Emocionante. Comovente. Histórico. Inesquecível. Primoroso. Adjetivos não vão faltar para comentar o filme Ainda estou aqui, que vem arrebatando críticas espetaculares dos principais veículos de comunicação do mundo e conquistando prêmios dos mais importantes. No último dia 6, consagrou a atriz Fernanda Torres, com o prêmio de melhor atriz dramática do planeta, ao receber o Globo de Ouro. Na disputa, estavam as extraordinárias Pamela Anderson (The Last Showgirl); Angelina Jolie (Maria Callas); Nicole Kidman (Babygirl); Tilda Swinton (O quarto ao lado); e Kate Winslet (Lee). O Brasil, de Norte a Sul, pulou de alegria e contentamento, quando o nome de Fernanda foi lido pela atriz Viola Davis, e todos se sentiram representados por Fernanda Torres que, emocionada, fez um belo discurso resgatando a história da película, falando da importância da Família Paiva e seu sofrimento e homenageando sua mãe, Fernanda Montenegro, em uma fala em um inglês impecável.
Há 26 anos, Walter Salles e Fernanda Montenegro levaram o Brasil ao topo do cinema mundial com Central do Brasil, uma obra que emocionou plateias e marcou a história do país. Hoje, esse mesmo legado se renova de forma grandiosa. Com Ainda Estou Aqui, Salles reafirma sua genialidade e leva mais uma vez o cinema brasileiro ao reconhecimento internacional. E agora, Fernanda Torres brilha com esse prêmio, em uma atuação que não apenas emociona, mas crava seu nome entre as grandes estrelas do mundo.
É impossível falar de cinema brasileiro sem exaltar o trabalho de Walter Salles. De Central do Brasil a Ainda Estou Aqui, sua capacidade de capturar a alma do país, suas dores e afetos, transforma cada obra em um acontecimento. E, ao lado dele, Fernanda Torres entrega uma performance monumental, mostrando que o talento corre no sangue e que a força de nossas atrizes segue escrevendo a história do cinema. Importante também destacar o brilho de Selton Melo, encarnando o deputado Rubens Paiva, assim como a impecável e icônica Fernanda Montenegro, vivendo, nos últimos tempos, Eunice Paiva, viúva do político assassinado pela ditadura militar do Brasil (1964-1985). Ela morreu, aos 86 anos, em 2018, quatro anos após a Comissão Nacional da Verdade emitir o relatório que solucionou o desaparecimento de Rubens Paiva
Essa vitória não é apenas de Fernanda Torres, mas de todo o cinema nacional. É mais um passo rumo à valorização de nossas histórias e do poder da arte brasileira. Walter Salles continua a construir pontes entre o Brasil e o mundo, e Fernanda Torres, com esse prêmio, reafirma a grandiosidade de nossa cultura, com elegância, charme e talento.
O Globo de Ouro é uma premiação anualmente entregue, desde 1944, pela Hollywood Foreign Press Association aos melhores profissionais do cinema e da televisão de todo o mundo. A premiação é reconhecida como uma das maiores honras que um profissional dessas indústrias possa receber, sendo o maior prêmio da crítica, já que o Óscar e o Emmy são prêmios atribuídos por meio da avaliação dos respectivos pares. O Globo de Ouro é entregue no começo de cada ano, baseando-se nos votos de 93 membros da Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood e que são associados com a mídia de fora dos Estados Unidos. A cerimônia é realizada, desde 1961, em Beverly Hills, em Los Angeles.
No início da década de 1970, o Brasil enfrenta o endurecimento da ditadura militar. No Rio de Janeiro, a família Paiva – Rubens, Eunice e seus cinco filhos – vive à beira da praia em uma casa de portas abertas para os amigos, no bairro do Leblon. Um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece. Eunice – cuja busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estenderia por décadas – é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos. No filme, Fernanda Torres revive a história real de Eunice Paiva, advogada. Eunice passou 40 anos procurando a verdade sobre Rubens, seu marido desaparecido durante os chamados anos de chumbo.
Ainda Estou Aqui trata-se da adaptação do livro homônimo escrito por Marcelo Rubens Paiva, conhecido pelo livro Feliz Ano Velho — um grande sucesso de vendas nos anos 1980. A vida da família se transforma completamente quando, em um dia fatídico, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e some sem deixar rastro algum. Eunice, que dedicará décadas em busca de respostas sobre o paradeiro do marido, precisa se reconstruir e traçar um novo caminho para si e para seus filhos, enfrentando imensas dificuldades e ainda os criminosos de plantão.
O elenco do filme também conta também com a participação de Valentina Herszage (Elas por Elas); Maeve Jinkings (Pedágio); Antonio Saboia (Deserto Particular); Olívia Torres (Continente); Humberto Carrão (Aquarius); Dan Stulbach (Mulheres Apaixonadas); Charles Fricks (Terra e Paixão); Caio Horowicz (Boca a Boca); e Daniel Dantas (Pega Pega).
