EUA decidem hoje novo presidente

Resultado das eleições definirá política externa do país; América Latina e China devem reavaliar estratégia diplomática

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Trump e Kamala no primeiro debate presidencial (Foto: Li Rui/Ag. Xinhua)
Trump e Kamala no primeiro debate presidencial (Foto: Li Rui/Ag. Xinhua)

A eleição para presidente dos EUA termina hoje, quando poderá ser conhecido novo governante do país pelos próximos quatro anos: Kamala Harris, do Partido Democrata, ou Donald Trump, do Partido Republicano.

Como a votação é indireta, nenhum dos eleitores votará hoje diretamente nos candidatos. Já que a disputa presidencial não se baseia apenas no voto popular, mas no sistema conhecido como Colégio Eleitoral. Nesse sistema, o candidato vencedor em cada estado, bem como no Distrito de Colúmbia (onde fica a capital, Washington) recebe os votos aos quais cada estado tem direito dentro do Colégio Eleitoral: ou seja “the winner takes all”, no qual “o vencedor leva tudo”. No caso, todos os votos dos delegados do estado.

Esta quantidade de votos é definida com base no tamanho da população estadual. No Nebraska e no Maine, os candidatos levam os votos proporcionalmente de acordo com os distritos eleitorais em que vencerem.

O colégio eleitoral é formado por 538 delegados. Para vencer, é preciso conquistar 270 votos. Dessa forma, o vencedor não necessariamente é o ganhador no voto popular. Isso, inclusive, já ocorreu em alguns pleitos, como o de 2016, quando o republicano Trump foi eleito tendo quase 3 milhões de votos a menos que a democrata Hillary Clinton.

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A Califórnia é o estado com maior número de delegados, 54. O segundo estado com mais delegados é o Texas (40), seguido da Flórida (30), Nova Iorque (28) e de Illinois e Pensilvânia (19, cada um). Os com menor número são Dakota do Norte, Delaware, Dakota do Sul, Vermont, Wyoming, distrito de Colúmbia e Alasca (3 delegados, cada); Maine, Montana, Idaho, New Hampshire, Virgínia Ocidental, Rhode Island e Havaí (4 delegados, cada).

Se, por um lado, existem estados em que o resultado da disputa costuma ser mais previsível, com eleitores historicamente apoiadores de um ou outro partido, por outro, há estados em que, também historicamente, não há maioria absoluta nas intenções de votos. São os chamados swing states (em tradução livre, “estados pendulares”, onde qualquer partido pode sair vitorioso). Sete estados são considerados pêndulos: Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin.

No caso de um empate de 269 a 269 votos, a Câmara dos Deputados dos EUA escolhe o vencedor, com a delegação de cada estado tendo direito a um único voto.

Outra peculiaridade do sistema eleitoral norte-americano é que alguns estados permitem o voto antecipado, como forma de evitar longas filas e tumulto no dia das eleições. Pelo processo antecipado, o eleitor pode mandar seu voto pelos Correios, até mesmo do exterior, ou depositá-lo em locais predeterminados. Mais de 80 milhões de eleitores votaram dessa forma.

Os reflexos da eleição de hoje vão muito além das fronteiras norte-americanas, tamanha influência que a maior potência militar do mundo tem no cenário externo. Especialistas ouvidos pela Agência Brasil avaliam que tal influência não se restringe às atuais áreas de conflito na Europa e no Oriente Médio. Brasil, América Latina e China também aguardam ansiosamente o desfecho da disputa entre a democrata Kamala Harris, atual vice-presidente dos EUA, e o republicano Donald Trump, que presidiu o de 2017 a 2021, para traçar, de forma mais precisa, seus planos estratégicos na relação com o próximo governante norte-americano.

O pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os EUA (Ineu) e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Goulart Menezes, explica que, para o Brasil, efeitos mais significativos poderão ocorrer caso o vencedor das eleições seja o republicano.

“Trump, se eleito, será um presidente de extrema direita que tenderá a reforçar laços e vínculos com a extrema direita de países latino-americanos. Algo preocupante, pois não ocorre há uns 15 anos, é o risco de ele promover, na região, candidaturas contrárias à democracia, tanto na América da Sul como na América Latina em geral”, disse à Agência Brasil o pesquisador, que tem doutorado em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).

Professor do Departamento de História da UnB, Virgílio Caixeta Arraes avalia que, independentemente de quem vencer a eleição, a relação com o Brasil será a mesma: “teremos importância secundária para os EUA”, disse Arraes. “Com exceção de poucos países da América Latina e Caribe, como México, Venezuela, Colômbia ou Cuba, por motivos diferentes, a atenção de Washington para a região é menor que a de outras localidades do planeta, como o Oriente Médio ou o Sudeste Asiático.”

