Países da América Latina, sobretudo o Brasil, têm evoluído no combate à fome, mas, em nações da África, a insegurança alimentar continua a crescer e é dever do G20 buscar soluções para a fome, afirmou ontem o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Qu Dongyu. Ele participou da abertura oficial do encontro do Grupo de Trabalho da Agricultura do G20, realizado em Cuiabá, em Mato Grosso.
Dongyu lembrou que um dos principais valores do G20 – grupo das maiores economias do mundo – é servir como uma arena de coordenação política entre as maiores economias globais. Observou, porém, que o mundo ainda está distante de atingir o estado de “fome zero” determinado pelas metas de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. “Precisamos intensificar a assistência alimentar enquanto se desenvolvem e implementam estratégias que protejam o meio ambiente e gerem rendas justas aos produtores rurais”, disse.
A FAO indicou como retrocessos e desafios no combate à fome os 25 milhões de pessoas que sofrem insegurança alimentar no Sudão em razão de conflitos, assim como os 2,2 milhões de pessoas na Faixa de Gaza que precisam de comida e assistência para sua sobrevivência. A instituição citou, ainda, os cerca de um milhão de pessoas que estão diante da emergência alimentar em cada um desses países: Afeganistão, República Democrática do Congo, Mianmar, Sudão do Sul, Haiti e Nigéria. “Não podemos falhar com eles”, disse Dongyu.
Após dois dias de trabalhos preparatórios, o Grupo de Trabalho da Agricultura do G20 foi oficialmente aberto ontem com a presença, além de Dongyu, dos ministros da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. Em novembro, a reunião de cúpula do G20 irá reunir no Rio de Janeiro as principais lideranças globais.
A insegurança alimentar atinge hoje cerca de 10% da população brasileira, situação que poderia ser mitigada por meio da ampliação da redistribuição de alimentos. Estudo realizado pelo Movimento Todos à Mesa, primeira coalizão de empresas voltadas ao combate do desperdício de alimentos, mostra que é possível reduzir o impacto da fome no país por meio de um conjunto de boas práticas.
Tais ações, aliadas à melhoria de indicadores econômicos e à elaboração de políticas públicas favoráveis às doações, podem tirar da insegurança alimentar grave ou moderada de cerca de 3 milhões de brasileiros.
O relatório traz importantes insights como: o Brasil tem mais de 20 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave e moderada; mesmo com a melhoria recente da fome no país, Brasil ainda é relevante no mapa global da fome, ocupando o 15° lugar no ranking global.
A redistribuição de alimentos, foco da discussão, é uma entre várias medidas necessárias na prevenção e combate à fome; porém, hoje, doações de alimentos representam menos de 1% do total de alimentos desperdiçados no Brasil, abaixo dos níveis de países vizinhos; quando cruzamos o desperdício reaproveitável com as áreas de maior vulnerabilidade, vemos que há ainda muita oportunidade para aumento de doações. O estudo traz um importante olhar de que é factível crescer o volume redistribuído em três vezes, chegando a 600 ktons ao ano – nos próximos cinco anos -, suficientes para impactar mais de três milhões de pessoas – 15% da população com insegurança alimentar grave/moderada; para absorver maior volume de doações, é necessário o aperfeiçoamento e crescimento da rede de redistribuição. O caminho até a meta requer crescimento gradual do volume de doações e esforços em todos os elos do ecossistema. Os ambientes tributário, regulatório e de engajamento já reúnem condições propícias às doações, embora avanços sejam necessários.
De acordo com a co-fundadora do Movimento Todos à Mesa, Alcione Pereira, a sociedade está cada vez mais engajada nesse sentido. “Enfrentar a insegurança alimentar é uma questão urgente, que exige atenção e ação imediata. No Brasil, mais de 8,7 milhões de pessoas sofrem com a falta de acesso regular a alimentos, resultando em fome, enquanto 20,6 milhões convivem com a insegurança alimentar grave ou moderada – que indica uma redução na qualidade e quantidade do que é consumido”, aponta a cofundadora do Movimento. “O reaproveitamento é uma das medidas necessárias na prevenção e combate à fome, que vai desde frutas e legumes fora dos padrões estéticos, até produtos próximos à data de validade ou itens com embalagens danificadas, mas ainda em boas condições de consumo”, avalia.
Segundo o estudo, o nível de doação de alimentos no Brasil representa menos de 1% do desperdício – um número abaixo em comparação a outros países da América Latina, como Colômbia e México, e significativamente abaixo dos EUA.
“Para absorver maior volume de doações, é necessário o aperfeiçoamento e crescimento da rede de redistribuição com três grandes frentes: a melhoria da produtividade de operadores atuais, a criação de 150 novos bancos de alimentos e associações para a distribuição e a atuação pulverizada via distribuição direta”, diz Alcione.
O estudo analisou diversas fontes de dados públicos, entre elas Pnad, IBGE, Vigisan, FAO, World Food Programme, Nações Unidas, Receita Federal, entre outros; e analisados mais de 20 leis e projetos em tramitação, além de benchmarking com países e instituições de referência na redistribuição de alimentos e combate à fome.
Com informações da Agência de Notícias Brasil-Árabe