso com a resolução ordenada das obrigações da empresa. Além disso, traz mais transparência, com relatórios periódicos e auditorias públicas, aumentando a confiança dos credores e stakeholders. Dependendo da jurisdição, a autofalência também pode oferecer certos benefícios fiscais, como a possibilidade de deduzir prejuízos fiscais ou obter isenções de impostos sobre a liquidação de ativos.
  5. Gestão trabalhista: um dos maiores desafios ao fechar operações no Brasil é o impacto sobre os empregados. Para minimizar riscos trabalhistas, a empresa deve garantir o pagamento adequado de todas as verbas rescisórias, FGTS e outros benefícios previstos por lei, além de buscar soluções negociadas com sindicatos para reduzir a possibilidade de ações coletivas.
  6. Comunicação e reputação: a maneira como o fechamento é comunicado pode influenciar diretamente a reputação da multinacional e de seus sócios no Brasil e no exterior. Um plano de comunicação claro e transparente, tanto com funcionários quanto com stakeholders e o público, ajuda a preservar a imagem da empresa.
  7. Venda de ativos: em vez de um fechamento completo, a multinacional pode considerar a venda parcial ou total de ativos ou a transferência de operações para outra empresa local, o que pode ocorrer por meio de um processo de M&A ou no bojo de uma recuperação judicial. Isso pode ser uma maneira de reduzir os impactos financeiros e assegurar uma saída mais suave do mercado brasileiro.

Exemplos de multinacionais que encerraram operações no Brasil

  1. Heineken (2023): a cervejaria passou por um processo de reestruturação no Brasil, resultando no fechamento de várias fábricas ao longo dos anos, incluindo unidades em Recife (2015), Araraquara (2016), São Paulo (2017), Ponta Grossa (2018), Blumenau (2019), Lages e Itu (2020) e Pacatuba (2023).
  2. Makro (2020-2023): após vender suas lojas para grupos como Muffato, Savegnago e Grupo Pereira, o Makro encerrou oficialmente suas operações no Brasil em 2023.
  3. Ford (2021): a montadora fechou suas fábricas em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE), encerrando mais de um século de atuação no Brasil.
  4. Sony (2021): a empresa descontinuou a produção de eletrônicos no Brasil e fechou sua fábrica em Manaus.
  5. Roche (2019-2021): a farmacêutica suíça encerrou sua unidade no Rio de Janeiro como parte de sua estratégia global de otimização.
  6. Walmart (2018): a gigante do varejo vendeu 80% de sua operação no Brasil para o fundo Advent International após dificuldades no mercado.

*Atualizada às 11h de 31/3/2025 para correção da citação à Mercedes-Benz: não procede a informação de que a empresa encerrou a produção de caminhões em São Bernardo do Campo em 2022. Segundo a montadora, “no ano mencionado, renovamos toda a nossa linha de caminhões a fim de atender a legislação Euro 6. E no ano passado, anunciamos na Fenatran a nova linha de produtos 2025”.

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