Para Goulart Menezes, do Instituto Nacional de Estudos sobre os EUA, é possível que os EUA façam maior pressão nos países portuários da América do Sul, a fim de dificultar a entrada de produtos chineses e, consequentemente, a ampliação da influência política chinesa na região.

A tendência é que, independentemente de quem for o vencedor, seja mantida a política de pressão sobre a China, disse o professor.

Nesse sentido, diante dos avanços da China na América Latina e, e especial, na América do Sul, os EUA têm considerado arriscada a presença daquela potência na região. Portanto tenderá a fazer pressão em países portuários como Brasil e Peru, na tentativa de afastar os chineses comercial e politicamente”, disse o pesquisador.

Segundo Goulart Menezes, todas essas questões – econômica, comercial, política e até mesmo ambiental – resumem-se à mesma tese argumentativa, por parte dos norte-americanos: riscos à própria segurança.

“O tema que mais mobiliza os EUA ainda é o da segurança. Até porque eles costumam pegar temas que nada têm a ver com segurança e tratam de criar uma associação. É o caso, por exemplo, da migração e das drogas. Ao abordarem os temas dessa forma, os EUA sempre responsabilizam outros governos e, de alguma forma, dizem que implicam riscos à segurança do país”, argumentou Menezes.

“No caso da relação com o Brasil, que tem como tema chave de suas políticas a questão ambiental, esta também vira uma questão de segurança. Se o Trump vencer, retomará a retórica negacionista, associando a pauta ambiental à economia. Portanto, de segurança para os EUA. Veja bem: Trump não trata o tema ambiental como uma questão de sobrevivência ou de crise climática, mas como meio para aumentar o potencial econômico dos EUA”, acrescentou.

Na avaliação do historiador Caixeta Arraes, a China é uma pedra no sapato dos EUA. A forma de lidar com a situação, tanto da candidata democrata Kamala quanto do republicano Trump, é uma questão de intensidade a ser aplicada em cada situação a ser enfrentada.

“Com a China, apesar de os dois países vivenciarem meio século de aproximação, o quadro não é animador porque o avanço de Pequim no mercado internacional e na geopolítica regional incomodam Washington, haja vista aliados como Tóquio, ou Seul, ou Taiwan, por exemplo”, disse o historiador.

“Contudo, nenhum dos dois partidos tem de fato política efetiva de contenção ao crescimento da China. Ora apela-se a direitos humanos, ora à questão ambiental, ou ainda a regras comerciais internacionais, ou então à tensão militar. A diferença entre os dois partidos é na calibragem dos componentes do poderio à disposição”, disse o historiador.

Dois conflitos chamam de forma mais intensa a atenção na política externa estadunidense: o de Israel, parceiro estratégico dos EUA, contra a Palestina e contra o Líbano; e aquele entre Rússia e Ucrânia.

“No Oriente Médio, a política dos EUA é uma política de Estado. Não de governo. Portanto, não se alterará nenhuma linha geral, a despeito do partido político vencedor”, destacou Caixeta Arraes.

Opinião semelhante sobre o conflito no Oriente Médio tem Goulart Menezes. Segundo o pesquisador, com relação a esse conflito não há nenhuma diferença entre Republicanos e Democratas. “O apoio norte-americano a Israel é incondicional”, enfatizou.

Ele explicou que, atualmente, o que há de diferente é o fato de Israel viver um momento em que sua margem de autonomia em relação aos EUA está maior. “Israel sempre foi dependente de fornecimento de armas vindas dos EUA. Ao dar esse apoio, os EUA conseguiam direcionar certas ações de Israel. Atualmente, eles ainda têm alguma rédea, mas em parte, ela não tem mais efeito”, disse Menezes.

O pesquisador acrescentou que essa perda, ainda que sutil, de influência sobre as ações militares de seu parceiro estratégico é percebida, inclusive, em meio às ameaças dos EUA de suspender a ajuda em caso de ataque de Israel a civis palestinos e libaneses. “Vemos que, mesmo assim, as tropas israelenses continuam fazendo seus ataques, e que o apoio dos EUA no Conselho de Segurança da ONU se mantém”.

Menezes citou como exemplo o veto norte-americano à proposta de paz apresentada pelo Brasil para o conflito. “Foi uma proposta muito boa que, inclusive, recebeu sinal de apoio da Inglaterra e da França, ainda que na forma de abstenção. “O que vemos é os EUA continuando a enviar armas e dinheiro para apoio militar a Israel. Apoio este que se deve à relação histórica entre os dois países, bem como ao lobby israelense na política e nas eleições norte-americanas. Vale lembrar que é bem forte presença de judeus de diversas nacionalidades no sistema financeiro”, explicou Menezes.

