Famílias ampliam endividamento para conter a inadimplência

Uso de carnês cresce como alternativa ao cartão de crédito; aumento do percentual de endividados foi maior entre famílias com menor renda

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Carteira com cartões de crédito (Foto; Wilson Dias/ABr)
Carteira com cartões de crédito (Foto; Wilson Dias/ABr)

Mesmo com o crescimento do número de famílias endividadas pelo segundo mês seguido, a inadimplência não avançou em março. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 77,1% das famílias relataram ter dívidas a vencer – maior patamar desde setembro do ano passado -, mas a parcela inadimplente ficou estável em 28,6%. Já o percentual de famílias que não terão condições de pagar dívidas vencidas recuou para 12,2%.

Para o presidente da CNC, José Roberto Tadros, o resultado revela esforço das famílias para manter o controle financeiro mesmo diante das pressões do orçamento.

“O crédito tem papel fundamental no orçamento das famílias e no fomento ao consumo, mas precisa ser utilizado com planejamento, principalmente em um cenário de juros elevados. O avanço do endividamento com estabilidade da inadimplência sinaliza maior consciência no uso do crédito”, afirma.

A CNC projeta que essa tendência deve continuar ao longo do ano. A expectativa é de aumento de 2,5 pontos percentuais no endividamento até o fim de 2025, em relação ao início do ano, impulsionado por maior confiança no consumo e pela necessidade de reorganização financeira. A inadimplência, por sua vez, deve recuar marginalmente, com previsão de queda de 0,7 ponto percentual nos 12 meses.

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O levantamento também mostra que o tempo de inadimplência está diminuindo: 47,6% dos inadimplentes estão com dívidas em atraso há mais de 90 dias – o menor nível desde maio de 2024. Ao mesmo tempo, o comprometimento da renda com dívidas se manteve em 29,9%, e 20,8% das famílias afirmam comprometer mais da metade da renda com o pagamento dessas obrigações.

Embora o cartão de crédito continue sendo a modalidade mais utilizada (presente em 83,7% dos endividados), ele perdeu espaço em relação ao ano passado. Em contrapartida, os carnês voltaram a crescer e se mantêm como a segunda principal forma de endividamento das famílias. A modalidade ganhou 1,3 ponto percentual na comparação anual.

Para o economista-chefe da CNC, Felipe Tavares, isso reflete que as famílias estão tendo mais dificuldade de acessar fontes formais de crédito e acabam optando por modalidades alternativas, porém com juros maiores.

“A alta dos carnês e do crédito pessoal mostra que o consumidor está buscando formas alternativas, porém mais caras, de conseguir empréstimos para manter o consumo ou quitar dívidas”, explica.

Outro sinal de mudança é o encurtamento dos prazos das dívidas. O percentual de famílias com compromissos superiores a um ano caiu para 34,4% – menor nível desde agosto de 2024 -, enquanto cresceu o número de dívidas com vencimento entre três meses e um ano, indicando preferência por prazos mais curtos.

Entre as faixas de renda, o maior avanço do endividamento ocorreu entre famílias que recebem até três salários mínimos (1,0 p.p. em relação a março de 2024). Já os consumidores com renda entre 5 e 10 salários apresentaram a maior queda da inadimplência (-1,1 p.p.). Acima dos 10 salários mínimos, houve leve aumento tanto da inadimplência quanto da parcela que não conseguirá quitar dívidas vencidas.

No recorte por sexo, o endividamento cresceu entre homens (0,5 p.p.) e mulheres (0,9 p.p.). No entanto, os homens registraram queda da inadimplência e melhora da capacidade de pagamento. Já entre as mulheres, houve aumento da inadimplência e da percepção de que não conseguirão pagar os débitos vencidos.

Já de acordo com a Pesquisa do Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), com mais recursos no orçamento doméstico, as famílias paulistanas parecem mais dispostas a fazer novas despesas: em março, o volume de lares endividados na cidade subiu 1,5 ponto porcentual (p.p) em comparação com fevereiro, passando de 67,7% de casas nessa situação naquele mês para 69,2% agora.

No entanto, considerando que o endividamento no cartão de crédito permanece estável (81,5% dos casos), essa elevação não significa que as famílias em São Paulo estejam mais dependentes dessa modalidade para pagar contas – sobretudo em um contexto de alta nos preços da comida. Na verdade, como o mercado de trabalho está aquecido (6,2% de desempregados, segundo o IBGE, no trimestre encerrado em dezembro) e a renda média do Brasil subiu no ano passado (4,3%, segundo o Ipea), o número indica um aumento no consumo.

“E se, por um lado, subiu timidamente o volume de lares com dívidas atrasadas – de 19%, em fevereiro, para 19,3%, agora -, como consequência do próprio contexto de endividamento, por outro, caiu substancialmente o número de famílias que não reúnem condições de arcar com as contas vencidas: a taxa está em 8,1%, a menor desde agosto passado”, diz a análise.

Na verdade, a análise da Fecomércio-SP observa que o contexto atual na cidade é de estabilidade financeira das famílias. Isso se vê, por exemplo, no porcentual do orçamento desses lares comprometido com dívidas, que segue abaixo dos 30%. Em março de 2023, essa taxa era de 31,7%. Outro fator é o tempo em que esses recursos ficam despendidos com despesas, que caiu para 7,5 meses – em fevereiro, era de 7,6, e no mesmo mês de 2024, de 7,9 meses.

O fato de o tempo médio de atraso nas dívidas permanecer estável em 63,2 dias. No mesmo mês do ano passado, esse número era 66,2 dias. Isso significa que o juro rolado com a despesa ainda não paga tenda a ser menor, o que favorece um retorno mais rápido da família ao ambiente de consumo.

Assim como havia sido em fevereiro, a intenção de contrair crédito no sistema financeiro segue em queda na capital paulista. Em fevereiro, quando a Fecomércio-SP perguntou às pessoas sobre essa busca, 17% delas disseram ter planos de contratar financiamentos no médio prazo.

Em março, porém, esse número caiu para 15,5%. A pesquisa está em retração, na verdade, desde novembro de 2023, quando chegou a bater os 21%. Da mesma forma, quase a totalidade (89%) pretende usar o dinheiro emprestado para ir às compras – o que reforça o aquecimento da economia, de uma certa forma. A queda, porém, também aponta para a cautela que as pessoas estão adotando em um contexto de inflação elevada, sobretudo dos alimentos.

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