Não tem sido fácil traçar um cenário otimista para 2022. Os desafios que as economias – especialmente a brasileira – enfrentarão nos próximos meses são significativos. Chegando ao segundo aniversário do início da pandemia da Covid-19, é possível afirmar que os cenários mais catastróficos não se concretizaram. Na economia, um colapso completo em meio às medidas de restrição de circulação e isolamento social foi contido às custas de rápida e intensa resposta da política econômica na maioria dos países, que, em compensação, deixaram uma conta que já começa a chegar, em forma de inflação.
Na saúde pública, apesar da tragédia de quase 6 milhões de vítimas do novo coronavírus, um cenário ainda pior foi evitado graças ao desenvolvimento de vacinas em ritmo nunca visto, ainda que sua distribuição desigual entre os países preocupe. A emergência da variante Ômicron aumentou as taxas de contágio e o número de casos, mas, ainda que não tenha havido aumento de internações e mortes na mesma proporção, novas medidas de restrição foram impostas em muitos países – especialmente na China com sua política de “Covid-zero” – roubando pontos preciosos de crescimento e adiando a solução para os gargalos nas cadeias de produção globais que, em um caminho pavimentado pelos estímulos econômicos excepcionais, alimentaram a inflação ao longo do ano passado. A noção de que o “pior já passou”, que estimulou cenários mais otimistas para a economia global em meados do segundo semestre do ano passado, ficou para trás.
Nas últimas semanas, a escalada do conflito entre a Rússia e as potências ocidentais devido à invasão da Ucrânia trouxe incertezas e preocupações adicionais para o cenário econômico de 2022. Ainda que possa beneficiar alguns setores exportadores específicos, a alta das commodities que a guerra vem provocando dificulta e deverá tornar mais custosa a desinflação, que é o principal acontecimento da economia brasileira neste ano. A disparada do preço do petróleo exacerba o já relevante risco fiscal, na busca de se evitar que tal alta se traduza em mais aumento nos combustíveis para os consumidores finais.
Com a inflação mais alta que o esperado em todo o mundo, os juros voltaram a subir, e os anos de “dinheiro barato” devem ficar para trás. Um cenário de inflação em alta com ameaças relevantes para a atividade econômica é um pesadelo para os formuladores de política econômica, pois os riscos apontam em direções opostas, exigindo um ajuste fino. Manter os estímulos excepcionais por mais tempo pode sustentar a inflação em patamares altos e afetar as expectativas de longo prazo. Retirá-los cedo demais pode derrubar taxas de crescimento e prejudicar economias que ainda lutam para se recuperar do choque da pandemia e as novas restrições de oferta da guerra.
No Brasil, a Selic já subiu de uma mínima histórica de 2% para 10,75% e, segundo a mediana do boletim Focus mais recente, deve continuar a subir até 12,25% ao longo de 2022. A desinflação poderá ser ajudada por alguns choques positivos nos preços, como a retirada das bandeiras de crise hídrica das tarifas de energia elétrica, mas, de qualquer maneira, o custo da desinflação será relevante.
Na Europa, onde há pouco tempo a inflação parecia ser uma preocupação menos relevante, a inflação ao consumidor ultrapassou os 5% em janeiro, e o Banco Central Europeu sinalizou que um aumento de juros ainda este ano não deve ser descartado. No entanto, é para os EUA, ainda maior economia do mundo e emissores da moeda de reserva internacional, o dólar, que as atenções estarão voltadas nos próximos meses. Por lá, com a inflação no nível mais alto em quatro décadas, a reversão na postura do Fed foi forte. Há quem espere, agora, que a autoridade monetária americana aumente os juros básicos em todas as reuniões deste ano. O desafio do Fed – e, de certa maneira, de todos os Bancos Centrais neste momento – é trocar, em pleno voo, a turbina dos estímulos excepcionais utilizados na pandemia pela turbina da “normalização” da economia, conforme se dissipem seus efeitos negativos sobre as cadeias de produção e sobre o mercado de trabalho, em uma metáfora muito usada no Brasil em relação à substituição de estímulos públicos por privados após a recessão de 2015/16.
A economia mundial, portanto, terá de lidar com um cenário de condições monetárias bem mais apertadas, com todas as conhecidas consequências negativas, especialmente para as economias emergentes, como o Brasil. Por aqui, a redução da liquidez internacional pode adicionar pressão à taxa de câmbio que já se encontra muito depreciada – mesmo com a valorização das últimas semanas e quando comparada a de outros países emergentes – por nossas incertezas fiscais e políticas, principalmente em um ano de eleições presidenciais. Uma taxa de câmbio permanentemente depreciada atrapalha o controle da inflação e exigiria um aperto monetário ainda mais forte para fazer os preços cederem.
Assim, o cenário central para 2022 é complicado por uma combinação de inflação elevada, juros em alta e a enorme incerteza fiscal e política de um ano eleitoral. Entretanto, há razões para crer que 2023 possa ser melhor. Em primeiro lugar, porque a incerteza associada às eleições terá se dissipado. O governo eleito este ano terá incentivos para, dado o quadro interno e o externo descritos acima, usar de moderação no manejo da política fiscal, de modo a evitar uma continuidade da deterioração das expectativas que atrapalhe ou inviabilize uma retomada do crescimento, que sempre gera benefícios políticos a quem quer que esteja no poder. O risco, porém, é que o próximo governo não consiga gerar expectativas positivas no tempo político adequado, levando-o a buscar soluções inadequadas, que não recolocariam o País em uma trajetória de crescimento e redução das desigualdades.
A segunda razão para esperar um 2023 melhor é que o custo mais relevante da desinflação, em termos de crescimento, deverá ter ficado em 2022 e, no ano que vem, os juros deverão voltar a cair. O Focus projeta um crescimento de apenas 0,29% neste ano, com retomada para 1,69% no ano que vem, ainda uma taxa baixa para uma economia que precisa crescer, mas os riscos são para cima, até pela base fraca de comparação.
O que também deve ajudar o cenário mais positivo em 2023 é a superação da pandemia, que até lá deve se tornar endemia, destravando de vez os gargalos nas cadeias globais de produção e melhorando a previsibilidade dos cenários, com efeitos benéficos sobre as decisões de investimento e consumo.
Para o setor segurador, com uma ampla gama de produtos que respondem de maneira heterogênea a diferentes cenários para o nível de atividade e a taxa de juros, é difícil traçar conclusões transversais. Com dados divulgados pela Susep até novembro do ano passado, o setor segurador como um todo, sem Saúde Suplementar e excluindo o DPVAT, cresceu 13,3% em relação ao mesmo período do ano anterior. Descontada a variação média de preços, ou seja, em termos de moeda de poder de compra constante, a variação foi de bem mais modestos 4,8%, compatível, entretanto, com a variação real esperada para o PIB no mesmo período. Há muitas evidências de que a pandemia reforçou a importância da proteção securitária nas empresas e nas famílias. Em um cenário de maior previsibilidade, ainda que com crescimento moderado, é possível esperar que tal percepção esteja na base de um crescimento saudável para o setor segurador, retomando sua trajetória de aumento de penetração no PIB.
2022 não será um ano fácil. Mas há razões suficientes para esperar que as coisas melhorem no ano que vem. Feliz 2023!
Luiz Roberto Cunha e Pedro Simões são economistas do Comitê de Estudos de Mercado da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).