“Ao manter a decisão de acabar com o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), o Governo Federal coloca uma parte fundamental dos serviços, a de eventos, em um contexto de total incerteza – tanto no aspecto econômico, já que as empresas do segmento contavam com a manutenção dos benefícios fiscais previstos até o início de 2027, quanto no jurídico, na medida em que a prorrogação do programa havia sido ratificada pelo Congresso.” É o que diz nota da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP).
Segundo a entidade, “pior do que isso é o fato de a revogação do programa ter como motivação principal a necessidade de aumentar a arrecadação de um estado que já conta com um orçamento de 40% do Produto Interno Bruto, considerando os juros. É mais uma demonstração da importância de repensar os gastos públicos como um todo e, mais do que isso, em uma ampla modernização estatal.”
Para a Fecomércio-SP, há um consenso entre especialistas e observadores do setor do turismo brasileiro, por exemplo, que o Perse contribuiu significativamente, nos últimos anos, para manter os investimentos das empresas, renegociar as dívidas e gerar novos postos de trabalho após o período pandêmico.
“Naquele contexto de crise sanitária, tão restrito quanto viajar era a organização de eventos – e, nesse sentido, essas atividades foram dramaticamente afetadas, perdendo o grosso das receitas em um intervalo de dois anos. Em 2023, porém, o turismo, em que se situam os players do segmento de eventos, estabilizou uma recuperação, com um faturamento 7,8% maior do que o de 2022. Esse resultado positivo se deve, em parte, à ajuda fornecida pelo Perse, o que mostra quão acertada foi a ideia do programa. Além disso, esse desempenho também se explica pelo aumento dos custos com serviços essenciais que permeiam as atividades do setor, como combustíveis, aluguéis imobiliários e montagens de festas – os quais são repassados no preço final aos consumidores.”
De acordo dados da própria entidade, o estoque de 43 mil empregos formais que o segmento de eventos tinha em 2020 só foi recuperado na metade de 2022. Muito por causa das vantagens do Perse, esse número chegou a 73 mil postos de trabalho no fim do ano passado. Sendo assim, o fim do programa terá efeito imediato: reduzirá vagas de trabalho, diminuirá investimentos e interromperá a curva ascendente de um dos segmentos mais importantes do setor de serviços.
“Além dos efeitos econômicos, a manutenção da decisão de retirar o Perse entra em colisão com uma decisão ratificada pelo Congresso – e com a própria legislação tributária vigente. Nesse sentido, a Medida Provisória assinada pelo governo é mais um episódio da insegurança jurídica que as empresas brasileiras convivem historicamente.”
A Fecomércio-SP cita o Código Tributário Nacional (CTN), alegando só ser permitida a revogação de uma isenção fiscal, como o Perse, quando esta tiver um prazo indeterminado.
“A regra foi criada justamente pela expectativa de direito dos beneficiados dentro de um período estipulado. O próprio Supremo Tribunal Federal tem um entendimento consolidado quanto a isso: quando há isenção fiscal por prazo estabelecido, a desobrigação gera direito adquirido ao contribuinte beneficiado. A MP, assim, não apenas viola o que está definido no CTN como também vai contra o que o STF tem usado como base para as próprias decisões. Sem contar que, no ano passado, o Congresso alterou algumas linhas do programa, mas manteve o prazo de vigor (até 2027), decisão que estava tomada até a MP 1.202/2023, assinada nos últimos dias do ano passado e que, dentre outras medidas, revogou o programa, retomando as cobranças de PIS/Pasep, Cofins e CSLL já a partir de abril deste ano. Mais uma vez, uma decisão fundamental sobre um setor produtivo do país é tomada sem nenhum tipo de interlocução.”
Conhecida como “MP da reoneração da Folha”, a Medida Provisória 1,202/23, anunciada pelo governo em dezembro do ano passado, antecipa o fim de benefícios do Perse. O argumento apresentado é de que o programa tem um custo aproximado de cerca de R$ 17 bilhões, segundo dados do Ministério da Fazenda.
Sem ter acesso, até o momento, aos dados oficiais que comprovem este valor, as Associações de Turismo e Eventos de setores beneficiados pelo Perse contrataram a Tendências Consultoria para a elaboração de um estudo que mostrasse o custo real do programa. Com base em pesquisas públicas oficiais, incluindo a base de nota fiscal com dados realizados até junho de 2023, a Tendência estimou o custo efetivo do programa em R$ 6,5 bilhões. Esse valor considera os 44 Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAES) elegíveis para o Perse.
“Foram calculadas a renúncia com o programa em diferentes metodologias e, em todos os casos, o custo do programa na atual versão não ultrapassa os R$ 6,5 bilhões, muito distante do custo oficialmente divulgado pelo Poder Executivo”, analisa a sócia-diretora da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro. Ela destaca ainda que o estudo não leva em conta os valores renegociados de dívidas tributárias e não-tributárias que foram arrecadados pelo governo.
O estudo mostra uma recuperação mais lenta dos setores de eventos e turismo em comparação a outras atividades econômicas no pós-pandemia.
Enquanto para as atividades contempladas no Perse esse aumento foi de 4,3%, o total do Brasil foi de 11,8%, alavancado por setores como a construção (34%); as atividades profissionais, científicas e técnicas (29,7%); as atividades imobiliárias (22,3%); e a saúde humana e serviços sociais (20,3%).
“O estudo comprova o que o setor tem falado desde o início sobre o real custo do Perse. Estamos confiantes que, com isso, o Congresso siga sensibilizado de que essa medida abrupta de acabar com o programa pode parar um ciclo de investimentos e implicar em um ciclo de desinvestimentos, além ameaçar um cenário de segurança jurídica que já havia se tornado consenso entre o Estado brasileiro e o setor. Os empreendedores carregam um endividamento desde a pandemia, que foi parcelado ao longo dos anos e contam com o Perse não só para quitar esses compromissos, como para continuar trabalhando”, defende o presidente da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), Doreni Caramori.
“É preciso entender que o Perse foi criado como programa de socorro a um setor que foi completamente paralisado durante a pandemia. É um programa de recuperação dos prejuízos acumulados pelos setores de eventos e turismo. As isenções fiscais concedidas pelo Perse possibilitaram, até agora, a reestruturação desses setores, que estão entre os que mais rapidamente empregam” defende o presidente do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), Orlando Souza, para quem “a manutenção do Perse é fundamental para honrar com os pagamentos de empréstimos contraídos para superar o difícil período de pandemia, criar empregos e assegurar a distribuição de renda com a capilaridade que só o turismo e os eventos são capazes de fazer. Qualquer irregularidade em relação ao Perse deve ser demonstrada e punida, sem ampliar os prejuízos para Eventos e Turismo, setores fundamentais para o desenvolvimento econômico do país”.