O avanço no conflito entre Rússia e Ucrânia teve desdobramentos na comercialização internacional de produtos como fertilizantes, dos quais os russos são importantes fornecedores. O setor é um nos quais o Brasil tem grande dependência de compras externas, já que cerca de 80% dos fertilizantes usados no país são importados.
No caso russo, segundo a Scot Consultoria, o país foi o principal fornecedor de cloreto de potássio para o Brasil e um dos maiores fornecedores de fertilizantes nitrogenados e fosfatados em 2021. Além dos produtos russos, que não devem chegar mais ao Brasil, outro problema é o bloqueio imposto pela Lituânia, por onde passam os embarques da Bielorrússia, outra importante fonte de potássio para a agricultura brasileira.
A Rússia também exporta produtos como nitrato de amônia e fosfatados, mas essas fontes de fertilização podem ser supridas por outros países.
“Em fosfatos acredito que conseguimos uma compensação com maior facilidade para não ter dependência da Rússia. Mas o cloreto de potássio é o quadro mais complicado, porque Rússia e Bielorrússia responderam por quase 70% do que importamos no ano passado”, afirmou o consultor independente José Francisco da Cunha.
Para ele, os países árabes podem se colocar como uma alternativa para alguns produtos dos quais já são importantes fornecedores, como fósforo, nitrogenados e ureia. Eles não são, no entanto, produtores expressivos de potássio.
“Os árabes não devem fazer muito com relação ao potássio porque não são produtores. Agora, o que pode mudar o rumo para eles são os nitrogenados e fosfatados. Poderia haver aumento de compra de países como a Arábia Saudita, para compensar o que não vai ser importado da Rússia”, disse ele.
Outro país importante nesse comércio é o Marrocos, que segundo a Embrapa, possui cerca de 70% das reservas mundiais conhecidas de fósforo. No país, a empresa OCP detém o monopólio do nutriente e é a maior fornecedora de fósforo para o Brasil, atendendo cerca de 40% das importações nacionais.
Os sauditas também são fortes vendedores de nitrogenados, enquanto o Catar produz enxofre e ureia. No bloco árabe, há ainda países exportadores de fertilizantes como o Egito, a Jordânia e a Tunísia. A Jordânia tem produção de potássio.
Nesse início de ano, o Brasil passa pela safrinha, quando é feito o plantio de culturas de ciclo curto, como o milho, para aproveitar o período que seria de entressafra. Esse costuma ser um período de menor demanda por fertilizantes, que devem passar a ser mais visados a partir de outubro.
Os preços dos fertilizantes já vinham em alta no Brasil. Segundo análise da Scot Consultoria, os valores praticamente dobraram em 2021, elevando o custo de produção, principalmente para a safra 2022/23.
O Brasil é o quarto importador mundial de fertilizantes. Apesar da demanda expressiva do produto em solo nacional, a indústria brasileira de fertilizantes não seguiu o ritmo de crescimento. Com produção já pequena, muitas plantas vêm sendo descontinuadas, como a Araucária Nitrogenados, uma das plantas que a Petrobras tinha para produção de fertilizantes e que foi fechada. A unidade de fertilizantes nitrogenados da Petrobras (UFN 3), em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, foi comprada pelo grupo russo Acron no ano passado. A venda foi anunciada, na época, pelo próprio Ministério da Agricultura brasileiro.
Em declarações públicas nos últimos dias, Jair Bolsonaro afirmou que o conflito entre Rússia e Ucrânia teria impacto nas importações brasileiras de fertilizantes e que a solução passava pela exploração mineral em terras indígenas dentro do país. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), “desta forma, o governo utiliza a situação vivida na Europa para ampliar sua guerra particular contra os povos originários no Brasil.”
“Nos últimos dias, Bolsonaro encontrou no conflito entre Ucrânia e Rússia novo combustível para aumentar sua pressão sobre os povos indígenas. Além das declarações públicas em redes sociais do presidente, a base governista no Congresso Nacional já está pedindo adesão entre os deputados federais a um Requerimento de Urgência assinado pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, solicitando a apreciação rápida e em plenário do PL 191, sem passar pelo devido procedimento de análise nas Comissões. Em 2019, o governo Bolsonaro se reuniu em várias ocasiões com representantes do banco canadense Forbes & Manhattan, que está por trás das empresas Belo Sun – interessada na exploração de ouro, na Volta Grande do Xingu – e a Potássio do Brasil – com interesse na exploração de potássio nas terras do povo Mura. Já durante os anos de 2020 e 2021, em plena pandemia, houve pelo menos sete reuniões entre o Executivo e representantes diretos da Potássio do Brasil e o empreendimento foi contemplado dentro da chamada política Pró-Minerais Estratégicos na qual o governo se compromete a facilitar o licenciamento ambiental”, diz o Cimi.
O acirramento da hostilidade de Bolsonaro contra os povos indígenas pretende responder aos interesses de setores da mineração e do agronegócio, na tentativa de manter apoios eleitorais e de consumar, antes das eleições de 2022, seu projeto de poder e de morte. É importante destacar que o agronegócio brasileiro continua batendo recordes de produção de grãos para a exportação e aumenta os lucros para pequenos grupos econômicos enquanto crescem no país os indicadores de pobreza e exclusão, acompanhados de uma subida permanente do preço dos alimentos.
Com informações da Agência de Notícias Brasil-Árabe
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