Há, portanto, “certa pressão por meio do poder econômico”, acrescentou o professor, ao lembrar que, por outro lado, há também muitos judeus, tanto nos EUA como em outros países, com posicionamento crítico em relação à postura de Israel neste e em outros conflitos. “Essa pressão está cada vez maior nos EUA”.

Quanto à guerra entre Rússia e Ucrânia, as expectativas são diferentes entre republicanos e democratas. “Caso Trump retorne à Casa Branca, a política externa poderá mudar no Leste da Europa. O aspirante republicano disse que, caso vença, vai reduzir de maneira gradativa o socorro financeiro e militar e, por conseguinte, a inclinação política. Em caso de vitória da democrata, o apoio à Ucrânia mantém-se no mesmo patamar”, afirmou Caixeta Arraes.

Na avaliação de Menezes, caso Trump vença a disputa, a postura do republicano nesse conflito será oposta à dos democratas. “Ele já acenou com a retirada de apoio à Ucrânia. Não sabemos se ela será gradual ou abrupta, mas sabemos que, com isso, a guerra tomará outro curso.”

Quando o assunto é economia, para Carolina Bohnert, especialista em investimentos e sócia da The Hill Capital, as eleições americanas trazem incertezas, mas também abrem possibilidades para mudanças significativas.

“Na minha visão, as eleições sempre trazem incertezas, mas também oportunidades para mudanças significativas”, afirma. Segundo Bohnert, o resultado eleitoral influencia nas decisões do Federal Reserve, o que pode afetar diretamente a economia brasileira. “Um dólar forte pode prejudicar a competitividade das exportações brasileiras, afetando negativamente a bolsa”, alerta a especialista.

A disputa eleitoral, marcada pela polarização, tem, segundo Idean Alves, planejador financeiro e especialista em mercado de capitais, um papel decisivo no comportamento do mercado brasileiro. Ele enfatiza o papel crucial dos eleitores indecisos na definição do resultado, que é apontado como um dos mais equilibrados das últimas décadas. Além disso, Alves observa que o desempenho recente do índice S&P 500 sugere um viés de continuidade do governo democrata, embora tenha havido erros em previsões passadas.

“O S&P 500 aponta para a manutenção do governo democrata com a vitória da Kamala Harris, com o índice tendo subido mais de 10% recentemente. Tal parâmetro errou apenas quatro vezes em 96 anos, inclusive na eleição de 2020 quando o Biden foi eleito e as apostas eram em Trump, então será realmente um resultado bem apertado”, diz.

Na análise dos possíveis vencedores, os especialistas apontam cenários distintos para o mercado brasileiro. Caso Donald Trump retome a presidência, Bohnert acredita que o agronegócio brasileiro poderia sair fortalecido. “Os ramos da economia voltados para a exportação de matérias-primas, com destaque para o setor agrícola e pecuário, estão propensos a colher vantagens. Este segmento em particular experimentou ganhos significativos durante o período de tensões comerciais envolvendo a China”, elucida.

Empresas como SLC Agrícola e BrasilAgro, focadas no setor de grãos, poderiam ser impulsionadas pelo aumento da demanda chinesa, que tradicionalmente busca alternativas ao mercado americano em períodos de tensão. Além do agronegócio, a mineração também ganharia destaque, com empresas como a Gerdau podendo capitalizar sobre o aumento dos preços do aço. “A Braskem, que tem parte de sua receita em dólar, poderia ser beneficiada”, completa Bohnert.

Já com a possível eleição de Kamala Harris, Alves sugere um posicionamento mais cauteloso para o investidor brasileiro. Ele recomenda focar em empresas pagadoras de dividendos, que oferecem maior previsibilidade de receita. “O governo democrata já é mais austero, e portanto a busca por segurança através de empresas que ajudam a compor patrimônio acaba sendo uma alternativa mais intuitiva”, explica Alves. Segundo ele, setores como energia elétrica, saneamento básico e seguradoras poderiam oferecer uma base mais sólida em um cenário de governança mais rígida e de controle inflacionário.

Independentemente do resultado, os especialistas concordam que a eleição nos EUA trará volatilidade para o mercado global, e o Brasil não ficará imune a esse movimento. E fato é que o investidor deve estar preparado para ajustar suas estratégias conforme o desenrolar dos eventos nos EUA.

Com informações da Agência Brasil, citando a Reuters

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