Como disse o diretor Tadeu Aguiar, “esse prêmio lava a alma de todos os verdadeiros BRASILEIROS! E um soco na cara de outros brasileiros de alma menor e medíocre que pertencem a uma turba de gente contra a arte, contra a inteligência, contra a democracia, contra o amor, contra a tudo que significa beleza. Hoje, me sinto maior por sua causa! Esse é o BRASIL que existe dentro de mim!”
Continuamos, na torcida, agora com mais chances, para que o Óscar seja conquistado, em março. São grandes as chances de o filme ser premiado e de Fernanda Torres ganhar essa tão cobiçada estatueta da Academia de Cinema dos Estados Unidos.
Nesse momento de empolgação natural dos brasileiros que amam o cinema, as artes e a cultura em geral, é importante destacar que, antes de Fernanda subir ao pódio em Los Angeles, quatro outros atores brasileiros foram indicados ao Globo de Ouro, mas nenhum deles levou o prêmio: Sônia Braga recebeu, ao todo, três indicações ao Globo de Ouro.
A primeira delas foi, em 1986, quando concorreu ao prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante pelo filme O Beijo da Mulher-Aranha (1985). Em 1989, ela recebeu a mesma indicação por Luar sobre Parador (1988). Já em 1995, Braga foi indicada a Melhor Atriz Coadjuvante em Minissérie, Antologia ou Filme para a TV, pelo longa Amazônia em Chamas (1994).
Daniel Benzali, brasileiro radicado nos Estados Unidos, foi indicado ao prêmio de Melhor Ator em Série de Drama, em 1996, pelo trabalho em Murder One (1995-1997). Fernanda Montenegro participou da premiação muito antes de sua filha. Ela foi indicada a Melhor Atriz pelo papel em Central do Brasil (1998). E Wagner Moura foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Ator em Série de Drama, em 2016, pelo papel de Pablo Escobar na série Narcos (2015-2017).
Central do Brasil (1998) venceu o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, em 1999. O longa-metragem também foi dirigido por Walter Salles; Cidade de Deus (2002) concorreu a Melhor Filme Estrangeiro, em 2003; Orfeu Negro, em 1959, concorreu e venceu o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, em 1960. Apesar de ter sido gravado no Brasil e falado em português, a obra foi dirigida por Marcel Camus, o que levou o título para a França; e Pixote: A Lei do Mais Fraco, em 1981, foi indicado a Melhor Filme Estrangeiro em 1982.
Apesar de ter concorrido na categoria de melhor filme em língua não inglesa, Ainda estou aqui não levou o Globo de Ouro. Com ele, estiveram na disputa: Tudo que imaginamos como luz (Índia); Emilia Pérez (França), que se consagrou o vencedor; A garota da agulha (Dinamarca); A semente do fruto sagrado (Alemanha); e Vermiglio (Itália).
Se o filme de Waltinho Salles não recebeu o Globo de Ouro, essa obra, sensível e espetacular, é um sucesso no mundo. Foi coroado no Festival de Veneza 2024. Lá, em um dos festivais de cinema mais importantes do mundo, a produção ganhou o prêmio de Melhor Roteiro; Green Drop Award: ainda no Festival de Veneza, Ainda Estou Aqui recebeu o prêmio Green Drop, concedido ao filme que “melhor representa os valores da ecologia e do desenvolvimento sustentável, com foco na conservação do planeta e de seus ecossistemas para as gerações futuras, promovendo estilos de vida sustentáveis e a cooperação entre os povos”.
Em Signis Award, também em Veneza, o filme ainda levou o troféu do Júri Signis, concedido pela Associação Católica Mundial para Comunicação, que costuma reconhecer projetos que exploram a dignidade humana, a justiça e a paz.
No evento paralelo do Critics Choice Awards, um dos maiores prêmios do cinema, Fernanda Torres foi reconhecida no Celebration of Latino Cinema and Television, como Melhor Atriz Estrangeira.
Em Vancouver International Film Festival, no Canadá, a produção recebeu o prêmio do público, o Gala & Special Presentations Audience Award. No Mill Valley Film Festival, Ainda Estou Aqui foi premiado com o Audience Favorite World Cinema, concedido pelo público do evento; em Pingyao International Film Festival, na China, homenageou o diretor Walter Salles com o prêmio Crouching Tiger Hidden Dragon East-West Award,
Na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em um dos principais eventos de cinema do Brasil, a produção foi eleita pelo público como o melhor filme nacional de ficção. E no Miami Film Festival, Ainda Estou Aqui foi agraciado com o prêmio do público, o Audience Award.
Ainda Estou Aqui, que chega, dia 15 ao circuito francês, já foi assistido, no Brasil, por 3 milhões de espectadores. E as filas continuam, ainda mais agora, quando Fernanda Torres recebeu essa premiação, sendo a primeira brasileira a ostentar tamanha honraria. Fica o seu nome gravado, e definitivamente, na História do Cinema Nacional.
Aplausos infinitos, Fernanda. Você é uma atriz simplesmente sensacional.
Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula