Forças Armadas para quê?

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A maior ameaça externa à segurança do Brasil é exatamente a ausência de ameaças ostensivas – pois isto gerou nos brasileiros o desinteresse pelos assuntos de defesa. Nossa fraqueza militar – longe de dissuadir atitudes hostis e encorajar atitudes de amizade – pode muito bem levar Estados mais poderosos a optarem pelo emprego de pressões militares contra o Brasil, a fim de obterem vantagens ou concessões unilaterais. Entretanto, esta ameaça latente não é percebida pela opinião pública.
A posição excêntrica da América do Sul (que fica relativamente distante dos principais centros mundiais de poder) permitiu ao Brasil, por longo tempo, defender-se pelo anonimato. Nosso país encontra-se bastante defasado, no campo militar, pois os meios de dissuasão que possui atualmente são incompatíveis com a amplitude de seus interesses externos. A proteção de tais interesses – os quais poderiam incluir a vida e a segurança de brasileiros, em áreas de conflito no exterior – depende unicamente da diplomacia do Itamaraty e da boa-vontade de terceiros – uma vez que nosso Poder Militar não tem capacidade para se projetar além de nossas fronteiras, exceto em cooperação ou sob mandato internacional.
Uma hipótese de guerra é uma peça fundamental do planejamento militar tradicional, e dela é extraído o plano de guerra correspondente. Na ausência de uma ameaça militar ostensiva e concreta (isto é, de um inimigo personalizado e real), capaz de configurar uma hipótese de guerra específica, o planejamento de nossa defesa deverá basear-se na identificação das vulnerabilidades estratégicas e dos interesses nacionais legítimos. Entre as vulnerabilidades estratégicas do Brasil, poderíamos destacar a condição de importador de energia (principalmente petróleo), a extensão das fronteiras terrestres e marítimas (estas últimas incluindo as rotas de interesse imediato para o país), e a posse de ricas jazidas minerais e imensas reservas florestais e de água doce. Os interesses legítimos da nação refletem aspirações de toda a sociedade, cristalizando-se em objetivos nacionais.
A vulnerabilidade de nosso território – em especial a Amazônia, a plataforma continental e a zona econômica de 200 milhas marítimas – torna urgente que cuidemos da defesa de nossa soberania, nossos interesses e nosso patrimônio, utilizando os meios de que dispomos. O despreparo material das Forças Armadas agrava o risco de desmembramento ou de intervenção estrangeira, resultante da crise que atinge o Brasil. Muitos até afirmam que a crise é induzida, e tem por objetivo criar as condições internas favoráveis à uma intervenção “humanitária”.
Em 1991, a publicação britânica The Economist sugeriu que qualquer intervenção (política, econômica ou militar) das grandes potências, em países periféricos, deveria atender a três requisitos: a) deveria haver uma vítima merecedora de ser salva; b) deveria haver perspectiva de total sucesso, numa eventual operação militar;  e c) a intervenção deveria atender a algum interesse específico das potências hegemônicas. Ironicamente, tal lógica permite deduzir que, a fim de reduzir o risco de uma intervenção estrangeira, o possível país-alvo deverá evitar que qualquer destes requisitos seja atendido – ou que, pelo menos, os três não sejam atendidos ao mesmo tempo.
Para que não seja atendido o requisito “a”, o Brasil deverá preservar sua democracia, evitar o surgimento de enclaves de qualquer tipo em seu território e garantir a segurança e os direitos humanos de toda a população, além de tomar cuidados básicos com a conservação do meio ambiente. Para que o requisito “b” não seja atendido, deverá ter Forças Armadas dotadas de credibilidade, capazes de manter acima de zero o patamar de risco, para qualquer adversário, de uma ação militar contra o país. Finalmente, para evitar que seja atendido o requisito “c”, deverá ocupar os espaços vazios existentes, integrar a Amazônia ao desenvolvimento nacional e viabilizar a utilização racional dos recursos naturais do território, da plataforma continental e da zona econômica exclusiva – a fim de que os mesmos não despertem a cobiça internacional.
Em relação à Amazônia, é necessário retomar o Projeto Calha Norte, com a participação das Forças Armadas e de órgãos públicos civis. Naturalmente, isto inclui aumentar os efetivos militares na região, além de dotá-la de uma cobertura de radar adequada, por meio do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). No Atlântico Sul, devemos aumentar a presença do Brasil, com meios navais e aéreos adequados ao cumprimento das tarefas de vigilância e patrulhamento de extensas áreas marítimas. O Brasil necessita de um projeto de desenvolvimento autosustentado que, sem descuidar das prioridades econômicas e sociais (com destaque para a educação, ciência e tecnologia), não se esqueça do reaparelhamento das Forças Armadas. A ausência de um projeto nacional autônomo põe em risco nosso patrimônio, nossa integridade territorial e nossa identidade nacional.

Eduardo Italo Pesce
Especialista em Relações Internacionais, professor do Centro de Produção da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e membro do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres).

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