Nos últimos anos, testemunhei inúmeras histórias de motoristas que, como todos nós, enfrentam a complexidade do sistema de trânsito e, infelizmente, a falha desse sistema em respeitar os direitos fundamentais. Hoje, um novo capítulo de injustiça se desenrola, com mais de 400 mil motoristas no Estado de São Paulo ameaçados pela suspensão indevida de sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). O que há de errado? Em suma, eles estão sendo penalizados por um erro administrativo, um problema que, em vez de proteger, aflige aqueles que dirigem para trabalhar, sustentar suas famílias e seguir com suas vidas.
Em 2021, uma mudança importante na legislação de trânsito, com a Lei 14.229, trouxe uma nova interpretação para o prazo em que o Detran pode instaurar processos de suspensão da CNH. Antes, o prazo era de cinco anos; agora, em alguns casos, ele foi reduzido para apenas 180 dias. Por ser mais benéfica, a lei deve ser aplicada retroativamente, conforme determina a Constituição, a todos os casos que ainda não transitaram em julgado, trazendo justiça aos motoristas prejudicados.
A questão é simples: a lei foi feita para servir o cidadão e não para punir injustamente. O direito à retroatividade já foi reconhecido pelo Judiciário, que anulou diversas penalidades indevidas aplicadas a alguns dos nossos clientes, consolidando um precedente fundamental para o Estado de São Paulo. No entanto, o Detran ainda insiste em aplicar penalidades contra a lógica da nova legislação, ameaçando o sustento de milhares de brasileiros.
Pensemos na situação de quem, por erro do sistema, enfrenta a possibilidade de perder o direito de dirigir. Imagine o caminhoneiro que, de uma hora para outra, se vê sem a ferramenta de trabalho; o pequeno empresário que depende do carro para visitar clientes; o pai que usa o veículo para levar os filhos à escola. Para todos eles, a suspensão da carteira não é só uma multa a mais; é uma barreira que afeta sua dignidade e seu direito de sustento.
Se uma lei mais recente, como a Lei 14.071/20, aumentou o limite de pontos para suspensão da CNH, de 20 para 40 pontos, e beneficiou motoristas cujos processos ainda não haviam sido finalizados, por que a Lei 14.229 não pode ser aplicada com a mesma justiça? Essa decisão já foi tomada em outras situações, e agora é hora de garantir que esses motoristas sejam respeitados.
Gustavo Fonseca é advogado e Fundador do Doutor Multas