Everardo Maciel: o processo tributário é o principal problema

609
Everardo Maciel (foto de Orlando Brito, divulgação)
Everardo Maciel (foto de Orlando Brito, divulgação)

O Monitor Mercantil publica hoje a primeira das quatro partes de entrevista exclusiva feita com Everardo Maciel, secretário da Receita Federal nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002). Conversamos sobre os projetos de reforma tributária que estão em discussão no Congresso Nacional e sobre os principais problemas do sistema tributário brasileiro.

 

Processo tributário

Todos os sistemas tributários do mundo têm problemas, todo o tempo. Explico o porquê. Sistemas tributários são construções essencialmente políticas, pois estão assentados em leis aprovadas por parlamentos. Como bem se sabe, em um parlamento ocorrem conflitos de razão e conflitos de interesses.

Espaço Publicitáriocnseg

Além disso, com o tempo, os sistemas tributários vão ficando inadequados às novas circunstâncias. Por exemplo, provavelmente teremos em breve uma grande mudança na tributação da renda corporativa no mundo. Isso em decorrência de uma combinação de globalização, constituição de megaconglomerados com o deslocamento de lucros para paraísos fiscais e revolução tecnológica. Portanto, os sistemas tributários terão que se ajustar a essas novas realidades.

No caso brasileiro, poderíamos distribuir os problemas do sistema tributário em quatro categorias: processo tributário, burocratismo tributário, federalismo fiscal e, por fim, os problemas específicos de tributos. Sem um diagnóstico adequado, se faz uma enorme confusão entre esses problemas, o que não permite vê-los com clareza.

Se fosse possível estabelecer uma hierarquia de problemas no sistema tributário brasileiro, o processo seria o mais relevante deles. Não é razoável que tenhamos, como tínhamos ao final de 2018, valores em litígio que somam, apenas no âmbito federal, R$ 3,44 trilhões, valor que corresponde a mais da metade do PIB brasileiro. Este é um problema fantástico para o qual nunca se dá a devida atenção.

Existem várias razões para enorme disfunção. No anteprojeto do Código Tributário Nacional, havia menção ao processo. No projeto, já diminuiu bastante, e no próprio código, desapareceu completamente. Tentou-se tratar novamente desse assunto, mas por uma via errada, que criou um constrangimento que persiste até hoje. Foi quando se estabeleceu a integração entre os processos tributários administrativo e judicial, por meio da Emenda Constitucional 7, de abril de 1977, conhecida como Pacote de Abril. Como a promulgação dessa Emenda foi feita com o Congresso em recesso, acabou inviabilizando politicamente seu disciplinamento na legislação ordinária.

A disfunção do processo tributário tem várias origens. A primeira delas está associada ao fisco, pois não existem limites para o lançamento tributário, ou seja, é possível lavrar-se um auto de infração de forma irrestrita. O problema passa a ser do contribuinte. É por isso que existem inacreditáveis autos de infração de R$ 12 bilhões. Trata-se de um poder ilimitado.

A segunda disfunção está associada ao contribuinte: é a indústria das teses. Todo dia se inventa uma tese diferente. Existe um clima propício para isso. Nós temos uma extensão muito grande da matéria tributária na Constituição, o que faculta discussões intermináveis.

Para que se tenha uma ideia, o número de palavras do capítulo tributário da Constituição brasileira é o dobro do número de palavras de toda a Constituição americana, que, por sua vez, não tem uma palavra sobre tributo. Nos Estados Unidos, a tributação é matéria infralegal, e não constitucional. Essa anomalia em nossa legislação tributária abre espaço para se litigar indefinidamente. A duração média de um processo, desde a discussão em primeira instância, onde se questiona a constitucionalidade de uma determinada matéria tributária, até o desfecho no Supremo, é de 19 anos.

A terceira disfunção, que decorre da combinação das duas outras, é a insegurança jurídica em relação aos conceitos básicos de qualquer sistema tributário. Por exemplo, o que é indenização? O que é receita bruta? O que é faturamento? São conceitos elementares, mas que precisam ser muito precisos para não serem sujeitos a interpretações.

Há uma decisão em um momento, e, pouco tempo depois, há outra completamente diferente. É uma grande instabilidade interpretativa e insegurança jurídica, que nada têm a ver com o direito material, ou seja, com a natureza dos tributos. Para mim, o problema do processo tributário seria a questão prioritária, mas é um assunto muito técnico que as pessoas não querem muito discutir. É mais interessante divagar sobre o IVA.

Leia a segunda parte: Contribuinte gasta tempo tentando não pagar imposto

Por Jorge Priori.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui