Fogo no parquinho

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No dia 20 de abril, poucas horas antes de caducar o prazo de aprovação da Medida Provisória 905/2019, que criou o contrato de trabalho verde e amarelo, o presidente do Senado mandou avisar ao presidente Jair Bolsonaro que a medida não seria analisada naquela Casa porque o tempo era curto e a matéria exigia reflexão mais profunda. A Câmara dos Deputados já havia apreciado o texto, com dezenas de acréscimos e substitutivos, e cabia agora ao Senado opinar sobre as mudanças e mandar o texto à sanção do presidente.

O presidente, certamente mal aconselhado por algum jurista de plantão, editou outra medida provisória, a de 955, e revogou a anterior, a 905, e prometeu reeditar a medida, desta vez incluindo matérias relativas à pandemia do coronavírus. Com isso, Bolsonaro pensou ter driblado o STF e a Constituição Federal, mas quebrou a cara nos dois casos. Numa Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta por um partido político, e julgada pelo regime dos recursos repetitivos, o STF firmou o entendimento de que uma medida provisória rejeitada não pode ser reeditada na mesma sessão legislativa. Além disso, o art.62, inciso 10 da Constituição Federal proíbe expressamente a manobra.

A questão mais crucial, agora, não é decidir o que fazer com as tentativas de pedaladas do governo, pois para isso o STF está muito atento. O que advogados, empresas e juízes têm de fazer é decidir como ficam os contratos de trabalho verde e amarelo firmados pelas empresas enquanto a MP 905 estava em vigor. Essa medida, caso não se lembrem, trouxe profundas modificações na legislação celetista e, segundo a maioria dos juristas, arrochou os direitos dos empregados e deixou o sindicato à margem de toda a negociação, quase um ator coadjuvante de um script macabro. Para uma corrente de juspensadores, esses contratos de trabalho perderam a validade com a revogação da MP 905. Tudo volta a zero e vamos ter de restabelecer a velha e conhecida CLT. Para outros, os contratos de trabalho firmados na constância da MP 905 são válidos e devem ser observados até o final.

A primeira corrente, mais radical, não encontra amparo em lei e tem o inconveniente de criar insegurança jurídica e acrescentar a esse caldeirão de incertezas preocupação ainda maior às empresas. Rescindir os contratos de trabalho apenas porque a MP 905 foi revogada significa instaurar o caos nas obrigações que já são capengas diante do quadro que a própria pandemia já oferece.

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Obrigações contraídas e contratos celebrados durante o prazo de vigência de uma medida provisória são válidos e obrigam os contraentes nos limites do contratado, mesmo que a medida provisória caduque ou, como no caso da MP 905, seja revogada pelo presidente da República. Os contratos de trabalho devem ser cumpridos até o fim. Terminado o prazo de validade desses contratos, a empresa poderá ou não manter o trabalhador no emprego, passando, esse contrato, a reger-se pela CLT, e não mais pela MP 905, já revogada. Contratos novos devem ser celebrados com base na CLT. Qualquer decisão fora desta última alternativa seria, como se diz popularmente, tocar fogo no parquinho.

 

Mônica Gusmão é professora de Direito Empresarial, do Consumidor e do Trabalho.

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