Conversamos com Rogério Sobreira, economista-chefe do Banco do Nordeste, sobre a sua expectativa para a próxima reunião do Copom, que será realizada nos dias 18 e 19 de março. Atualmente, a Selic está em 13,25% ao ano.
Em conformidade com o último boletim Focus, divulgado no dia 10, o mercado financeiro tem a expectativa de que a Selic feche 2025 a 15% e 2026 a 12,50%. Com relação à inflação, a expectativa é de 5,68% para 2025 e 4,40% para 2026. Depois dessa reunião, o Copom voltará a se reunir nos dias 6 e 7 de maio.
Qual a expectativa do Banco do Nordeste para a reunião do Copom da próxima semana?
Respondendo de forma direta e sem maiores rodeios, a expectativa é que o Copom siga os critérios estabelecidos e aumente a Selic em um ponto percentual, que passaria para 14,25% ao ano. Isso se deve a duas razões. Primeiro, apesar do câmbio, que é uma variável que pode pressionar a inflação, ter perdido um pouco de força desde a última reunião, não dá para cravar que esse movimento vai continuar. Segundo, a desinflação está se dando, de fato, de uma forma bastante lenta, sendo que as expectativas ainda estão bastante desancoradas.
Se o Banco Central, eventualmente, não chancelar o que ele mesmo disse que faria na próxima reunião, a autoridade monetária pode ter um custo reputacional significativo. Valeria a pena pagar esse custo se os determinantes de comportamento de curto prazo da inflação tivessem sofrido uma melhora significativa, mas esse não é o caso.
Qual a expectativa do Banco do Nordeste para o comportamento da inflação em 2025?
Para responder essa pergunta, nós precisamos olhar para o comportamento da inflação em 2024, que sofreu a atuação de três grandes forças. A primeira foi os efeitos de choques de oferta, especialmente em função de questões climáticas, como secas e queimadas. A segunda, que também foi um efeito de choque de oferta, só que mais pronunciado no último trimestre, foi o câmbio, que sofreu uma depreciação mais acentuada. A terceira foi a demanda agregada. Por exemplo, os preços que são mais determinados pelo impulso da demanda agregada, em especial Serviços, seguiram uma toada de expansão.
Dito isso, como não estamos esperando que os choques de oferta climática de 2024 se repitam em 2025, este determinante estaria fora do esquadro. Com relação ao câmbio, em que pese o dólar ter invertido a sua tendência de valorização de um mês para cá, o que poderia sugerir que o câmbio deixou de ser uma variável de pressão sobre os preços, esse comportamento ainda está envolto em muita incerteza. Por enquanto, nós temos dois grandes cenários. No primeiro, a economia americana perde força e o Fed passa a cortar os juros básicos mais do que se esperava, o que ajudaria a não valorizar o dólar. Nesse caso, o câmbio deixaria de ser um elemento de pressão sobre os preços. No segundo, igualmente provável, já que não temos elementos para apostar mais em um cenário do que no outro, vencida a turbulência recente, nós voltamos para o quadro anterior onde a economia americana volta a acelerar e o dólar passa a seguir uma trajetória de valorização.
Outro ponto a ser observado é que um câmbio desvalorizado estimula as exportações, o que funciona como um fator de pressão sobre os preços. Essa é uma das razões que explica o comportamento negativo dos preços dos alimentos, sendo que isso também continua na mesa.
Com relação à demanda agregada, se por um lado ela tem o efeito do aperto monetário, que tende a diminuir a sua pressão sobre os preços, por outro nós temos a questão do impulso fiscal. Por mais que o governo tenha dado sinais de que implementou algumas medidas que vão na direção de diminuir o impulso fiscal, ainda não está plenamente evidente de que isso vai ser assim ao longo deste ano.
Sendo assim, a nossa expectativa é que a inflação deste ano tenha um comportamento muito semelhante ao que foi observado em 2024, com um viés de alta. Nós não vemos uma inflação que converge para a vizinhança da meta neste ano. Muito provavelmente, ela vai ficar acima da meta e muito próxima do que foi observado em 2024.
A inflação está sob controle?
Definindo controle como uma situação onde a inflação não aponta para uma tendência mais explosiva, digamos assim, ela está sob controle, mas nós vemos dificuldades. Isso porque o quadro não é exatamente otimista no sentido de vermos a inflação convergindo para a meta definida, mas isso não quer dizer que estamos vendo a inflação evoluindo em uma trajetória explosiva. Definitivamente, esse não é o caso.
O comportamento da inflação do Nordeste é o mesmo da inflação do Brasil?
Ao longo de 2023 e em boa parte de 2024, a inflação do Nordeste se comportou de forma mais benigna do que a inflação do Brasil. No entanto, no final de 2024, em especial em dezembro, nós percebemos que um item começou a ter um comportamento pior no Nordeste em comparação ao Brasil: alimentos.
A inflação de Alimentos, o primeiro grupo do IPCA, começou a apresentar uma trajetória menos benigna do que a trajetória apresentada no Brasil. As duas inflações são ruins, mas a inflação do Nordeste começou a descolar um pouco da inflação do Brasil, sendo que os dois últimos IPCAs mostraram que essa mudança permanece. Nós ainda não conseguimos identificar o porquê dessa mudança, mas o grupo de Alimentos passou a se comportar de uma forma pior.
