“Não havia margem para outra decisão. A manutenção da taxa básica de juros do país, a Selic, em 10,5%, definida nesta quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, nada mais é do que reflexo de uma conjuntura marcada pelo câmbio pressionado, pela inflação em nova aceleração e pelas incertezas do cenário fiscal.” Essa é a opinião da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), para quem o comitê acertou na manutenção da Selic no patamar atual.
“Em primeiro lugar, o dólar disparou desde meados de junho, quando houve a última reunião do grupo. Hoje, a moeda norte-americana está em torno de R$ 5,65, enquanto estava R$ 5,35 há algumas semanas. A desvalorização cambial afeta os preços dos importados, bem como joga peso sobre a inflação interna. Esta, por sua vez, parecia ter arrefecido em junho – tanto nos dados gerais quanto no setor de Serviços, que preocupava o mercado desde o início do ano. No entanto, o último relatório do IPCA-15, na metade do mês, mostrou que os preços desse setor voltaram a acelerar (0,58%) após se manterem praticamente estáveis no período anterior (0,05%). Com isso, o índice cheio atingiu 0,3%, acima das expectativas do mercado.”
Ainda de acordo com a entidade, a consequência já tinha sido prevista no Boletim Focus, que, agora, projeta um IPCA de 4,1% ao fim do ano. Há um mês, essa taxa marcava 4%. Até mesmo as expectativas para 2025 são de elevação (de 3,87%, no começo de julho, para 3,96%, agora). É o que os economistas chamam de desancoragem – ou, dito de forma mais clara, a sensação de que há uma situação de possível perda de controle da inflação.
Contudo, na visão da Fecomércio-SP, o que mais balizou a decisão do Copom foi o cenário fiscal, que permanece bastante incerto. O dado mais relevante disso está no déficit nominal (que inclui pagamento de juros), hoje na casa dos 10% do Produto Interno Bruto (PIB). É quase o recorde histórico do país. Além disso, o déficit primário está, agora, na casa dos 2,44% do PIB, ou seja, muito longe da meta estabelecida pelo arcabouço fiscal. Por fim, as dívidas líquida e bruta estão em alta (62,2% e 77,8% do PIB, respectivamente), o que também gera preocupações.
“Diante de tudo isso, a federação entende que a decisão do comitê não é mais do que cautelosa, como o momento exige. Agora, seria um erro baixar um pouco mais a Selic – pelo contrário, o contexto pode indicar até uma medida mais dura, com elevação tímida dos juros. O que pode mudar o quadro é um posicionamento fiscal mais claro do governo”, diz a federação.
Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) vê com preocupação a decisão do Copom, do Banco Central, de manter a Selic em 10,5% ao ano. “O elevado nível em que a taxa se encontra faz o Brasil ter uma das maiores taxas de juros real do mundo e explica parte significativa do alto custo do crédito, situação que implica severas restrições à atividade econômica brasileira”, diz.
“Esperamos que a Selic volte a ser reduzida o quanto antes. A retomada de cortes é fundamental para a redução do custo financeiro suportado pelas empresas, que se acumula ao longo das cadeias produtivas, e pelos consumidores. Caso contrário, seguiremos penalizando não só a economia brasileira, mas, principalmente os brasileiros, com menos empregos e renda”, reforça o presidente da CNI, Ricardo Alban.
Segundo a CNI, ainda que houvesse um corte de 0,25 ponto percentual na Selic, levando a taxa para 10,25% ao ano, a taxa de juros real (que desconsidera os efeitos da inflação esperada para os próximos 12 meses) seria de 6,2% ao ano. Portanto, estaria 1,5 ponto percentual acima da taxa de juros real neutra – aquela que não estimula nem desestimula a atividade econômica, estimada pelo BC em 4,75% ao ano – sendo compatível com o atual quadro inflacionário. “Mesmo com esse corte de 0,25 ponto percentual, o Brasil seguiria ocupando a incômoda terceira posição entre as maiores taxas de juros real do mundo.”
Os reflexos dessa política monetária tão restritiva são claros quando se observa o comportamento do mercado de crédito e da atividade econômica. A Selic alta eleva o custo de captação dos recursos para as instituições financeiras. Para piorar, essas instituições ofertam crédito com spread bastante elevado. O Brasil tem o terceiro maior spread bancário do mundo, sendo mais um fator que encarece empréstimos e financiamentos.
“Somando isso à baixa oferta de crédito, há uma situação bastante adversa, tanto para os consumidores, que precisam de crédito para comprar bens de maior valor, quanto para as empresas, que precisam de crédito para investir, inclusive no âmbito do processo de neoindustrialização, orientado pela Nova Indústria Brasil (NIB). O consumo e o investimento são elementos centrais para o crescimento econômico.”
Quanto à atividade econômica, os prejuízos da política monetária restritiva também são perceptíveis. As previsões apontam para um crescimento do PIB menos intenso este ano em comparação ao ano passado: 2,9% em 2023, contra previsão de 2,2% em 2024, segundo o Relatório Focus, do Banco Central. Além disso, as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) sinalizam que o Brasil deve crescer menos que os demais países em desenvolvimento: enquanto estima que o PIB brasileiro deve crescer 2,1% em 2024, nos países em desenvolvimento o crescimento do PIB deve ser, em média, de 4,2%.
Por fim, a CNI aponta outros elementos importantes que o Banco Central também deve levar em consideração em sua avaliação, além das expectativas de inflação. No cenário doméstico, os núcleos de inflação – índices que desconsideram os itens mais voláteis do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – mostram desaceleração: a média de cinco núcleos do Banco Central que estava em 4,3%, em dezembro de 2023, registrou 3,4% em junho deste ano.
Também a Força Sindical divulgou nota sobre a Selic. Segundo o comunicado, assinado por Miguel Torres, presidente nacional da central, “mais uma vez o Copom apresenta um absurdo ao manter a Taxa Selic em 10,5% ao ano. Continuamos reféns dos poderosíssimos interesses dos rentistas. Taxa em valores estratosféricos é um verdadeiro prêmio aos especuladores. Os juros continuam proibitivos, e o Brasil perde outra chance de apostar na produção, consumo e geração de empregos.”
De acordo com ele, “o pagamento de juros, por parte governo, consome e restringe consideravelmente as possibilidades de crescimento do país, bem como os investimentos em educação, saúde, segurança e infraestrutura, entre outros.”
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