– Em mais uma frase conhecida do seu apurado humor típico inglês, John Maynard Keynes (Cambridge, 5 de junho de 1883 – Tilton, East Sussex, 21 de abril de 1946), disse que “os homens práticos, que acreditam estar livres de qualquer influência intelectual, geralmente são escravos de algum economista morto”.
– Na carona do economista inglês, diria que, geralmente, são escravos de alguma economia morta. Como acontece em nosso país. Políticas econômicas injustas (iníquas), concentradoras de renda, excludentes, ambientalmente predatórias são despidas e exibem descaradamente as suas vergonhas quando uma crise como a que vivemos com o coronavírus se apresenta.
– Austeridade que se transforma em “austericídio”, quando são cortados recursos da saúde, da educação e outros recursos para fins sociais. Foi o que aconteceu com a aprovação da Emenda Constitucional do Teto dos Gastos, derivada da PEC 241, que mexeu na CF88, para instituir o auto-proclamado “Novo Regime Fiscal” (NRF). O tal NRF significa o congelamento, por 20 anos, dos gastos públicos da União, admitindo-se apenas a correção dos valores pela inflação, conforme variações captadas pelo IPCA/IBGE. Apesar de nenhum debate consequente com a sociedade sobre a “nova” política ter sido promovido, não faltaram avisos.
– Na Saúde, pesquisadores da Fiocruz estimaram as perdas em algo situado entre R$ 400 bilhões e R$ 430 bilhões, até 2036. O objetivo da Emenda foi o de conter o crescimento da relação entre a dívida pública e o PIB, através do congelamento da despesa. A dívida pública é o resultado da relação entre gastos e arrecadação, sendo esta última, suscetível à farra da renúncia fiscal com que as corporações são contempladas. Subsídios, incentivos e até frouxidão ante a cobrança de impostos (haja vista a relação de devedores da Receita, um leão manso ou bravo, conforme a caça…).
A Covid-19 entra em cena
Aí, entra em cena a pandemia do novo coronavírus. Faltam médicos e demais profissionais da saúde. Muitos são cruelmente abatidos, por falta de EPIs. Falta de EPIs ou de gastos públicos em EPIs? Preocupação com as favelas, onde o distanciamento social é obstado pela precariedade e proximidade das habitações. Ou por falta de gastos públicos com saneamento, urbanização e habitação popular digna deste nome? Os “homens brancos de terno” que cuidam destas políticas públicas são 100% mercado financeiro, de onde vieram e para onde voltarão. Não conhecem o Brasil real e, apesar do peso das opiniões contrárias, estão satisfeitos e falam em “quando tudo voltar ao normal”. Como “normal” refere-se somente a distribuição de frequência, não sendo sinônimo de natural, nem tampouco de inevitável, questiona-se: como será o mundo neocoronavírus?
O mundo neopandemia de coronavírus
Desde já, são perceptíveis alguns valores que decantarão no mundo neopandemia de coronavírus. Entre os que deverão desaparecer está a necroeconomia neoliberal, a economia do 1% (há uma corretora em Wall Street que se anuncia assim, “a corretora do 1% que realmente importa”).
O secretário-geral da ONU, António Guterres sinalizou algumas alternativas, por exemplo, do que deverá ser prioritário na execução do gasto público ao dizer que, o fim da pandemia “exige o esforço de saúde pública mais maciço da história do mundo.” Acrescentou que todos os novos recursos que sejam desenvolvidos devem ser considerados “um bem público global e essencial.” Os bens públicos caracterizam-se pela condição de indivisíveis e, portanto, não permitem o status de tomadores de preços de mercado. São, e serão cada vez mais, células de negociação entre os agentes econômicos e sociais.
Guterres prevê que o mundo necessita de soluções acessíveis, seguras, universalmente disponíveis, com o compartilhamento de dados e o envolvimento comunitário. Fundamentando as suas previsões, ele acrescentou que, por muito tempo, o mundo sentiu falta de investimentos em ambiente limpo, segurança cibernética e paz.
Aliança global
Uma iniciativa da OMS bem exemplifica a natureza dos processos dispostos no mundo neopandemia de coronavírus. Trata-se da criação da Aliança Global. É uma parceria ampla, entre governos, ONGs e empresas privadas, para buscar a cura da Covid-19. Foram convidados e participaram Melinda Gates, presidente da Fundação Bill e Melinda Gates; Fundo Global contra HIV, Tuberculose e Malária; Aliança Global de Vacinação (Gavi); Cruz Vermelha; Crescente Vermelho; Comunidade Europeia; chefes de Estado ou de governos de diversos países (África do Sul, Itália, Costa Rica, Alemanha, Ruanda, Arábia Saudita, Noruega, Espanha, Reino Unido, G20 e países da União Africana). Banco Mundial; associações científicas e associações de representação industrial (Federação Internacional de Farmacêuticos e Associação Internacional de Medicamentos Genéricos).
Esse é o mundo que se aproxima.
O governo brasileiro não participou. Não foi convidado.
#fiqueemcasa
Bons livros, bons vídeos, boas companhias.
Paulo Márcio de Mello é professor servidor público aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).