Nos demais grupos, ora o Nordeste tem uma trajetória mais benigna, ora pior. Por exemplo, no final de 2024 houve uma maior convergência do comportamento desses grupos no Nordeste em relação ao observado no Brasil. Ou seja, se a inflação do Nordeste vinha correndo abaixo da inflação no Brasil, essa vantagem desapareceu no final do ano passado. Tanto foi assim que os dois últimos IPCAs mostraram o Nordeste tendo uma alta de preços ao consumidor levemente maior que o Brasil.
A pergunta que nos fazemos, e que não temos elementos suficientes para respondê-la, é se estamos diante de uma mudança estrutural, que vai estabelecer um novo padrão de inflação do Nordeste ao longo de 2025, ou se essas razões são mais localizadas, de modo a que, no restante do ano, talvez a partir do segundo trimestre, o comportamento do IPCA da região volte a refletir o que foi observado ao longo de 2023 e em boa parte de 2024.
Como você tem visto o comportamento dos títulos públicos? Por exemplo, o Prefixado 2028 está sendo negociado a 14,51% e o IPCA+ 2029 está sendo negociado com uma taxa fixa de 7,59%. Qual é a mensagem que essas taxas estão enviando?
Essas taxas sinalizam um nível de incerteza muito grande, principalmente em relação à inflação. Quanto maior a incerteza, mais o comprador do papel vai pedir de prêmio para acomodar eventuais pioras na trajetória de inflação e, por conseguinte, na trajetória de juros. Para mim, isso é um sinal claro de que o nível de incerteza que estamos vivendo, não só em relação ao Brasil, mas também em relação ao exterior, está muito alto.
Muitas pessoas sugerem que esses prêmios são uma maior aversão ao risco em relação à possibilidade de que os papeis não sejam pagos pelo Tesouro. Na minha opinião, esse elemento está inteiramente fora do cenário, pois ninguém, em sã consciência, consegue imaginar um cenário onde o Tesouro não honre o pagamento dos seus papeis. Quando os tomadores pedem taxas desse tamanho, eles estão informando que possuem dúvidas a respeito do fiscal e da trajetória das contas públicas, e, em especial, do que isso implica em termos de comportamento da inflação e dos juros no futuro.
No geral, essas taxas refletem um ambiente econômico, tanto doméstico quanto externo, profundamente deteriorado. Existe uma dificuldade muito grande dos compradores desses papeis em perceberem para onde o vento está apontando e em que intensidade. Por exemplo, depois das últimas medidas tomadas pelo governo americano, que carregam uma erraticidade muito grande e que colaboram para o aumento da volatilidade e da incerteza, ficou muito difícil definir para onde as coisas vão. Não é à toa, e isso é paradigmático dessa situação, que, no começo do ano, a mediana da opinião do mercado dos Estados Unidos a respeito do crescimento do país estava em torno de 2,6%, 2,9%, mas em um mês tenha se transformando em uma expectativa de recessão de -2,3%.
São raros os episódios na história de qualquer economia onde as expectativas dos agentes tenham sofrido uma deterioração tão forte em um espaço de tempo tão curto.
A Selic é efetiva ou parcialmente efetiva no combate à inflação?
Existem vários canais de transmissão da política monetária, mas no caso do Brasil, parte desses canais se comportam de modo mais distante daquilo que foi definido nos manuais de economia monetária. Isso porque o Brasil possui créditos de bancos públicos e bancos de desenvolvimento que, de certo modo, diminuem a potência da política monetária. Existe também a própria questão da política fiscal, que, muitas vezes, dá um sinal distinto do sinal da política monetária, e a incerteza que faz com que os contextos nos quais a autoridade monetária opera e faz as suas projeções fiquem mudando de forma muito intensa e em um prazo de tempo muito curto, o que colabora para que a política monetária seja menos efetiva.
Vale dizer que o Brasil tem uma situação fiscal, que foi fortemente agravada após a pandemia, muito semelhante a de alguns países. Os imensos gastos, que foram feitos para compensar os efeitos negativos da pandemia, ainda não foram digeridos por nenhuma economia relevante. Dependendo da economia analisada, ela tem uma permanência em maior ou menor grau de políticas compensatórias, que são muito difíceis de serem removidas. Isso ajuda a explicar o porquê de governos do mundo inteiro estarem sendo tão recalcitrantes em corrigir a intensidade do sinal positivo das suas políticas fiscais.
Esse problema não é só no Brasil. Nos Estados Unidos e na Zona do Euro, as políticas monetárias têm se mostrado muito menos efetivas e muito mais sujeitas à surpresa do que antes da pandemia. Em um contexto eivado de incertezas, é difícil para qualquer police maker se sentir seguro para calibrar o sinal da política fiscal. Não é apenas isso, mas isso tem um papel muito importante na explicação da menor efetividade das políticas monetárias no pós-Covid.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
A nossa expectativa, tanto para a inflação quanto para o nível de atividade, é moderadamente otimista. Por mais que o nível de incerteza esteja muito grande, nós não vemos razões para achar que o cenário vai se deteriorar. Ao contrário, o cenário tende a melhorar, mas talvez não no ritmo que todos gostariam. Por mais que tenhamos bons números, como o crescimento do PIB, da massa de salário e do emprego formal, e a taxa de desemprego esteja em um nível muito baixo, o país ainda possui desafios importantes a serem endereçados de forma adequada, já que é muito difícil uma economia operar com uma taxa de juros real de 7,5%. É por isso que temos cautela no nosso otimismo.